Bekkendor Kingdom Brasileira

Autor(a): Zanjord

Revisão: Zanjord


Volume 1

Capítulo 2: A execução

Reino Bellandor, 18 de Dezembro de 637, pós cosmordenação.

 

Os ventos do norte nessa época do ano estavam fortes, as folhas das grandes árvores de Nord Vugge, região gélida do continente Koaroan, balançavam vívidamente de um lado para o outro.

A neve fofa cobria todo o chão de um reino que prosperou por décadas. As casas e o castelo foram construídos e fortificados com pedras e madeiras de pinheiro.

As pessoas que passavam pela praça principal observavam em silêncio duas grandes estacas de madeira. Amarradas a elas estavam duas criaturas: feras peludas e fortes, com grandes focinhos e dentes afiados.

As criaturas não esboçaram nenhuma reação ao ver as pessoas se aproximarem, seus olhares estavam frios e sem emoção pelos tormentos que passaram naquele lugar. — Cães sarnentos! — diziam as pessoas próximas ao que seria uma fogueira ao redor das estacas.

Logo, aglomerou mais e mais gente, todos que estavam ali eram pessoas ressentidas e com remorsos em seus corações. Seus olhares não demonstravam nenhuma piedade — Devolvam minha filha! — um cidadão gritava amargurado.

Guardas se aproximavam enfileirados. Com seus machados, espadas e lanças de prata eles se posicionaram à frente do lugar, não deixando nenhum cidadão sequer passar daquele ponto. — Quando a execução vai começar? — muitos se perguntaram inquietos.

A fúria e amargor dos cidadãos aumentava à medida que o tempo passava. Então, eles começaram a gritar, mas dessa vez, não mais algo desorganizado, mas sim, um grito de aclamação, um chamado do público. — Bôdil! Bôdil! Bôdil! — foi o que os guardas ouviram do fundo dos pulmões da população do reino de Bellandor…

Os gritos podiam ser ouvidos mesmo que longe do lugar. Em uma taverna, um homem com vestes sofisticadas acompanhado de seus soldados, bebia uma caneca após outra sem pensar.

— Isso sim é um bom hidromel! — disse o homem batendo a caneca na mesa após beber pela nona vez. Sua capa vermelha destaca seu papel diante a todos, sua armadura brilhante não tinha um no reino que não a reconhecesse juntamente de sua lustrosa coroa.

Um soldado se aproximou do balcão onde o mesmo estava sentado. — Senhor, está ouvindo?

Burp! A mais tempo que você, se duvidar — levantou agarrando seu machado de guerra que estava escorado perto do seu banco. — Droga, sujei a minha roupa de novo! Ah, é. Obrigado, Frank. — ele deixa um saco de moedas para o taverneiro antes de sair.

Enquanto andavam até a calçada da praça, um de seus soldados o abordou o cumprimentando. — Senhor, Bôdil. Os preparativos para a execução já estão prontos — O rapaz tinha ombros largos e cabelos trançados, olhos verdes e um bom senso de educação.

— Bom te ver, Herik. Já estou ciente disso, deixe o resto comigo — ele continuou. — Ah, não se esqueça da nossa conversa depois, hein?

— Sim, senhor.

Enfim, Bôdil segue seu caminho até a praça principal seguido por todos os seus guardas, incluindo Herik…

A multidão continuava a gritar como se não houvesse amanhã, ancinhos e garrafas foram arremessadas na direção das criaturas que já estavam repletos de ferimentos pelo corpo, se contorcendo pela dor causada, uma verdadeira barbaridade.

Eles olharam com pesar em seus olhos, um para o outro.

— Nós… Devíamos ter escutado eles…

— Eu estava faminta… Me desculpe…

A voz das criaturas, apesar de humanas, saiam em um tom mais grosso, entretanto era reconhecível a fala e um timbre mais humano.

— Silêncio!

Um arrepio correu pelo corpo das feras, um frio inexplicável tomou de conta de seus estômagos, o olhar que antes estava desamparado agora sentiam um congelante toque de desespero.

A multidão, ao reconhecer a voz, gritava novamente seu nome. Enfim, Bôdil havia chegado. Sua presença era o bastante para fazer qualquer uma daquelas feras tremer, e seu machado de guerra o tornava ainda mais imponente e poderoso.


— Vocês… São do pior tipo que tive a infelicidade de conhecer um dia. Falar nossa língua é uma ofensa!

Os cidadãos gritavam concordando com as palavras de seu rei, — cortem a língua deles! — eles disseram. Bôdil começou a esboçar um leve sorriso.

— Veja só — ele levantou a cabeça de uma das criaturas forçadamente pelo queixo, utilizando a ponta de seu machado. Ele continuou. — Este é o grito do povo. Sua espécie já nos deu muitos problemas… Inclusive para mim. A hora tão aguardada está para chegar.

Ao guardar seu machado, o jovem rei de cabelos brancos se virou para o público que ansiava ver a execução, tirando toda a atenção antes voltada às feras e direcionando-a agora para seu regente.

— Povo de Bellandor! Aqui estamos, como toda semana, para mais uma execução. Sei que todos aqui tem contas a acertar com os lupus, estas feras que roubaram seus entes queridos, rasgaram suas carnes ou os fizeram se tornar um deles — a breve pausa do rei juntamente de seu olhar baixo fez um silêncio tomar de conta do lugar.

— Isso é mentira! — a lupus amarrada gritou impulsivamente, com lágrimas em seus olhos e coração aflito.

— Xay, não!

O rei se virou furioso olhando fixamente para a lupus petulante que ousou desafiar sua autoridade no meio de seu discurso…

Whoosh!

O som de seu machado prateado cortando o ar foi a única coisa que todos ouviram. Os cidadãos observaram boquiabertos e trêmulos o gotejar de sangue na lâmina, enquanto a cabeça da lupus rolava pelo chão, tingindo-o de vermelho.

A reação do público era um misto de surpresa, respeito e medo. A capa do rei balançou com a força do golpe desferido em direção a criatura vil.

— Como ousa atrapalhar a minha atração! Agora só tenho um para entreter. Que seja.

Com um chute da ponta de seu sapato pontudo, a cabeça rolou até próxima de seu povo, encostando na perna de uma jovem moça.

— Aaaah! Que coisa horrorosa. Tira isso de perto de mim!

A afeição de decepção no rosto de Bôdil era evidente, mas é claro, aquela lupus havia arruinado o seu espetáculo. “A essa hora não dá pra arranjar outro. Até sair da prisão do castelo iria demorar muito” ele pensou.

— Como podem ver… Um machado prateado sempre resolve, não é? Mas qual a graça de encerrar o espetáculo assim tão rápido? Independente de quantos forem, o show tem que continuar! — levantando a mão, Bôdil pede para que um de seus soldados leais lhe entregassem uma tocha e uma garrafa cheia.

Rapidamente, um rapaz alto com armadura exuberante, grande capa azul, de cabelos ruivos e uma franja que tapava seu olho esquerdo apareceu entregando o que seu regente havia solicitado.

— Muito obrigado, Gerthvid.

— Hum! Você nunca mudou, desde aquele dia.

Hi he he he! Sossegue, comandante. Volte pra sua posição e assista o show.

Com vontade, o rei arrancou a rolha da garrafa de cerveja e derramou em cima da tocha, arremessando com força na cabeça do último lupus ainda vivo.

— Chegou a sua vez, criatura asquerosa, mas não se preocupe. Farei com que seja rápido assim como foi com ela.

— Não… NÃO! Por favor! — o lupus gritou e se contorceu freneticamente tentando se soltar das amarras, infelizmente os nós eram muitos em seus braços.

Logo ele se aproximou da multidão. Todos estavam fervorosos para ver enfim o desfecho da tão demorada execução pública.

Usando seu machado com uma pederneira, ele bateu com a lateral da lâmina. A faísca gerada criou uma breve labareda, que se propagou ao redor do lobisomem. Lentamente, as chamas se aproximavam de seus pés.


Aproximando a tocha apagada cheia de bebida ao fogaréu, enfim se acendeu instantaneamente, como o piscar de uma lâmpada forte recém ligada.

— Volte para as profundezas! — ele arremessou a tocha na direção do peito da criatura. Ao se chocar, queimou o torso do lupus e espalhou brasas ao redor da fogueira e enfim o fogo o alcançou vorazmente.

Os cidadãos gargalhavam e berravam como loucos à medida que o fogo o consumia. Os gritos de terror e agonia se misturavam com as vaias e risos. A criatura nada via além de sombras em meio a um clarão em seus olhos lacrimejantes, apenas a sombra daqueles que um dia considerou irmãos e amigos.

Os berros ensandecidos da fera o faziam se lembrar de cada memória vívidamente antes de estar naquele lugar e ser capturado pelos soldados de Bellandor. As chamas o devoravam mais rápido que uma alcateia inteira de lobos em cima de um pedaço de carne…

No meio da multidão, enquanto todos estavam distraídos com o ápice da execução, caminhava devagar e na direção contrária do ocorrido um homem coberto por inteiro com um manto, seus passos eram rápidos e sutis. Sem ser percebido, ele caminhou para fora das muralhas do reino.

“Tenho que me apressar…”, ele pensou.

O cheiro pútrido e fumaça logo tomou conta do lugar e as pessoas saíram satisfeitas por mais uma execução finalizada…

— Bom trabalho, guardas. Limpem tudo. Vamos celebrar essa vitória mais tarde — O rei apanhou seu machado do chão, o guardando na bainha de suas costas. Logo ele se dirigiu em silêncio de volta para o castelo.

— Cês ouviram, né? Bora arrumar esse muquifo, hoje vai ter festa! He he he. — disse Yjard, um guarda barbudo e corpulento.

Ao longe, recolhendo o lixo e bagunça da população durante o evento, observava as duas grandes estacas, agora partidas e carbonizadas, Herik Gunnar, um dos guardas mais fiéis de Bôdil Smiverkr.

“Até quando isso vai durar…”

Enfim a noite chegou. Na taverna de Frank todos bebiam e se divertiam antes que sequer recebessem ordens de seu rei. Já Bôdil, permaneceu como sempre em uma mesa distante e sozinho, com suas garrafas inacabadas de hidromel e sua roupa suja.

Olhando fixamente para a mesa de madeira sem nenhuma direção ou motivo, Bôdil sentiu cutucadas em seu ombro, que logo o fez recobrar a atenção.

— Senhor, Bôdil? — perguntou Herik, receoso de incomodá-lo.

— Ahm… Sim?

— Desculpe incomodar, mas é que o senhor falou que queria conversar comigo, não lembra?

— Ah… Sim, é claro. Sente-se, Herik.

O guarda sentou na cadeira à frente de Bôdil, incomodado. Silenciosamente olhou para o estado em que ele se encontrava, sua capa estava amassada e suja, seu rosto com uma expressão de cansaço, sem contar de seu hálito, “Fede a hidromel” ele pensou.

— Bom… Burp. Como sabe, a festa de Yula está chegando.

— Eh, sim. Os soldados já estão se preparando inclusive. Os grupos vão alternar a guarda no dia da celebração.

— Isso é… Ótimo. — logo ele pegou sua caneca e deu um belo gole, depois limpou sua boca com o antebraço. — Então… Quero que você e Yjard passem em Asvendor antes desse dia.

— Eu e ele? Por quê?

— São os caçadores de lá. Eles me enviaram cartas perguntando o motivo de não ter solicitado os seus serviços pro dia 23.

— O senhor já tentou enviar cartas recusando? — Herik perguntou, mesmo que fosse algo bobo de se pensar que não aconteceria.

— Óbvio, né. — os olhos de Bôdil se arregalaram por um instante em resposta. — Mas infelizmente sabemos que Eira é tão teimosa quanto nós. É ela quem está sempre me mandando mais e mais cartas inclusive.

— Ah! Ha ha… Agora entendi.

— Informe ele assim que puder. Parece que Eira precisa ser avisada pessoalmente, pelo visto. Você sabe como ela é — seus olhos se fecharam por um breve momento, juntamente a um balançar de cabeça em negação.

— Sei sim. As suas ordens — assim, Herik deixou seu líder em paz e voltou para onde o restante estava.

“Junto do Yjard? Ele só sabe me zoar e fazer piada sem graça...”

Mais tarde, naquela noite, distante do reino perto de uma caverna escura, se aproximava o homem de manto, que com muita atenção, observava todos os cantos da floresta e montanhas próximas a fim de que ninguém o avistasse.

“Dificilmente eles achariam esse lugar.”

Seu jeito cauteloso de caminhar e se misturar em meio a floresta branca e densa era de se espantar. Claro que ele nunca foi pego. Seu manto branco escondia sua verdadeira face e suas intenções estavam guardadas até o momento as sete chaves.

“Os soldados nunca saberiam que lugar é esse. Fiz uma boa escolha”, ele pensou olhando para baixo de cima de uma montanha onde havia caminhado e escalado por horas.

Segurando seu sobretudo por conta das ventanias ele pulou e deslizou colina abaixo como se estivesse surfando uma grande onda.

O local era situado em uma região no meio de duas montanhas, que se fosse possível, por pouco não colidem uma com a outra. Uma caverna na parte mais baixa entre as duas montanhas e sua entrada era bem no meio.

Para chegar até lá, precisava escalar bastante até o outro lado e descer a colina logo em seguida.

Ao aterrissar, a figura mais uma vez observou ao redor e devagar adentrou aquele sinistro e silencioso lugar até ouvir diálogos ao fundo, era isso, eles estavam todos ali como havia sido combinado dias atrás…



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