Bekkendor Kingdom Brasileira

Autor(a): Zanjord

Revisão: Zanjord


Volume 1

Capítulo 3: A reunião

 

Apesar do frio intenso do lado de fora, a caverna tinha um clima mais agradável, com pingos d'água gotejando de várias estalactites.

 

À medida que a figura de manto caminhava, os murmúrios das conversas aumentavam, a ponto de ser possível ouvi-los…


— Mas não dá. Isso é impossível! — dizia um glabro surtando de raiva, seu rosto e expressão mostravam uma breve indignação com o assunto.

— Ele tem razão, os guardas sempre estão à espreita. O poder que ele tem é enorme.

— Chega de conversa, acalmem-se! — a figura fez a sua entrada, com seu tom arrogante porém com um ar disciplinado. Ele retirou o manto branco que o cobria por inteiro, revelando grandes orelhas peludas, um rosto e corpo humano, porém com um pouco mais de pelos e uma cauda de lobo.

— Enfim! — falou em tom de surpresa um glabro no fim da caverna, coberto pela sombra do que a fogueira não conseguia iluminar. Ele se levantou do chão e se aproximou do lupus recém chegado. — Khamad. Que bom, você está bem.

— Não se preocupe, Senhor Solundr. Só fiz minha parte.

O glabro que o cumprimentou era mais alto que Khamad. Suas vestes eram semelhantes, mas o manto, de cor preta, cobria-o apenas dos ombros para baixo. Ele possuía marcas roxas que pareciam ser tatuagens de listras, interligadas com a imagem de um olho no meio da testa.


— Todos estão reunidos pelo visto. — Khamad observou ao redor, vendo vários lupus da região inteira de Nord Vugge presentes.

— Sim, a mando de você. Mesmo que tenha sido difícil convencer alguns…

— Fica quieto, Föupnir. Eu vim porque quis, humph! — o lupus resmungão tinha uma aparência semelhante a de Khamad, entretanto com marcas de tatuagem semelhantes às de Solundr. As únicas diferenças eram a cor verde e o local de seu símbolo, um trevo de quatro folhas marcado em seu ombro direito.

— Até que não é difícil convencer ele, é só subestimar suas capacidades. Quando a Hanni estava aqui era mais fácil.

— Calada, Munni. Sua troglodita miserável. Eu não sou igual a Hanni!

— Quem você chamou de miserável?! — Munni é uma lupus que se enquadra na mesma situação dos outros dois, porém seu corpo era forte e imponente. Fazia questão de ficar em sua forma crinos para mostrar sua força. Sua marca era nas costas com duas lanças cruzadas na cor vermelha.

— Quietos! — Solundr olhou para os dois ordenando. — Agora. Khamad, se quiser nos falar o motivo que nos convocou, por favor.

— Mas é claro. Agradeço aos três líderes por estarem aqui presentes. Temos assuntos a tratar — ele sentou no chão e continuou. — Pra começar… Calleb e Xay foram executados hoje em meio a praça do reino.

As primeiras palavras de Khamad foram o suficiente para gerar tumulto. Muitos lupus discutiram entre si, muitos temerosos e outros enfurecidos com a situação. — Esse rei vai acabar um dia nos matando! — gritou um deles.

— Líderes, me deixem perfurar a garganta dele! — outro berrou levantando uma grande lança com força, erguendo seu punho para o alto. A raiva e a indignação se espalhavam de forma voraz para todos como uma gripe contagiosa.

— Silêncio! Cof-cof, hum-hum… — o líder mais velho tossiu e pigarreou, sua garganta já não era lá das melhores juntamente de sua voz falhada. — Se acalmem, creio que Khamad tenha bons motivos para que estejamos aqui.

— Tenho. Assim como eu, deixei encarregado de outros meio-lupus se disfarçarem para conseguirmos informações durante essas últimas semanas. A festa de Yula está se aproximando.

— Eu não lembro de você ter contratado os meus serviços, rapazinho. — Armur, o líder mais novo interrompeu. — Está tirando uma com minha cara?

— Não — o olhar depreciativo de Khamad para o líder já era o bastante para que ele não o tenha chamado. Ele continuou. — Senhor Armur. Sendo um dos líderes a sua marca tem destaque, seria equivocado o deixar participar dessas missões furtivas, vamos precisar de você nas batalhas.

— Hmmm… Vou deixar passar dessa vez.

O jovem lobo puxou seu manto para trás, levantando-o para que voasse brevemente ao ar. Enquanto seu sobretudo deixava à mostra uma pequena bolsa na sua cintura, ele retirava um livro velho e avariado.


Todos olhavam para ele em silêncio, esperando inquietamente o que ele tinha para dizer e mostrar.

— Isso aqui, nem mesmo eu tinha conhecimento. Ragnar escondeu isso de nós xamãs muito bem. É um livro que, segundo ele, veio de Skadi, a primeira xamã…

Na sua cabeça, Khamad lembrava que Ragnar havia lhe visitado em uma noite inesperada. Não é muito comum os dois se falarem, apesar de muito do que ele aprendeu desde pequeno ser graças a ele.

Toc, toc, toc…

Ele ouviu batidas na velha porta do casebre abandonado onde estava situado naquele dia. Espantado, pois não estava esperando nenhuma visita, nem mesmo de Solundr, ele se aproximou da porta mal-acabada e, antes que pudesse pensar em algo…


— Não vai abrir para um velho conhecido, Khamad? — as palavras juntamente com aquela voz familiar, fizeram o jovem lobo suspirar de alívio, afinal, ele não estava muito preparado para enfrentar caçadores ou soldados do reino.

— É assim que você aparece, velho? Assustando os outros? — Khamad se escorou na porta logo após que a abriu, olhando de cima abaixo a figura do xamã que veio fazer uma ilustre visita a ele.

Eh! rê rê rê! — Ragnar entrou cutucando o chão com a ajuda de seu velho cajado de madeira, rindo do jovem. Se aproximando de uma mesa velha, usando suas mãos ele sente páginas de um livro sob seus dedos. — Como sempre anotando. Você sempre foi o jovem promissor que Solundr sempre se orgulhou.

— Eu deveria te expulsar daqui por conta do susto que me deu, mas não é nada comum uma visita sua ultimamente. Prefiro deixar o senhor falar, vamos.

— Você já me falou isso algumas vezes. “É mais fácil javalis voarem.” Rê rê rê — Ragnar retirou de dentro de seu manto um velho e avariado livro e pôs sobre a mesa. A aparência e estado era de torcer o nariz até mesmo de querer tocá-lo e pelo estado parecia que até mesmo foi encharcado em algum momento no passado.

— O que é essa… Coisa aí? Parece que a qualquer momento vai criar vida. O senhor está mexendo com algum tipo de magia ancestral ou coisa assim, por acaso?

— Talvez… Isto foi passado até mim, de geração em geração. Dizem ter vindo diretamente das mãos da primeira. Quero que fique com isso e… No momento certo, use-o com sabedoria.

— De Skadi? Mas como? Do que você está falando, Ragnar? — as mãos e pernas de Khamad estavam inquietos, hora cruzava os braços, hora batia o pé tremendo de curiosidade.

Rê rê rê. Jovens. Sempre tão curiosos…

De repente, no meio da conversa, um som familiar aos ouvidos de ambos os xamãs foi ouvido fora do casebre. O som reverberou por toda Nord Vugge com toda a sua imponência, e, dependendo de quem o ouvia, tinha significados diferentes.

Um uivo forte e amedrontador. Para os lupus, isso lembrava de seus iguais, mostrando que ainda existem muitos vivos por aí com esperança de um futuro melhor. Além disso, representava uma figura ilustre, até hoje desconhecida e inexplicável para todos.

 

Para os humanos, no entanto, é apenas uma criatura que assombra todos os cantos. Os soldados do rei tentaram descobrir por muitos anos quem seria essa criatura que uivava tão forte a ponto de ser ouvida de um canto a outro da região gélida, mas sem sucesso...


— É ele… — as orelhas aguçadas do velho xamã se moviam em direção ao som, se perguntando. — Você conhece a lenda, não é, meu jovem?

— O uivo da montanha… Sim. Muitos xamãs tentaram estudar e se comunicar com ele através de vários rituais, mas sempre foi em vão.

Os dedos afiados de Ragnar encostaram-se cuidadosamente em cima da capa do livro estranho. Devagar ele empurrou o livro para mais perto de Khamad. — Talvez ela tenha conseguido algo — respondeu Ragnar.

Os olhos de Khamad ficavam cada vez mais tentados pelo tal livro, enquanto escutava os uivos reverberando pelo ar e chegando até seus ouvidos através da janela aberta, em meio à noite iluminada pela lua.

Gulp.

O jovem engoliu seco, pensando no que seria o mais certo a se fazer “Devo contar isso ao senhor Solundr?”, ele pensou. Suas mãos por fim agarraram aquele livro e logo em seguida o guardou em sua bolsa, receoso.

— E… O que faço com isso agora, xamã?

— Aguarde o momento certo, garoto. Tenho certeza de que isto será útil — Ragnar se despedia do jovem lobo indo em direção a porta ouvindo janelas e portas rangerem. — Até que esse é um bom lugar pra um velho como eu, rê rê rê! — enfim ele fechou a porta…

Em meio aquela caverna silenciosa, todos observavam Khamad falar sobre a história com muita atenção. Ele explicava os detalhes sem deixar passar nada despercebido do que lembrava daquela noite da visita.

— E foi isso que aconteceu. Já no outro dia, ficamos sabendo que ele havia sido capturado.

— As vezes a intuição de Ragnar me assusta. Conseguiu guardar essa relíquia até mesmo de mim — Solundr olhava para aquele livro em negação e se perguntava por qual motivo ele esconderia aquilo. — Khamad, não irá se importar de eu olhar o livro, certo?

— Perdão, mas me importo sim — as mãos de Khamad afastaram o livro para o lado oposto de Solundr a fim de impossibilitar que ele o agarre. — Sei que os dois são muito amigos, mas acredito que ele tenha confiado a guarda desse livro a mim por alguma razão.

— Hmmm… Talvez você tenha razão. Tudo bem, vamos prosseguir com essa reunião.

— Esse velho é biruta, só pode. Hi ha ha ha ha! — Armur limpou as lágrimas de seus olhos enquanto observava o trapo nas mãos do meio-lupus. — Como que esse pedaço de papel vai nos salvar?

— Fecha a boca, Armur. Tem vezes que esse velho me faz perder a paciência com os conselhos dele quando só quero socar a boca de um infeliz que me irritou, mas até que existe razão no que ele fala — Munni se aproximou de Armur que ainda estava distraído com o “pedaço de papel” e agarrou pelo pescoço com uma única mão. — Por isso, não vou deixar que fale mal do meu xamã.

O susto ao ver a situação que se encontrava fez com que Armur começasse a se contorcer. Desesperado, ele tentava respirar e desgrudar a mão de Munni de seu pescoço, mas era em vão.

— Entendeu! — o grito da mulher lupus intimidou até mesmo os mais altos e mais fortes dos que estavam ali perto, ninguém contrariava o que a dominadora ordenava.

— S-sim… — dizia Armur com sua voz esganiçada e baixa. Tentando lutar por sua vida, até mesmo chacoalhou sua cabeça desesperadamente em concordância a fim de sair dessa situação.

Enfim, ela largou o lupus feito um saco de esterco no chão e voltou a se sentar. Armur se levantou tonto recuperando o fôlego de forma ofegante e desesperada — Puta merda… — ele manteve um olhar furioso para a lupus fortona.

Após a discussão terminar, o jovem xamã olhou para todos seriamente e determinado — Prestem bem atenção — ele falou enquanto levantava o livro na direção de seu rosto. — Eu li as escrituras antigas… E o que eu consegui decifrar em certas páginas, pode nos levar a vitória ou até mesmo a nossa ruína.

— Então por qual motivo Ragnar esconderia algo tão perigoso?! — disse Solundr com seus olhos arregalados, pasmo com a situação.

— Tenho uma ideia do por que disso… Talvez Skadi tenha escolhido a dedo os xamãs mais imparciais possíveis para ficarem de guarda deste livro, a princípio ela não queria que isso se tornasse de conhecimento de todos.

— Um conhecimento proibido, que menina esperta… Ela previu que poderia aparecer lobos com más intenções.

— Aqui neste livro retrata o que parece ser um ritual. E eu pretendo usá-lo, será nossa carta na manga. Um ritual de invocação rasurado.

— Aonde você quer chegar, Khamad

— Estou quase lá, senhor… — o jovem guarda o livro de volta em sua bolsa certificando de fechá-la muito bem a fim de evitar perdê-lo. — Até segunda ordem, esse livro vai ficar sob minha responsabilidade. Vamos dar início ao plano. A todos os meio-lupus presente nessa reunião.

Muitos semelhantes a Khamad se levantam do chão escutando com muita atenção as palavras proferidas por ele. Dentre eles muitos temerosos e outros determinados a ajudar o xamã mais jovem que já pisou na comunidade dos lupus.

— Faremos trabalho dobrado, ficaremos disfarçados durante esses últimos dias antes da festa, observem atentamente todos os passos que eles derem…





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