Ataque as Torres! Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 6: Outro Mundo

Tudo era branco.

— Então você se lembra de quando aconteceu? — disse o mascarado à mesa. O bule soltava pequenas bolas de vapor.

 — Sim… — Karlos estava sentado e falava com o gosto amargo das lembranças. — Era um dia normal, todos estavam bem. Se os comparar com quando caminhavam naquelas ruas, os que ainda estão vivos… não acreditaria no quanto mudaram.

As chamas azuis deslizaram pelos olhos do mascarado ao mudar sua pose, cruzando os braços e pernas. Balançava seu sapato devagar como se sentisse as vibrações de uma música, uma tranquila. 

— Imagino que isso também vale para você, Karlos.

— Claro.

— Significa que as mudanças não foram para melhor? — O homem riu.

— Eu pareço melhor para você?

— Me parece alguém que conquistou um grande desafio, ficou à beira da morte e voltou para contar a história. Que magnífico.

— Eu nunca te contei essa história.

— Jovem Karlos, esse lugar-sem-nada é o único lugar em que posso estar, puramente sei de tudo que se passa aqui.

— Hmpf! Que invasivo.

— Isso! Solte mais desse tom humorado!

O vento passou e balançou suas vestimentas, tão esporádico quanto como eles conversavam. O silêncio foi uma opção tomada, mas pelo pouco tempo que perdurou, provou-se entediante.

— Já que todos estão mudando para pior — começou o mascarado —, o que pretende fazer para ajudá-los?

— Alguém “quebrado” não tem o direito de tentar consertar as outras. Não é minha responsabilidade.

— Ainda o mesmo plano?

— O mesmo plano. — De pé e próximo da mesa, o rapaz se serviu de uma xícara de café. Seu reflexo no líquido era tortuoso. — Vou levá-los de volta. É tudo o que posso fazer. O farei por qualquer preço.

— Palavras fortes. Espero que suas costas não rachem com o peso do mundo, jovem. — Balançou a xícara vazia para abrandar o clima sério de si. — Estarei te olhando, senão vou morrer de tédio nesse deserto de branco. Ah! Isso soou como uma despedida, mas ainda temos tempo nessa sua visita. Que tal jogarmos um jogo?!

— Além do seu rosto, pelo jeito até seu humor usa máscara. 

— Vamos, vamos, senhor herói! Tenho certeza que será útil para quando acordar. — Ele estendeu as palmas abertas como se estivesse oferecendo algo; Karlos ficou sério ao ouvir essas palavras.

— Uma “dica”…? Achei que nunca mais diria uma.

— Vou dizer sempre que puder.

— Me conte! Sem brincadeiras!

— Eu não estou aqui para brincadeiras — falou com um tom forte que apagou os ânimos do rapaz. — Preste atenção, minha liberdade depende do quanto você põe o braço pra fora da grade, entende?

O espadachim cerrou os dentes e olhou para o piso, frustrado.

— Esse é um tabuleiro. Temos que jogar essa brincadeira. Seguir a dança é tudo o que podemos fazer — finalizou o mascarado. 

Do céu acima do centro da cidade — uma lembrança — veio uma rajada de luz que engoliu a realidade por inteiro, tudo. Em um instante Karlos viu as pessoas pelo calçadão serem desintegradas como a ele mesmo, depois foi cegado pela claridade. 

As memórias que restavam após aquilo era de um sono, em que às vezes acordava com as águas brancas escorrendo pelo seu corpo deitado.

Logo adormecia de novo.

Era solitário e irônico, pois do branco absoluto, quando fechava os olhos, era abandonado em um preto absoluto. 

— Sim… — respondeu para o mascarado, conformado com a falta de opções.

— Se não prestarmos atenção no jogo do demônio, perderemos.

 

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A visão se abria em um mundo bagunçado. Traços e tons confusos que se tornavam em tijolos e uma tocha colada a essa parede.

Murmúrios soavam à volta.

Karlos se levantava com dor de cabeça — o início. A sensação de frio permeava seus pés descalços. Ao subir mais, derrubou algo ao lado, escutando um baque. Era uma espada de madeira, mas não foi essa visão que tomou seu foco: seu corpo estava coberto por um manto encardido de cor clara.

Esse passado era o de dois anos antes da conquista da torre Graexe. 

Murmúrios à volta, muitos.

“Essa roupa… não é minha.” Verificava Karlos com suas mãos expostas, testando o mexer dos dedos como se quisesse confirmar se estava vivo. “Onde estou?...”

Murmúrios à volta.

Ao olhar para o lado, se assustou com a quantidade de pessoas na mesma situação. Mais de uma centena; espalhados e perdidos — abandonados.

Karlos encarava os arredores na esperança de entender melhor a situação; sua mente foi perfurada por um choque. Doía. E o fez segurar a cabeça, mas era inútil. As letras arrastavam-se pelo vermelho sangue e preto abissal, formando palavras com uma caligrafia torcida, no mínimo, única.

“Que frases são essas?!” A visão do rapaz foi trocada pela imagem instável do estranho quadro, prendendo-o em um desconforto inesperado.

As palavras cresceram, deformaram-se e desapareceram repentinamente como a dança de fantasmas. De volta a realidade, restou-lhe o cansaço que preencheu seu rosto de suor e pesava sua respiração.

“O que era…? Estou de volta?” Karlos via novamente as pessoas, algumas estiravam-se pelo solo, desnorteadas, outras vagavam aéreas como morto-vivos. Havia poucos realmente conscientes disso. “Não parece adequado dizer ‘de volta’ se vim parar aqui…”

Olhou melhor o local: era um ambiente de teto arrendondado, com algumas janelas sem barreiras há alguns metros do chão. Pela escuridão tomando o exterior das janelas, era seguro crer que se passava a noite, que era afastada do lugar pelas tochas rodeando.

“Deve ser um sonho… Daqueles que chamam de lúcido.” Mais calmo, segurou um lado do rosto. “Mas o que são essas informações na minha cabeça?”

 

Minha terra; meu parque. Tabuleiro, como chama. Derrame sangue! Entretenha a mim, o odioso.

Inimigos, considere todas as coisas. Conquiste as Torres! Ataque as Torres!

Degradação!

Sem pena. São meus servos. Inocência ao lado do sepulcro. O seu.

Degradação!

Soldado, avance! Vassalo, destrua! Nobre, controle! Rei, distante! Imperador, intocável!

A maldita degradação!

Há um destino. Distante de ser imprestável? Prove, conquiste. Para meu. Deleite.

 

“Que péssimo gosto… Mas se é meu sonho, então é o meu péssimo gosto. Droga… a quem eu quero enganar?” Todas aquelas pessoas à frente, o calor da tocha e som de vento forte raspando nas paredes foram o suficiente para que sua mente aceitasse: “Isso é real demais para ser um sonho. Tenho certeza.”

Independente do que pensasse, seguia atônito. Enquanto esperava que algo acontecesse nesse lugar, foi surpreendido por uma pessoa quase tocando-lhe ao lado.

— Mais cinco… níveis! — murmurou o desconhecido. Sua mão de aproximava do rosto do Karlos, que refletia na íris o dedo perto de tocá-la.

Imediatamente o rapaz socou o estranho no meio da cara, amassando-a numa careta. A cabeça do acertado foi para trás e ele desabou.

— Ai! — O desconhecido se revirava no chão. — O q-quê?! Meu nariz! O que tá acontecendo?!

Karlos avançou novamente para finalizá-lo, apático aos resultados.

— P-pare! Por favor, pare! — Notando a ameaça, o estranho se levantou de uma vez e implorava com os braços recuados. Seu nariz sangrava e o corpo tremia de medo, o suficiente para Karlos perceber que exagerava.

O desconhecido era André, o rapaz loiro que andava pelo calçadão com várias sacolas. Mesmo após ser transferido para lá, continuava com o headphone na cabeça.

Com a situação abrandada, os dois jovens sentaram-se perto da parede.

— Foi mal por te assustar — disse André, limpando o sangue do nariz, que pelo menos não foi quebrado. Seu fone estava no pescoço. — Ainda tava acordando quando levantei. Um péssimo hábito.

— Tudo bem, também peço desculpas por socá-lo sem um bom motivo…, André.

— Acontece, acontece. Mas bem, já te disse o meu nome, qual o seu?

— Karlos… com K.

— Com K? — Transpareceu certa surpresa e ficou a um passo de ri, pode-se dizer que a dor no nariz o fez temer por sua abordagem. — E-entendo, é um prazer. 

— Sim.

A imagem à frente de um amontoado de pessoas confusas era desconfortante, fazia qualquer conversa estar repleta de um fatigante peso por trás das palavras.

Pelo despertar de mais pessoas, a quantidade de murmúrios se tornava imensa.

O que se prolongaria na hora seguinte seria o caos entre o grupo, ao menos era o que aconteceria se ele não tomasse as rédeas da situação. A confusão e o medo assombrava a todos ali sem distinção: mulheres, homens, idosos e crianças procuravam algum sinal que trouxesse lucidez aos seus corações — o sonho tinha que acabar! O quadro vermelho e negro também estava gravado em suas consciências, um eterno lembrete. Mesmo assim ele se levantou entre os caídos, determinado a assumir o seu papel independente da desgraça em que caísse.

Dante observava os arredores, os poucos momentos nisso foram o suficiente para determinar suas ações. Antes que as pessoas se dispersassem pelas escadarias, ele mostrou seu distintivo e anunciou sua profissão de policial, conseguindo se tornar um centro — um líder natural para os perdidos, que eram todos.

Pelo tempo seguinte, Otávio despertou, mas como era parceiro de profissão, logo começou a instruir junto dele a organização. Quem estava melhor psicologicamente e tivesse se voluntariado, foi pedido para apoiar as pessoas mais afetadas com o acordar nesse mundo estrangeiro e impedir reações exorbitantes. Seja devido ao quadro do desconhecido ou não, havia um forte sentimento de temor ao exterior da sala, então os simples pedidos, por enquanto, eram suficiente para conter o desejo de sair.

Karlos e André ficaram olhando o desenrolar. Não ajudaram e também não atrapalharam, então ninguém se importou com suas faltas de movimentações. Tinham problemas maiores para lidar.

Em pouco tempo o grupo inteiro estava desperto e sobre a influência do Dante. Quietos e sentados, faziam uma reunião no centro com a maioria das pessoas. 

“São realmente as pessoas do calçadão”, pensou o policial ao olhar bem para o rosto das pessoas, o único de pé liderando a discussão. — (...) Vamos tentar novamente. Fora esse “quadro” que entramos em consenso de ter em nossas cabeças, alguém se lembra de ter visto outra coisa? Como o rosto de algum sequestrador ou o motivo de pararmos nesse lugar? Mesmo que sejam pequenos detalhes, compartilhem qualquer memória que consigam ligar a isso.

A conversa era séria, focada e bem dirigida, ainda sim nenhuma resposta foi achada sobre a situação. Opiniões malucas como “fomos banidos ao inferno!” ou “é tudo um delírio” eram obviamente descartadas. 

— Parece que não tem jeito… Vamos organizar a saída — falou Dante para Otávio. — Se as respostas estão lá fora, vamos até elas. Temos que assegurar a proteção dessas pessoas e devolvê-las as suas casas.

— Sim. Me pergunto se isso será contado como parte do nosso expediente.

— O que acha? Estamos de uniforme por baixo desses mantos.

— Hahaha… Tem razão.

Do outro lado da sala, Karlos suspirou. Ele olhou sua espada de madeira, o suficiente para uma sensação estressante o percorrer e fazê-lo a apertar forte. Ao olhar para o lado, viu que André dormia profundamente e que nem o coice de uma mula poderia acordá-lo.

— Como consegue dormir nessa situação? — disse baixo ao se levantar.

O rapaz caminhava com a espada em mão, seus passos eram lentos e sérios. Soavam, mas ninguém se importou — estavam desatentos, focados no sol no centro do círculo. Karlos não diferia, também era cativado. O refletia em sua íris escuras e lisas, porém não era atraído, pelo contrário, era uma liderança perfeita que só o fazia ter certeza da sua decisão.

Usando aquela distração enquanto escondido nas sombras, ele desaparecia nas escadarias. Disposto a sujar as mãos.

“Se passou tempo o suficiente para que entendessem.” Karlos lembrou-se do texto no quadro negro e vermelho; seu aperto na espada de madeira aumentou, ressaltando as veias da sua mão. “Mas desviaram os olhos do óbvio, até eu consigo prever que será tarde quando perceberem e que não tenho voz para avisá-los.”

Por apenas um instante, seu manto se tornou negro com as trevas, sacudindo-se pelos passos. Conquiste as Torres! Ataque as Torres! Se recordou das pessoas caminhando pelo calçadão naquele clima pacato, algo que acalmava seu coração.

As sombras de sua inconsequência o engoliram, golpeadas pelo lapso de chama verde.

“Vou assumir a responsabilidade. Sou a vanguarda.”



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