Volume 1
Capítulo 16: À Guerra
Dias passaram-se desde o incidente.
A noite caia e o mundo tornava-se preto.
Na torre, as pessoas estavam reunidas no saguão para se despedirem do grupo que partiria para a invasão. Seja para pôr ou retirar peso das suas costas, todos estavam lá, com esperança e temor nos olhos, para os ver.
— Então esses são o que escolheu — disse Karlos para Dante. Sua cabeça estava enrolada lateralmente para tampar o machucado.
— Sim. O restante dos que despertaram as chamas vão ficar para defender a torre se acontecer o pior.
Em preparo para a viagem, todos receberam mantos encardidos. Vestiam o melhor equipamento disponível, mas esse melhor era uma lástima.
— Tudo bom, garoto? — disse Otávio para Karlos, provavelmente o único confiante com a missão, oferecendo a mão para um aperto.
— Sim — aceitou. E que erro. Ele se arrependeu ao ser sacudido no cumprimento.
— Não tivemos chance de conversar muito, mas me esforçarei para te ajudar, então não faça nada louco! Ha ha ha!
— Me desculpe pelos atos inconsequentes.
Do outro lado, Gregório estava perto do Dante. Com o passar do tempo, foi inevitável uma troca de palavras:
— Se ficar assustado — disse Dante — ou perceber que o inimigo é mais forte, venha para perto que assumirei.
— Tch! Não faça pouco de mim! Tenho culhões para fazer isso, Sr. policialzinho; senão não teria topado ir. Agora me deixe em paz, pessoas do seu tipo me dão vontade de vomitar.
Dante ficou em silêncio, longe de estar ofendido, mesmo assim o ar entre eles continuava pesado. Armstrong, o loiro, presenciou tudo e suspirou em desânimo, o futuro não seria sombrio assim? Ao seu lado estava um rapaz de cabelo escuro e feições orientais, que era indiferente ao problema.
— Espero que consigamos ao menos alguns sacos de cereal — falou Armstrong. Via o cachorro com a bela dona entre a multidão. — Se passar mais dias, não duvido de desenterrarem os monstros. Vão comer até o cachorro, urg!...
— Se for necessário para sobreviver, não haveria porquê hesitar — disse o rapaz com feição oriental, que ouviu por acaso os comentários.
— Oh! boy! Você finalmente disse algo! Vamos, qual seu nome, friendo estrangeiro?
— Ritsu. Eu não sou estrangeiro.
— Eu também não! Hahaha!
— Huh? — apertou as sobrancelhas, desapontado com a piada.
Para fechar, os membros restantes eram Diego — o mestre espadachim — e Jorge — o fazendeiro. A sinergia entre os dois era boa, naturalmente caiam na gargalha — talvez demais — após pouca conversa. Até as pessoas à volta os estranhavam.
Pouco tempo depois, o grupo estava pronto para sair.
Os portões eram abertos.
— Estamos indo! — gritou Diego. — Tenham esperança e nos aguardem! Voltaremos todos vivos e com boas notícias!
O povo soltava brados animados, o mínimo para fazê-los irem com uma boa energia em seus corações.
Sobre os membros do grupo, apenas Karlos e Diego tiveram de quem se despedir: Eva. Em uma pretensão ambiciosa, Diego o empurrou por estar perto e fez um desconcertante abraço triplo entre eles. Em contato direto com ela, os olhos do rapaz giraram, confusos. Seu corpo paralisou sem saber o que fazer.
Ao se soltarem, o mestre espadachim riu, vendo os dois jovens, envergonhados, evitarem contato visual; ah! a juventude! Uma comemoração transbordava do seu semblante.
Era momentâneo, mesmo esse momento era. Karlos foi lembrado da situação pelas suas bandagens; o mesmo para Eva, que ficou depressiva em frente a esse estado. O lembrete do caos.
O mau agouro do que poderia ser uma futura tragédia. Isso… não pode ser… A confiança dela estava em uma corda bamba para o abismo.
Sobre os preparos para a missão… Naturalmente os equipamentos eram limitados. A distribuição foi de: o Otávio ficar com o grande escudo de madeira — que estava preso em suas costas por um nó — e uma clava. Diego e Dante ficaram com as espadas ganhas dos soldados, mas diferente dos policiais, o mestre espadachim se recusou a usar esse escudo.
Os outros participantes tiveram que se contentar com porretes de madeira ou ossos, mais escudos improvisados.
Karlos era a única exceção, pois uma arma especial em sua cintura: a katana geradora de chamas. Qualquer outro armamento ali era fútil até para comparação.
No escuro absoluto, eles se guiavam pelo deserto através das pequenas luzes da torre no horizonte. Tiravam proveito do tempo sem tempestades, não haveria noite melhor para a viagem e de dia seria imprevisível o resultado da aproximação. Tinha que ser nessa oportunidade, uma que ainda deveria ser criada. Ser vistos nesse ponto seria um irônico tapa na cara.
— Só eu estou arrependido? — Pelo frio do exterior, Armstrong abraçava-se, tremendo.
— Todos estão ao menos com medo — disse Otávio. — Mas temos que fazer isso, não é? Tenha coragem, amigo.
— Bem, sim… Ha ha! Impressionante como tudo parece uma piada de mau gosto. Até essa situação.
— Concordo. Às vezes me pergunto se fiz algo de errado para parar nesse mundo.
— Essa lógica me quebraria, afinal eu sou um empresário. Devo ter causado alguns desastres para meus funcionários com minhas decisões ruins; mas man, juro que não foi de propósito!
— Empresário? Lembro que seu rosto era jovem, é incrível que já seja um.
— Faço 25 anos amanhã, caso as horas aqui passem realmente como na terra. E bem,foi herança, não fique surpreso. Meus pais morreram cedo. Seria exagero dizer que é uma grande empresa, mas estamos na luta.
— Entendo… Armstrong, certo? Você cheira a uma boa pessoa, é bom ter seu apoio.
— Hahaha! A única coisa que cheiro é o suor de vários dias sem banho. My gosh! O que eu daria por um banho!
Eles riram e, estando longe do objetivo, os demais apenas se contiveram as reclamações sobre o barulho. Em contraste a dupla, os outros estavam tensos, seguiam com os pesos do medo e receio encurvando suas posturas. Antes que percebessem, suas respirações estavam pesadas e não era só pelo esforço de caminhar pela areia.
Faltavam quilômetros até a torre.
— Ei… — Diego chamou por Karlos, em tom menos humorado que o padrão.
— O que foi?
— Percebeu como Eva estava abalada?
— Sim… — Ele olhou para baixo, não conseguia encarar as costas do homem. — É tudo minha culpa.
— Com certeza. Desde que veio a esse mundo, ela não conseguiu ser ela mesma, porque você estava sempre à beira da morte. Aquele ânimo firme se foi.
— Se o senhor se sentir melhor me batendo, fique à vontade. Mesmo que tenham me oferecido tanto nesses anos, a única coisa com que os paguei foi preocupação. Antes ou agora, no fim continuo um imprestável.
— Não me interprete errado. Tá tudo bem, Karlos. O meu objetivo não é te atacar, até concordo com algumas decisões que teve. O que quero falar é… Sabe… estamos em um lugar bizarro sobre condições bizarras. Tudo pode acontecer. Então, se realmente acontecer alguma coisa…
— Entendi. Cuidarei dela. Mas, Sr. Diego, darei o meu melhor para que nada aconteça, por isso, não seja pessimista.
— Idiota! São apenas formalidades. Formalidades. Claro que vou viver muito ainda.
Karlos apertou o cabo da espada e sua expressão ficou séria para o que faltava da viagem. Afetado pela conversa, fazia promessas em seu interior, assemelhando-se à conduta do policial na frente do grupo; com a responsabilidade colossal sobre suas costas, o homem não tirava os olhos da torre por nenhum instante.
— Quer que a gente entre e mate o líder deles?! — disse Gregório. Protestava na memória de uma discussão passada com o grupo.
— Foi a última informação que comprei do comerciante — falou Dante. — Como tínhamos pouco dinheiro, ele apenas disse: “Mate o líder deles e ganharão.” Não temos escolha, vamos ter que ir até lá.
De volta à realidade, o policial pensou: “Não o culpo por desconfiar. A única coisa verdadeira que conseguimos comprovar foram as pedras de cura do comerciante, sobre as informações, nada. Mas é justamente por causa do milagre que tenho fé de que estamos tomando a decisão certa. Ainda sim, o que devo fazer se estiver os levando para a morte certa? Criar uma rota de fuga seria o suficiente?” Tinha muitas possibilidades para considerar, imagino.
E antes que percebesse, estava diante da gigantesca torre. Dante engoliu a seco; imediatamente avisou — com murmúrios — o grupo a se abaixar e rastejar pela areia.
Faltava cinquenta metros até o edifício e, dessa distância, o brilho que vazava pelas inúmeras janelas destacavam-se como uma chama no breu.
Diferente da torre em que se alojaram, essa era no mínimo três andares maior. Com o telhado e boa parte da silhueta engolida pelas trevas da noite, era o máximo que podiam discernir.
Depois de muito tempo, conseguiram chegar perto e confirmar guardas parados em frente aos portões: dois soldados com espadas e escudos.
Sabendo que estavam longe da observação da dupla, foram para a parte de trás da torre. Lá, os homens verificaram as paredes e, confirmando que os tijolos possuíam muitas frestas, começaram a escalar, porque era única opção. De longe, eram iguais a formigas numa parede extensa.
Era temido olhar para baixo. Fazia-se dezenas de metros do chão. As pequenas chamas espalhavam-se; o desempenho dos homens era desumano se considerar que eram novatos em escalar. Haviam praticado poucas horas na torre Deini, mas ali o que os carregavam era apenas uma grande aptidão física.
Com paciência — e o maldito vento poeirento — eles procuravam por uma sala vazia, bisbilhotando pelas janelas com cuidado para não serem notados. E quantos monstros haviam dormindo. No fim, Ritsu encontrou uma em que podiam entrar e passou a informação a todos.
Enfim dentro do lugar, eles se sentaram e deitaram com respirações pesadas, agradecendo por terem um chão como se tivessem se separado dele por anos.
— Juro que se nós fosse mais pra cima meu coração ia explodir — comentou Jorge.
— Minhas mãos ficaram dormentes! Ah! — Armstrong estirou-se pelo piso igualmente como faria numa cama.
— O que são essas coisas? — perguntou Gregório com uma expressão ranzinza.
Dante puxou o pano que cobria a pilha de objetos e, no abaixar da poeira, viram que eram barris e caixas. Com Karlos e Otávio abrindo alguns, identificaram o lugar como um depósito de rações.
Sem receio, Gregório e Armstrong tomaram goladas de água enquanto Dante tentava escutar algo com a orelha na porta.
“Ninguém?” Ele a abriu um pouco e conferiu o corredor sem inimigos.
— Conseguimos entrar. O que vamos fazer agora? — perguntou Diego.
— Temos que caçar o líder dos monstros sem sermos descobertos. Primeiro, ainda temos tempo antes de amanhecer. Segundo, como vimos pelas janelas, havia vários deles dormindo. Contanto que não tenhamos contratempos, vamos conseguir!
— Entendi. Vamos lá, cambada!
O grupo corria pelos corredores. Preocupados com as portas e curvas, se certificavam de terem cuidado ao estarem perto, mudando frequentemente entre a pressa e posturas baixas preocupadas com os barulhos dos passos. Haviam caixas abandonadas por vários cantos.
Mais tarde, acharam um soldado perambulando. Pela ponta da parede, Dante o viu e avisou os outros, em seguida fez um sinal com a cabeça que os fez fecharem as expressões em ansiedade, apesar da apreensão, confirmaram com as suas enquanto sacavam e apertavam suas armas com força.
Como o monstro seguia no rumo deles, ao estar perto Karlos surgiu de surpresa e o atravessou pelo pescoço, impedindo que gritasse. Em seguida, o espadachim o virou ao correr com a katana, deixando as costas do inimigo expostas para Dante e Diego os atravessarem com as espadas.
A criatura não teve tempo de se debater, apenas perdeu as forças e caiu quando retiraram as lâminas manchadas de vermelho. Com a queda, os demais com porrete vieram preparados para golpeá-lo se caso ainda estivesse vivo.
— Funcionou…! — comentou Armstrong.
Gregório sorriu ao pegar a espada do morto, enfim se livrando daquele porrete de madeira desconfortável e frágil.
— Vamos! — disse Otávio. — Temos que achar o chefe antes de descobrirem o corpo!
Corriam pelos corredores. E como no caso anterior, houveram mais casos de serem forçados a lidarem com guardas. Com a vantagem numérica e o fator surpresa, conseguiram matar todos facilmente, porém a trilha de sangue se formava à medida que o falso sucesso crescia.
Os andares eram conquistados e o tempo passando era um mau presságio. Havia um corredor com janela e, ao passarem por ele, foram pegos pela visão do sol começando a surgir no horizonte. Embaixo os corpos foram descobertos.
— Cacete! Onde que tá o corno do chefe?! — disse Gregório.
Os berros guturais aproximavam-se; seus corações batiam enlouquecidos. Sabendo que uma multidão vinha atrás, Dante chutou porta no final do corredor para abrir caminho e, ao passarem, depararam-se com os soldados por esse corredor mais extenso, que os olhavam de volta tão perplexos quanto.
O sol brilhava pelas aberturas nas paredes, iluminando as elevações pelo caminho com cinco soldados aproximando-se em passos cautelosos. De onde os homens vieram, havia por volta de quinze correndo.
— Tampem a porta! — disse Dante ao ver algumas caixas ao lado. — Rápido!
Jorge, Gregório, Armstrong e Ritsu puseram a porta mais ou menos no lugar e as empurravam com caixas forçadas por suas costas e braços; a madeira rachou na colisão dos perseguidores, quase derrubando-os. Suor deslizava por suas faces desesperadas, mas suas posturas estavam firmes ara resistir as investidas barulhentas.
Dante, Otávio, Diego e Karlos ficaram em postura de batalha, não tinham o luxo de ajudar os outros com os monstros da frente vindo e — a desvantagem — logo se tornaria ainda maior.
Para Karlos o foco estava longe das horroridades à frente, na verdade, estava ainda mais longe, vidrada no pequeno túnel que levava a outra sala, de onda saiam um vapor negro e preguiçoso, espalhado à volta da passagem com uma presença maligna.
Vassalo surgiu em sua mente no quadro sombrio.
— Você precisam segurá-los por um tempo — disse o rapaz que se abaixava e, por fim, disparou numa corrida com todas suas forças.
Os seus parceiros o viram avançar e driblar os soldados com arriscadas mudanças bruscas de ritmo e direção. Havia conseguido deixá-lo para trás, sendo o instante em que se aproximava da passagem que Dante entendeu sua intenção e gritou: — Certo! Acabe com ele!
Karlos adentrava no salão com tapete vermelho e parou ao encontrar o alvo, levantando a postura. Do outro lado do local, uma figura gigante caminhava com passos poderosos. Na mão carregava uma grande espada, lâmina que refletia o pequeno invasor que estava prestes a se tornar sua vítima.