Ataque as Torres! Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 15: Antes da Guerra

— (...) E essa é a situação — disse Dante.

— Entendo. — Sentado por perto estava Karlos.

Enfim desperto, o rapaz tomava água com suas próprias mãos, mexendo os pés debaixo do cobertor. Provava que estava vivo. Mas apesar da melhora, a palidez ainda o permeava e seu corpo seguia com faixas e marcas residuais das pancadas que levou do gigante. 

— Se sente cansado? Posso voltar mais tarde.

— Não há problemas. Eu queria saber logo o que aconteceu e isso é uma situação urgente. — Karlos lembrou-se de quando Diego e sua filha descobriram que havia despertado, um momento em que foi abraçado brutalmente por ambos. Depois, olhou desanimado para Dante. — Eu quase fui sufocado, não é?

— Não os culpe, estavam desesperados com sua condição.

— Sim… — Colocou a vasilha no chão, fixando-se na parte importante da conversa: — Veio me contar pessoalmente sobre tudo o que aconteceu na esperança de ouvir algo importante diretamente? 

— Desculpe.

— Sem problemas. Fez bem.

O rapaz bateu na testa com o dedo e, após organizar suas memórias, disse toda sua história ao policial.

— Então foi assim… — falou Dante. — Você tomou decisões e fez coisas inacreditáveis.

— Mesmo que diga isso, sendo sincero, naquela hora minha cabeça estava uma bagunça. Quanto mais a luta continuava, mais sentia meu raciocínio falhando. Era um redemoinho de loucura. 

— Não entenda errado, não estou te elogiando. É um milagre que esteja vivo, jamais faça algo semelhante de novo.

— Sim.

O silêncio os tomou. Eles se entreolharam, sérios quanto a situação em que foram envolvidos nesse mundo.

— Em todo caso, não vim aqui para te repreender — disse Dante.

— Quer entender as chamas. 

— Isso. Como te contei, consegui derrubar os dois invasores, mas para ser sincero, só pude por sentir uma grande força se manifestando pelo meu corpo. E nisso, me recordo de ver algumas chamas amarelas parecidas com as verdes que vi você emitindo.

— Apenas se sentiu assim quando teve que lutar?

— É. Comparado ao seu uso natural, parece que o meu foi tardio e fraco. Será que é um poder que apenas os mais capazes de proteger os outros recebeu?

— Não… Demorei pra compreender, mas na luta contra o gordo tive uma “luz” sobre. Me passa a espada — apontou.

Dante foi ao canto da sala e trouxe a espada de madeira, entregando-a. Nas mãos do rapaz, ele a segurou firme e a apontou para cima, cobrindo-a com o vórtice das chamas verdes. Naturais, era o fogo que os salvou até esse ponto. No fim da transformação, a madeira foi substituída pelo metal e se tornou a katana negra, surpreendendo o policial com o quão longe ele estava em seu uso.

— Veja — destacou a guarda enquanto seus cabelos levantavam-se. — O fogo é gerado pela guarda. Quanto mais conseguir incitá-la, mais sairá.

— Então é assim…! Espera, durante a minha luta eu não senti nada enquanto a empunhava.

— Tenho uma forte ligação com esse objeto. Isso dá algumas para pensar sobre o uso de outros. E você? Não tem nada equivalente?

— Tem razão! — Ele mexeu em seu bolso e tirou o emblema de policial. — Então esses objetos são os causadores do poder!

— Parece que sim. — Karlos passou os dedos na lâmina, vendo seu reflexo no perfeito polimento. Também viu a fulminação gravada na bainha. “Mas no final da luta estava realmente difícil as usar… Era apenas o cansaço dos machucados ou…?”

— Urg!... Não adianta, não consigo usá-las! — Dante apertava forte o distintivo, incomodado fortemente pela sua falta de resultados. — Ah… Bem, por agora vou desistir. Karlos, você realmente é bom com isso. Fez tão naturalmente apesar de ter acabado de sair de um coma.

— É porque eu sou defeituoso — disse. Com o fim das chamas verdes, revelou-se em estar na parte escura da sala.

— Hum? — Dante estava na parte clara, ao lado da tocha.

— Não se preocupe. — Fechou os olhos, incomodado com o brilho. — Seu tipo vai dominar antes que perceba. 

— Certo… Vou conseguir de algum jeito para que não seja o único com esse fardo. — Coçou o cabelo, pensando seriamente sobre o assunto, depois segurou firme o distintivo e fortaleceu o vigor em seu semblante. — Com esse poder… vamos conseguir nos defender!

— “Com esse poder vamos conseguir”, é? É assustador se parar pra pensar, afinal os monstros também conseguem usar.

— Hã?... Tá falando sério?! — Se levantou duma vez. — Ah- Tem certeza?!

— Sim. Achei que já tinha percebido pelos dois que enfrentou. Hm… Vendo tudo melhor, nem os vi para saber se realmente usavam, mas o “gordo” podia usar.

— Absurdo…! — Dante apoiou as costas na parede, deixando-se deslizar. “Então como vamos sobreviver nesse mundo?! Estamos em desvantagem em todos os aspectos se eles possuem até essa mesma ‘arma’!”

— Apesar da situação desesperadora, Dante, acredito que temos que seguir o óbvio independente do quão arriscado seja.

— O que quer dizer com isso?

— “Nossa comida tá acabando; nossa água tá acabando; nossa fé tá acabando”, não precisamos resolver essas coisas básicas e o perigo de sermos esmagados em uma invasão?

Karlos virou a espada transformada de volta à madeira, colocou a ponta no chão e apoiou suas mãos no cabo, bloqueando a vista de um dos olhos para o homem. Após a estranha movimentação, ele deixou a arma cair à frente, abandonada, e disse:

—  Temos que atacar as torres! — Apertou o punho. — É só uma suposição minha, mas é dita constantemente pelos meus instintos. Que não devemos ficar na defensiva.

Dante ficou surpreso. Ele olhou a espada caída da sua recente glória e estremeceu como se uma força dispersasse intensamente em seu interior. Era o que deviam fazer com a torre.

— Mas aquele lugar pode estar cheio de criaturas…

— Mesmo assim temos que fazê-lo, não temos? — Karlos levantou-se, novamente apoiando as mãos na espada, repleto de confiança. — Se precisamos conquistar, farei dar certo.

“Precisa tomar às rédeas e, como líder, extrair o melhor de cada situação. Pensar rápido, agir rápido e conquistar rápido”, recordou-se o policial, eram as palavras que o comerciante lhe disse na despedida.

Ele lembrou-se de como estava impotente vendo a luta do rapaz ou quando o soldado matou um dos homens. Depois do seu trabalho intenso nas ruas, dominando os bandidos em perseguições, mesmo em tiroteios. A intensidade em seus olhos era imensa, determinados a enfrentarem as piores situações para proteger as vítimas — as vidas.

— Não…! — começou com tom levemente irado. 

— Huh?

— Esse peso não é algo que um adulto deva deixar para os jovens. Não é você que fará dar certo. — Também levantou-se com o punho cerrado, destacado por bloquear a tocha atrás. — Eu que farei.

 

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André caiu de frente para o piso. Ele gemia de dor. Ao se levantar, virou-se para Karlos, intimidado pela visão do rapaz firme.

Eles estavam no saguão, rodeados — em maioria pelos homens — de observadores. Pelo lugar aconteciam vários “pseudo-duelos”, liderados pelos participantes mais experientes, “pseudos” por evitarem se ferirem ou se desenrolarem em uma movimentação complexa demais, focando em terem fortes impressões nas trocas. Lento. Estava mais para um ensaio.

— É bom saber que você tá melhor — comentou André com um sorriso torto —, mas não acha que tá pegando muito pesado? Ha ha ha… 

— Não me sinto mal.

— Entendo… Eu preciso mesmo fazer esse teste?

— Sim. Se der certo terá mais chances de sobreviver, confie em mim. 

— Mesmo que diga isso… Ah! Certo! Vou me esforçar! — assumiu uma postura hostil com os braços levantados, hostil, porém à beira da improvisação boba. — Aaaaaahh!!

Tudo ficou preto com a espadada que levou em sua cara. Tão facilmente… Era inevitável as risadinhas à volta. Por estar nocauteado, algumas pessoas vieram ajudar André.

— Achei que tinha batido fraco… — murmurou Karlos, afetado pela culpa.

— Tá a todo vapor, hein? — Diego aproximou-se, sorridente. 

— Resta pouco tempo. Precisamos de resultados.

— Sim, sim. — Observou os arredores. — Pra falar a verdade, eu ainda tô impressionado. Depois da demonstração que fez com o fogo e aqueles movimentos rápidos, todos aceitaram a proposta de treino que você e o Sr. Dante bolaram. Contra você, eu não daria nem mais pro cheiro. 

— Com as chamas despertadas, eu duvido disso. 

— Elogiando esse velho, preciso valorizar essa confiança, né? Darei resultados. Se todos pudermos lutar naquele nível, os monstros não terão chances.

— Espero. 

Rompendo o clima animado, um homem chegou apressado no saguão e gritou:

— Um monstro!

O temor tomou as pessoas. Dante e Karlos fecharam suas expressões e correram para a sala de observação. Ao chegarem lá, viram os vigias amontoados no buraco.

— O que acham dele? — perguntou o policial ao se juntar ao grupo.

Enquanto acertado pelo vento violento, o soldado aproximava-se. Ele carregava uma clava de metal e um escudo de madeira robusto como uma porta, carregando-o numa mão sem ter problemas com o peso. Sua postura estava reta e não era afetada pelas pancadas de areia. O seu rosto tinha uma cicatriz grande na lateral e o pano amarrado mais acima tinha marcas sangue seco.

— Esse é o monstro que fugiu! — Dante estava incrédulo. O soldado que quase matou havia voltado e, diferente de antes, parecia nutrido e com uma poderosa intenção assassina.

Pela forma que rangia os dentes horrendos, estava raivoso. Sem a cicatriz, seria impossível compará-lo ao medroso que fugiu.

— Se é só um, podemos dar conta! — Dante pensou alto.

— Ainda é…! — Karlos ia protestar, mas o policial foi embora antes que pudesse. Os homens ficaram sem reação, confusos se deveriam descer ou ficar ali. “Essa má sensação… o que significa?”

Karlos encarou o soldado. Ao compará-lo ao gigante que derrotou, a ira desse o deixava tenso. E quando o monstro notou o rapaz e os vigias, berrou forte. 

Diante dessa situação, o rapaz tomou sua decisão: pulou para fora do buraco. Os outros ficaram perplexos e, pela situação repentina, poucos tentaram o chamar. Com as mãos na parede, deslizava pelos tijolos rapidamente e, ao alcançar metade do caminho, deixou-se cair direto para areia, causando um baque abafado. Dessa postura caída, o espadachim levantou o olhar afiado, pronto para agir.

“Ele parece forte.” O rapaz tomou a postura com a espada apontada para o oponente, a mesma que usou contra o vassalo. “Se Dante o forçou a fugir antes, então Dante deve ser mais forte do que eu pensava. Realmente um centro. Em comparação a ele, o que temos aqui: alguém que toma a decisão idiota e inconsequente. Novamente assumirei a responsabilidade.”

O soldado corria no seu rumo numa velocidade notável. Karlos, por outro lado, só esperava.

“Mas se meu instinto estiver certo, significa que matá-lo agora é o melhor. Essa estatura e armas contra um grupo frágil sem as chamas… Independente da formação, seriam rompidos e teríamos baixas…”, pensava enquanto sua atenção direcionava-se ao escudo que o monstro pôs à frente.

Mesmo que sua previsão mostrasse a falta de brechas na defesa do oponente, ele avançou a toda velocidade e posicionou a katana para trás, dando o rosto à tapa. Pelo empenho que colocava, não tinha pretensão de desviar.

Na distância ideal, o soldado levantou o braço e atacou com a clava, acertando em cheio a cara do espadachim. A cabeça do rapaz era empurrada para trás, ainda sim seus braços, pernas e cintura moveram-se… não! a cabeça dele ia para trás pela própria vontade, indo num giro que reduzia o dano enquanto percorria o contorno da esfera de metal. Karlos ainda estava no jogo.

Num balanço desde baixo com a katana, abriu a garganta do monstro, fazendo sangue esguichar loucamente.

Ferido mortalmente, o monstro paralisou-se e, por fim, caiu com o peso do escudo. Banhado pelo sangue inimigo, Karlos pegou a bainha que surgiu em sua cintura e encaixou a lâmina, deslizando-a suavemente para dentro, faiscante. O sangue na areia secou-se rápido e o vento logo o cobriu com os grãos de longe.

Atrás, aproximava-se o grupo de homens preparados para a guerra liderado por Dante, mas ao virem que o monstro fora morto antes de chegarem, seus ânimos ardentes foram calados como se pisoteados. Por quê? Sozinho? Como? Aconteceu e estava lá o vencedor de pé e, o que parecia tão perigoso, abatido.

Remoíam; era difícil de aceitar. Um ciclo que era quebrado pela lembrança de já terem ouvido uma história, a de que o rapaz — sozinho — havia derrotado o gigante de três metros. Calafrios o percorriam ao invés de um ar de comemoração.

Dante aproximou-se eufórico, repleto de preocupação.

— O que estava pensando?! E se… — Pegou no ombro do Karlos e o puxou para vê-lo; sua voz morreu com a visão.

— Desculpa. Só senti que eu devia fazer — falou Karlos e sua boca abria mais do que deveria de um lado, pois a pele e carne foram raspadas, mostrando os dentes ensanguentados. Com essa aparência horrível, continuou: — A partir de hoje, serei a nossa frente de batalha. Mas quem deve comandá-la será você, Dante. 

O policial caminhou para trás e, com as pernas falhando, caiu sentado. Do chão, enxergava o espadachim com a forma escurecida apesar de estar abaixo do sol, uma criatura inacreditável que olhava o adiante sem o medo, fraqueza e indecisão que todos tinham. Presenciava o nascimento da selvagem vanguarda.



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