Ataque as Torres! Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 11: Afora Morto

— Nada bom… — disse o homem, deixando o punhado de cereais deslizar pela mão. Ele tinha por volta dos 50 anos e matinha uma expressão simples e humilde que sobreviveu às eras. Na cabeça usava um boné que, a qualquer balanço, segurava. — Tá estragado.

O grupo olhava o depósito de suprimentos.

— Aqui também… — tirou a tampa do outro barril. — Ocês tem que me ajudar. Peguem as caixas ruim e vamo jogar fora pra não contaminar o resto.

Os outros concordaram e começaram a carregar os recipientes.

— Temos sorte de ter entre nós alguém tão competente como o senhor — falou Dante.

— Ha he ha! Nada Sr. policial, me chame só de Jorge. Só que, ai ai! que rolo que fui me meter. Fui pra cidade pegar umas coisas e aí o diabo pegou tudo nós.

— Não se preocupe, Sr. Jorge. Vamos definitivamente sair daqui e voltar para nossas casas.

— Acredito em ocê, Sr. policial. Ajudo com qualquer coisa.

— Obrigado pelo apoio. — Com o fim da conversa, Dante estava para sair. — Essa foi a última sala… Irei checar os portões novamente.

— Leva alguns cabras contigo. Outro bicho pode aparecer.

Os homens se amedrontam com essas palavras, notando isso, o policial respondeu:

— Vou ficar bem. 

No saguão, o médico continuava seu trabalho. Karlos se assemelhava a uma múmia, uma suja de sangue. Os pedaços de destroços tirados da carne com a pinça eram empilhados em cima das ataduras tiradas. Com o tratamento mais importante terminado, o homem molhava o pano e limpava os ferimentos leves.

— Como ele está? — perguntou Dante ao surgir do corredor.

— Em estado grave; a perda de sangue é o maior problema. Como não há equipamentos aqui, foi pouco o que pude fazer por ele. Agora é uma questão de o levarmos para o hospital e dele resistir até lá.

— Entendo… — Depois de ver o rapaz, o policial foi-se para os portões. Pensou: “Quero fazer perguntas para ele, mas parece que será impossível. Do jeito que tá… Não… Não devo ser negativo. Preciso guiar essas pessoas e achar uma salvação para ele. Vou conseguir. Definitivamente.”

Os outros no saguão levantaram suas atenções ao notaram que Dante ia abrir os portões. Alguns engoliram a seco no retirar das vigas de madeira deitadas entre os apoios de metal; com elas fora do caminho, nada mais impediria a passagem de ser aberta. E assim foi feito. 

O vento adentrou com a luz no lugar. Invasores.

Ao deixar o piso da torre, as botas do policial encontraram-se com a areia amarela. Ele andava à frente inclinado, por ser uma subida, e confrontava as pancadas de vento com os braços protegendo os olhos. Numa enfim trégua, olhou o panorama e — mesmo que já tivesse vindo antes — surpreendeu-se. 

Perante ao céu das nuvens amarelas — as que se contorciam como vermes — procurava-se o sol, o que era impossível, estava engolido. Em meio ao deserto, a existência do homem era fútil e cada passo dado era uma ofensa a sua proporção. Ao longe, a areia era estourada pelas ventanias descontroladas, mantos que encobriam as colossais silhuetas sombrias. 

O exterior igualitário ao inferno, só podia ser admirado, pois adorar restava aos demônios escondidos. Vazio; poderia até um monstro existir nessas terras? Se não tivesse visto um mais cedo… Seria inaceitável cogitar.

Ao se virar, Dante deu a devida atenção à gigante torre que os protegiam. Do tamanho de um prédio, era uma construção desnorteante, robusta o suficiente para espantar a preocupação da chegada de uma tempestade, preocupação que era rebatida de volta pela velhice dos tijolos. 

Era o suficiente, 

então ele voltou para dentro.

 

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— (...) Verificamos os andares e não encontramos nenhum perigo — continuou Dante. Estava de frente para as mais de 130 pessoas sentadas, todas atentas e ansiosas por uma notícia de partida. — Apenas há lugares com risco de desabamento, mas são áreas isoladas, as rotas principais para movimentação pelo prédio estão em boas condições. Agora, preciso contar a vocês sobre a situação em que estamos.

Ele fechou os olhos, considerando que palavras escolher. O público entreolhou-se e os murmúrios soavam. Lhes restavam esperar a notícia sair do policial com postura firme e, mesmo Otávio e os homens à volta que sabiam da verdade, esperavam que com sua saída ela não se tornasse a causa de uma confusão.

— Primeiro, devo esclarecer que aquele rapaz, na verdade, não se machucou por cair de um lugar alto, mas por ter sido atacado. — Otávio e os outros contorceram-se, desconcertados com as palavras diretas. Claro, os murmúrios aumentaram terrivelmente após. — Por favor, façam silêncio!

Com mais tentativas, ele conseguiu prosseguir:

— Continuando… O que falei era a verdade. O motivo para eu mandar Otávio mentir para todos, era porque ainda não tínhamos revirado toda a torre, então queríamos manter vocês tranquilos enquanto assegurávamos suas seguranças. E, sim, o lugar é seguro.

Foram necessários instantes para as pessoas digerissem as informações. E aos poucos os questionamentos surgiram:

— Você disse que o rapaz foi atacado, então o que aconteceu ao agressor?! 

Ao acalmar as outras vozes, Dante respondeu: — Antes, ressalto que o que vou falar é a realidade e poderão confirmá-la com seus olhos, assim como o que irei dizer sobre o exterior. Um monstro foi o responsável pelo ataque, e ele agora está morto.

Sem exceções, as pessoas espantaram-se.

— Novamente, ressalto: um monstro - algo não humano e perigoso - atacou o rapaz com intenção de matá-lo. Atualmente o monstro está morto e, tanto lá fora quanto aqui dentro, não encontramos nenhum indício de outra dessas criaturas. É seguro!

Se aproveitando do silêncio por ficarem pasmos, prosseguiu:

— E o motivo de ainda não termos saído é porque lá fora é um enorme deserto!

— Isso é imp-

— Eu disse tudo o que descobrimos! E é claro que todos poderão conferir com seus próprios olhos! Iremos de uma forma organizada em que possamos protegê-los de qualquer ameaça! 

Suor deslizou pelo rosto do Dante. Independente da comoção criada pela sala, sua pose com os braços cruzados para trás e pernas juntas transmitia uma grande formalidade como figura de segurança — o policial — a sensação de confiança recaia sobre todos mesmo com o impacto das notícias ridículas.

A conversa foi acalorada pelo tempo seguinte. Nada que o tempo não pudesse curar.

— (...) Essa foi a história. Se o rapaz melhorar, poderemos perguntar mais detalhes — concluiu Dante.

Numa parte da sala, André estava com a cabeça entre as pernas, desacreditado.

“Como logo ele se envolveu nessa bagunça? Se eu não tivesse dormido, poderia ter o parado”, pensou, mordendo os lábios em frustração.

— O jovem loiro que me avisou sobre o sumiço, poderia se levantar? — disse o policial.

— Ah? Ah! Estou aqui!

— Como é a amigo dele, que ir vê-lo?

— O-o conheci aqui nessa sala, mas se eu puder, gostaria de ir!

— Entendo… Qual o seu nome e o dele?

— O meu é André e o dele é Karlos!

Duas pessoas se levantaram ao ouvir essas palavras, o que chamou a atenção do grupo. Era um homem e uma moça, ambos estavam nervosos e mal conseguiam manter as bocas fechadas.

— Você disse “Karlos”?! — Por fim o homem, que era Diego, falou. Até mesmo o mestre espadachim do rapaz veio…  era um destino azarado. — Onde ele está?!

Pai e filha foram levados pela escadaria. Por seu amigo ter o que eram… vizinhos? amigos? ou familiares? enfim — pessoas conhecidas de data maior — André decidiu ficar na sala inicial.

Dali em diante, Dante ainda teve que lidar com as pessoas mais acaloradas.

Tendo passado certo tempo, o grupo foi preparado para partir e, dessa vez, realmente partiram. Ambas as escadarias principais foram preenchidas, movimentação de cada lado liderada pelos policiais.

Entre essa gente — naturalmente — existiam os incrédulos à situação, que só foram contidos pelo “poderão ver com os próprios olhos”, e os abatidos psicologicamente que, crendo ou não, estavam tensos demais por estarem num lugar desconhecido em que tinham que aceitar como realidade. Eram bombas prestes a explodir que ainda não explodiram.

No saguão, houveram mais sustos do que se podia contar. O corpo do monstro gerou tanto pavor que alguns preferiram nem olhar por muito enquanto os atormentados desde antes se recusaram a vê-lo, aceitando que tudo era verdade mesmo com isso em falta.

Como se prevendo a barulheira que acobertaria o local, o tratamento do Karlos havia sido levado mais cedo para outro lugar.

Numa sala de tamanho modesto, era onde ele estava. Deitado sobre uma cama improvisada com vários mantos, continuava em seu coma. Perto, estavam Diego, sua filha e o médico.

— Se acalme, Eva — disse Diego. Com o rosto baixo, ela estava desabando em lágrimas, segurando os joelhos com força. — Karlos não gostaria que ficasse tão abalada.

As palavras eram inúteis, mas a presença do seu pai ali a ajudava ao menos um pouco a aguentar a situação. Ele batia de leve nas costas dela, dando-lhe forças.

— Esse cara… Lutando contra aquilo sozinho… — Diego suspirou. — O que ele tinha na cabeça? Será que não tinha mais opções ou… só não quis pedir ajuda?

— É um rapaz forte, acreditem na melhora dele — falou o médico. — Ganhou até do gigante, até encontrarmos o hospital tenho certeza de que vai aguentar.

— Obrigado pelo seu esforço, Dr. Marcos.

— Não precisa agradecer, fiz o que tinha que fazer, isso é tudo. Só ficarei feliz quando ver ele andando por aí, ha ha ha!

— Mesmo assim agradeço.

— Que persistente, hein? Certo, de nada. — Ele olhou por um momento para Karlos. — Apesar de ter resultado nisso, para mim, estou diante de um herói.

— O que quer dizer com isso?

— Bem… Vi e toquei eu mesmo naquele monstro. No pouco tempo que pude o avaliar somado ao que foi dito pelo policial disse que presenciou da luta, tive certeza de que era uma criatura muito perigosa. Mesmo com um peso próprio absurdo, suas pernas não cediam e o monstro podia se mover de maneira ágil. Quantas pessoas morreriam no ataque em grupo contra ele? Estremeço só de pensar. O feito desse garoto foi absurdo.

— Oh… Acho que tenho a resposta para minha pergunta. — Diego mostrava um sorriso modesto. — Maldito herói. 

Para ele e sua filha, restava esperar ao lado… Pacientes. — Nada disso importa se ele não está vivo — balbuciou ela, mas Diego a confortou com um abraço, respondendo apenas: — É. Você tem razão. Só que talvez ele também tenha.

Teriam que esperar muito tempo por uma resposta, uma que definitivamente viria.

Do lado de fora da torre estava boa parte do grupo, essa que se resumia a nocauteada. A maioria estava caída na areia devido ao impacto do panorama somado ao de — pouco antes — terem visto o corpo do monstro. Era o golpe final, a fantasia era provada diante dos seus olhos.

“É isso…”, pensou Dante. Com as mãos nos bolsos, encarava os arredores com seriedade e uma firmeza vinda pelo tempo que passara ali fora antes. “Seria desnecessário contar para eles sobre as chamas verdes que rodeavam o rapaz ou sobre o seu desempenho desumano?... Com certeza, huh? Se eu preciso agir assim para fazer as coisas funcionarem com eles, então o farei, mas ter essa ética de contar a maioria da verdade realmente vai funcionar para protegê-los? Deveria manipulá-los? Contar mais mentiras?” 

Ele bufou e decidiu caminhar para o lado oposto da torre, dizendo, um pouco antes, para Otávio:

— Fique de olho para que ninguém enlouqueça e corra por aí.

— Certo… — Viu o amigo desaparecer pelo empecilho do muro. — Que raro… Até ele precisa de uma pausa, imagino. Bem, essa é uma situação surreal. É natural que crie resultados surreais, ou algo assim. — Expôs um sorriso.

Do outro lado da torre, Dante parou e focou adiante, onde havia uma torre.

— (...) Lá fora, avistei outros edifícios semelhantes ao nosso — lembrou-se do que dizia na sala inicial. — A maior parte são só borrões por causa da tempestade, mas há um que está apenas a alguns quilômetros daqui. Lá pode ter mais pessoas como nós.

A lembrança acabou.

“Será que vai ser mesmo assim? Deveria ir com todos ou primeiro chegar com um grupo menor? Há perigos escondidos nas opções?” Coçou a cabeça e deu-se tempo. Em seguida pegou o distintivo com a palavra Moral grafada invasivamente pelo material, porém ele não se importava com isso ali, apenas para o que o objeto significava em seu âmago. “Novamente… ‘Qual abordagem deveria ser usada para a situação?’ Ah… Você poderia escolher melhor que eu.”

Quando abaixou o objeto, Dante viu uma silhueta ao longe e, com poucos segundos a avaliando, preocupou-se profundamente. Ele correu de volta à entrada da torre e pegou todos de surpresa com o grito que deu:

— Tem monstros vindo!!



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