Volume 1
Capítulo 10: Nascimento
— Houve uma vez, quando eu era criança, que me envolvi em um jogo de guerra de pedras com outros garotos — disse Karlos, no mundo branco.
— Infância perigosa, hein? — falou o mascarado.
— Isso foi o de menos. Mas continuando… Como era de se esperar de um jogo idiota, alguns se machucaram e eu não fui uma exceção.
Na luta contra o monstro gigante, as rochas queimando em vermelho se aproximavam do seu rosto, prontas para encerrar sua vida.
— O estranho é que pouco antes de ser atingido, vi tudo ficando lento e, bem diante dos meus olhos, até as rotações da pedra estavam claras. Aí eu fui acertado. Tudo escureceu.
— Entendo. Crer que essa experiência foi útil para aquela luta?
— Vai saber… Mas se não fosse pela sensação de déjà-vu funcionando como gatilho, talvez eu não tivesse sobrevivido.
De volta ao passado. Ao caos.
Karlos jogou-se para o lado e os projéteis passaram direto, com um raspando a carne da sua canela. As paredes eram perfuradas pelos disparos, os tijolos cediam e encheram o saguão de poeira enquanto os sons estridentes soavam.
A torre parecia prestes a desabar.
De pé, o rapaz abalou-se com a dor na perna, de onde sangue escorria até o solo.
“Essa coisa… ainda tinha tanta força sobrando?!”, pensou.
À frente o gigante se aproximava como um trem. Com a clava, ao estar perto, ele golpeou de cima e Karlos saltou às pressas para desviar, indo direto para onde a katana estava. O solo atrás explodia.
O espadachim caiu de cara no chão; seus pés feridos dobraram-se no piso e suas mãos ficaram dormentes. O monstro o perseguiu, imparável. Próximo, ele balançou a clava e fez o rapaz rolar para desviar, então atacou novamente, novamente e novamente. O piso virava farelo, pedaços iam para cima a cada impacto cruel.
Parando ao lado da perna inimiga, Karlos golpeou-a da postura baixa em que estava e alcançou a carne apenas com a ponta da lâmina, pois o oponente a evitou e, após esse recuo da perna, ele chutou o rapaz com toda sua força.
O espadachim ia para o alto com os braços para cima, afinal tinha usado a espada como escudo.
Flutuando longe do chão, nada pôde defendê-lo do balanço seguinte da clava, que o pegou no ar como um bastão de beisebol; com a katana estourando em chamas verdes — ele resistia — ainda sim, na dispersão da força, foi mandado para longe duma vez.
O piso explodiu e Karlos quicou enquanto cuspia sangue, rodeado pelos trapos do seu manto.
“Essa não…” Caiu num baque seco e recebeu uma chuva de pedras. Lembrou-se do vassalo escrito no quadro em sua mente, depois do trecho daquele quadro negro: Soldado, avance! Vassalo, destrua! Nobre… “Aquilo era a dica da hierarquia de inimigos. Esse tempo todo estive enfrentando um rank superior cheio de truques.”
A bizarra figura o encarava de cima, prestes a golpeá-lo com a clava, que já estava rachada de tanto uso.
“Ah… A sensação é diferente. Seja enfrentando o Sr. Diego ou no início dessa luta… Não sentia tanto essa foice no meu pescoço. Como naquele tempo. Eu vou morrer. ”
Outra explosão aconteceu no descer do porrete. Um desastre.
O monstro parou nessa postura; seu braço possuía um corte imenso queimando com o fogo verde e, ao lado, estava Karlos com a katana estirada pela recente ofensiva, mesmo com a quantidade dos seus ferimentos afetando-o.
“Não vou morrer.” Olhava-o, intenso. “Acima de força, truques e rank de periculosidade, preciso matá-lo por ser uma ameaça.”
Apesar do esqueleto encapuzado ter a foice em seu pescoço, ele a ignorava, caminhando sem se importar da lâmina entrar em seu pescoço. Sua cabeça foi decepada, mas não caia.
“A sensação é irrelevante. Posso lamber minhas feridas ou remoer meus atos idiotas depois que acabar. Mas só depois!” Karlos ia ao oponente. “Apanhei o suficiente aqui pra entender que nada vai se resolver sem matá-lo, que é impossível tirar os ‘espinhos’ sem rasgar as mãos. Vou terminar isso; é o mesmo para você que não tentou fugir apesar de tá tão ferido, certo?”
O vapor subia. O monstro gritou, lançando sua habilidade a tudo à volta, depois, ergueu-se.
Estremeceu, o ambiente.
Os passos pesados; leves; soaram, tornando-se cada vez mais intensos. Em meio a ira das suas expressões, ambos moveram os corpos banhados nos próprios sangues enquanto rugiam.
Karlos abaixou e correu por baixo da clava balançada; o gigante recuou o osso e atacou de cima para afugentá-lo, golpe que foi desviado para baixo pela katana e, com a abertura, foi usada para cortar a barriga do monstro — superficial.
No salto o espadachim expôs os pés em pura carne viva. O dano na canela soltou tanto sangue que seu rosto embranqueceu com a anemia.
Ao girar, ele investiu contra o abominável, que o recebeu com o lado contrário do punho em sua cara, vindo de um largar da clava; Karlos girou com a bochecha sendo amassada e dispersou o ataque com sua rotação, depois continuou sua ofensiva e rasgou a cara do oponente.
Sucesso.
O rapaz recuou num pulo e o monstro gritou. Ao invés de pegar no rosto aberto, ele agarrou a clava e bateu várias vezes no chão, enlouquecido, buscando o adversário que corria ao seu redor, mas só conseguia esmagar as imagens residuais.
Nesse instante que Dante chegou, no instante em que o osso quebrava-se em pedaços a cada pancada estrondosa. Ele ficou pasmo com a dança de carnificina dos dois, o suficiente para paralisá-lo, só depois se deu conta que tinha uma pessoa ferida lutando contra a aberração.
— Pre… preciso fazer algo! — Por baixo do manto, caçou algo em sua cintura. “Droga! Se ao menos tivesse minha arma…!”
Karlos causava cortes no gigante enquanto a fraqueza tirava o vigor dos seus olhos. A sua perna ferida fraquejava e quase o matou por fraquejar seus pulos e equilíbrio, só com a obsessão de ganhar conseguia reafirmar seu vigor e voltar a correr, o novo imparável.
Dante tirava as pedras do desabamento.
Ao conseguir ficar atrás do monstro, Karlos finalmente alcançou atrás dos joelhos com sua lâmina e, após o jorrar de sangue negro, o abominável caiu de joelhos.
Inimigos, considere todas as coisas. Conquiste as Torres! Ataque as Torres!, recordou-se. “Se é assim…” Ele segurou a respiração e subiu nas costas do oponente, depois encheu a katana com as chamas; atacou o pescoço e, ao penetrar a carne, explodiu-a em chamas, o decapitando. “Que essa seja a primeira.”
As chamas espalharam-se à volta e a cabeça rolou pelo piso. Morto, o corpo caiu de vez, estirando-se. Também perdia o vermelho na pele, que voltava ao tom amarelado. Acima dele, Karlos olhava para baixo devido ao cansaço; sujeira, suor e sangue se uniram pelo seu rosto, que por ter acabado de passar pelo inferno, parecia ter visto uma vida inteira desenrolar-se.
Dante chutou os últimos destroços tampando as bordas e conseguiu abrir caminho. Em seguida, correu até a área devastada pelo combate e se aproximou do espadachim desolado. Era tarde
— Ei! Tá tudo bem?! — disse. Mesmo com a necessidade de focar sua atenção no rapaz, seus olhos não conseguiram deixar de observar o ambiente devastado.
A batida da katana caída reverberou pelos ouvidos do homem. Karlos caia, sem forças até para escolher o lugar, então seria nas costas do inimigo.
— Ei! — Dante correu para prestar socorro.
Com o ruído suave de vento passando pelas frestas dos portões, o primeiro passo da humanidade foi dado por um só homem.
A torre Deini foi conquistada.
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O cachorro latia, alegre.
— Raptaram até isso?! — disse Armstrong, o homem loiro, que estava agachado para o animal, esse que o olhava de volta com a língua para fora e rabo abanando. — Daqui a pouco a gente sai daqui, garotão!
Ele acariciou o animal e sua abordagem deixava a bela dona feliz.
Alexandro — o de cabelo escuro e espetado — olhava para si com estranheza.
“A sensação de desconforto se foi subitamente… Tem algo de errado comigo?”, pensou.
As pessoas esperavam na sala inicial, impacientes, mas não ao ponto de explodir. Era pedido paciência pelos homens que ficaram, que logo os policiais e o restante dos que foram retornariam.
Os sons de passos apressados soaram pelas escadarias, causando curiosidade para os de dentro. Quem voltou era Otávio, e seu aspecto apavorado transmitiu instantâneo temor. Estava cansado por toda a correria, então limpou o suor da face e apoiou-se nos joelhos antes de gritar:
— Há algum médico aqui?! — As pessoas entreolharam-se e os murmúrios surgiram, descontrolados. — Um rapaz caiu de uma altura alta e se machucou gravemente! Ele precisa ser tratado imediatamente!
— Sou médico! — Um idoso de óculos se levantou com a mão para cima.
— Graças a Deus! Se apresse, temos que ir!
— C-claro!
— Por favor aguardem! — disse para todos os outros. — Mais tarde poderão descer. Ainda estamos verificando a segurando do lugar para que nenhum outro acidente se repita.
Otávio estava tão apressado que levou o médico nas costas. Sua velocidade fazia o senhor gritar amedrontado, deixando-o entre a decisão cruel de segurar melhor os óculos ou o pescoço do homem. E assim eles desceram.
“Huh? Achei que tinha sido decidido que os adolescentes não fariam parte dos batedores”, pensou Armstrong. Confuso, coçou a cabeça.
No saguão, havia homens caídos de medo. Paralisados pela visão do monstro caído, a cabeça teve que ser tampada por um manto, um que pertencia ao Dante. Ele estava perto da criatura, o menos abalado com a situação, ainda sim, abalado.
Lembrou-se de quando os outros chegaram no local:
— (...) Otávio! Veja se há algum médico lá em cima! — falou enquanto deitava Karlos no chão com cuidado. — Por agora não diga que tem um monstro aqui, senão as pessoas irão se desesperar! Agora vá!
— C-certo!
A memória acaba. Ele volta a olhar o corpo aberrante, um envolto numa enorme poça do sangue preto.
“Apenas… o que diabos é isso? É real, tenho certeza e já verifiquei o corpo, mas não consigo aceitar de forma alguma. Até mesmo como esse rapaz lutava contra ele…! Não eram movimentos normais, pareciam coisas de filme… Como? Como é possível?!”
— Ali está ele! — Otávio chegou com o médico e rapidamente o desceu. Suas presenças tiraram Dante das suas divagações.
— O-o que é aquilo?! — apontou o senhor para o monstro, a reação impossível de evitar.
— Fica pra depois! Foca no garoto!
— Ah! sim!
Desengonçado, ele correu com sua maleta até Karlos. Ao chegar perto, a primeira coisa que o horrorizou ao vê-lo foi o seu estado terrível, amenizado pelas faixas improvisadas do Dante, que cobriam os machucados mais sérios. Em seguida, ligou a lanterna e checou os olhos do rapaz, depois o corpo.
— Nada bom! Nada bom mesmo! Preciso trocar as faixas e as que tenho não bastarão. Vocês aí! — disse para alguns dos homens. — Rasguem seus mantos em grandes pedaços e me deem! Rápido!
Apesar de nervosos, eles obedeceram sem questionar. A partir dali iniciou-se a batalha para salvar uma vida.
— Fora vocês dois que vão ficar para proteger o senhor — começou Dante —, quero o restante comigo. Vamos revirar o lugar para ter certeza de que não há outras coisas como essa.
Eles engoliram a seco, mas entendendo a responsabilidade, aceitaram.
“Se nada faz sentido…” Dante olhou os portões recentemente trancados por ele e caminhou liderando o grupo para a escadaria. “Eu farei ter. Não sei se estamos no inferno ou o quê, mas independente disso, cumprirei meu papel. Nada vai pôr as garras nesse povo e se for necessário — como aquele rapaz fez — lutarei.”