Astrea Brasileira

Autor(a): Samuel Nohzi


Volume 1

Capítulo 3: Pequeno herói

 O clima estava agradável, era uma das únicas noites em que a tempestade não estava presente em Arneb. O vento estava calmo e a brisa soprava com leveza seus cabelos.

 Tinha acabado de sair de uma cabana a alguns quilômetros de casa, essa que estava no final da trilha. Seus passos eram rápidos, afundado na neve, ajeitou a alça da mochila e continuou.

 O pequeno garoto de cabelos brancos como a neve suspirou, após muito andar, suas pernas tremiam e seus olhos faziam a menção de se fechar.

 O vento soprou novamente, mas dessa vez suas vestes se moveram junto dele. Kaleek ficou alerta com olhos arregalados, tocou a adaga abaixo das costas.

 Uma neblina rasa se levantou diante dele, e quando se viu novamente na trilha, algo fez ele se arrepiar. Uma casa, sua casa, estava com as luzes apagadas e em completo silêncio.

 O céu estava estranhamente claro, as estrelas brilhavam mais do que nunca como se aplaudisse a lua.

 O grito de agonia chegou em seus ouvidos, seus pelos se arrepiaram, e ele se virou para onde o som veio. Junto disso, uma mulher saiu da casa cambaleando, seus cabelos longos e brancos eram belos mesmo distantes.

 — Mãe!

 O garoto começou a correr, nem percebeu quando a mochila foi engolida pela neve. Seu peito doía, ver sua mãe possivelmente ferida fez seu peito doer de uma forma nunca sentida.

 Não demorou muito para que alcançasse ela, que ainda mantém-se de pé, mesmo com o ferimento na barriga.

 — Não, venha…

 — O que aconteceu, me fala. — O corpo magro dela perdeu as forças — Mãe!?

 O corpo feminino cheio de feridas expostas e sangue, manchou a neve de vermelho. Seus olhos amarelos fitaram o garotinho colocar seu corpo já sem forças em seu colo.

  Jogando os joelhos contra o chão, ele rapidamente retirou o agasalho e pressionou contra a barriga de sua mãe, que estremeceu por um momento.

 O suor pingava de seu rosto, ela parecia ofegante, não conseguiu formular nem mesmo uma frase. Seus olhos tremiam enquanto ela estendia a mão para tocar seu rosto.

 — Me desculpa te dar tanto trabalho… meu filho.

 Seus dedos deslizaram no rosto do garoto, manchando ele de sangue, passou os dedos por trás das orelhas e limpou uma lágrima que caiu dos olhos aflitos do garoto, misturando seu sangue com as lágrimas.

 — Para disso, cadê o papai?

 — Você tem que proteger eles…

 Ele curvou o corpo, abraçando sua mãe que sorriu satisfeita. Seus olhos fitaram a casa, em completo silêncio e totalmente escura, uma espécie de sussurro se misturava com aquele silêncio ensurdecedor.

 — PAI! CADÊ VOCÊ CARAMBA!!!?

 O berro ecoou por toda floresta, destruindo aquele silêncio que torturou sua mente. Mas, não houve resposta por parte de quem ele havia gritado.

 — Kaleek, me escuta…

 — Poupa fôlego, não se esforça por favor…

 — Você é um bom garoto.

 Aquele abraço quente, que o acalmaria por um instante, agora fazia suas pernas tremerem. Passou as mãos entre os cabelos manchados com sangue, enquanto seus lábios tremiam por uma resposta.

 Mesmo abraçado com ela, não teve coragem de olhar mais a fundo os ferimentos de sua mãe. Apenas a ideia de ver o sangue pingando, já revirava o estômago.

 Seu corpo estava mole, e ela mal conseguia abraçar seu filho de volta. Isso fez suas lágrimas caírem, a dor no olhar dela não se comparava com a dor nos órgãos internos.

 — Pai… — ciciou Kaleek.

 Tentou agarrar-se à única pessoa que podia salvar sua mãe, salvar sua alma. Aquela pessoa que estava desaparecida e não respondia seu chamado, mesmo repetidas vezes.

 — Socorro… Socorro, por favor. — Várias vezes, chorou, orou, implorou por seu salvador.

 Mas, ele não veio.

 Aquele anjo que abraçou, começou a cantar. Aquela voz baixa sussurrou em seus ouvidos em um tom magnífico.

 Um canto tão leve, que seu corpo relaxou, os olhos arregalados tremeram como se sentisse a presença de um ser divino, algo a ser louvado.

 Ele finalmente se sentiu abraçado de volta, enquanto aqueles lábios manchados de sangue se moviam lentamente, espalhando as últimas páginas de sua vida.

 A estrela mais linda do céu estava sendo louvada, adorada. Um amor tão profundo puro quando aquele só poderia ser entregue por ela: sua mãe.

 Como se ecoasse e transformasse aquele ambiente escuro em claro novamente, as estrelas brilhavam cantando junto dela, e seu olhar voltou a brilhar sob lágrimas novamente.

 — Eu te amo…

 O canto acabou, e deu espaço para um vazio em seu peito. O corpo da sua progenitora agora estava gelado, seu peito doeu ao afastar o seu rosto do dela.

 Seus olhos estragaram-se nela, seu rosto, comprimento do cabelo, as vestes de tecido mais fino que transpareciam um buraco enorme na barriga, fizeram ele vomitar bem ao lado do corpo.

 — Por quê…

 Aquele silêncio fez ele afundar, tão profundamente que não conseguia ver mais nada além do corpo sem vida de sua mãe. Sem conseguir respirar decentemente, fincou as unhas na própria coxa.

 Soluçava enquanto chamava por ela, queria acreditar que estava viva. Ele implorou que aquele momento nunca existisse, que fosse um sonho, enquanto deslizava os dedos para o cabo da adaga.

 A insanidade transbordava em seu olhar, sem cor e qualquer esperança de um amanhecer, deteriorando-se totalmente.

 Deixou o corpo descansar com a cabeça em seu colo, o rosto gentil ainda estava sorrindo. Os olhos amarelos que uma vez cintilavam perderam a cor.

 — Isso é apenas um sonho…

 Enquanto manteve uma expressão desesperada no rosto, retirava a adaga da bainha. Seus dentes batiam uns nos outros, e o suor desceu pingando na ponta da lâmina apontada pro seu próprio pescoço.

 Não conseguia nem mesmo ver a casa a sua frente, muito menos o rosto da mulher em seu colo. Era como se tudo fosse ocultado pela escuridão que a morte lhe traria.

 Você tem que proteger eles…

 Algo dentro dele sussurrou em resposta a palavras de sua mãe.

 “Eles” Estão mortos

 O sangue quente pingou e escorreu pela lâmina, seu corpo todo se enrijeceu, na verdade era como se alguém o segurasse.

 A voz daquele anjo voltou a sussurrar, o cobrindo com seus braços e acariciando seu cabelo.

 — Por favor, me deixe morrer…

 Suas mãos tremiam ao segurar a adaga, mas sua mãe impediu-lhe de perfurar a própria garganta. O abraço envolveu ele totalmente, isso fez ele parar de tremer.

 Não suportava a ideia de chegar em casa depois disso, e encontrar seu pai e irmão mortos, a ideia de ver suas vidas escorregarem pelos dedos fazia seu peito saltar para fora.

 Você ainda tem uma missão, meu heroi.

 A mulher atrás dele sussurrou diretamente em seus ouvidos, moveu os lábios finos gentilmente, desaparecendo lentamente.

 A brisa soprou levando o abraço aconchegante, e tudo que ele tinha para longe. O garoto voltou a olhar para os rosto de sua mãe, escorregou os dedos em seu rosto fechando seus olhos.

 O barulho de tábuas de madeira se partindo quebraram aquele silêncio, seus olhos estavam sérios e sem vida, mas se arregalaram quando ergueu a cabeça.

 As tábuas partiram-se na entrada de sua casa, onde ficou um buraco enorme na construção. Mas o que fez ele ficar atônito, foi o corpo gigantesco encarando ele bem de perto, sentado nos próprios calcanhares.

 Suas respirações eram sentidas por ambos, embora ele estivesse bem mais ofegante, aquilo, estava calmo e com um sorriso aterrorizante.

 Aquilo não era humano, sua pele era totalmente escura, com ausência de qualquer outra coisa além da pura escuridão.

 Além de seu corpo ser duas ou três vezes maior que ele, suas costelas marcavam abaixo do abdômen musculoso, parecia até desnutrido, além de não ter orelhas, e nem mesmo um nariz.

 Kaleek não conseguiu se mexer, nem mesmo segurar a adaga que ainda escorregava da sua mão. Só pode encarar o sorriso vil da criatura, que encarava ele sem os olhos.

 — Me mata…

 Ele riu, quando o garoto espremeu a lábios trêmulos, seu último pedido. De repente ele percebeu o colar que balançava no pescoço da criatura, era um colar em formato de estrela, soube imediatamente o que era.

 Esse colar não é seu…

 Sentiu raiva, aquele ser horrível e totalmente repugnante, estava carregando a última lembrança que poderia ter de sua família. O que poderia confortar sua alma, e salvar sua vida daquele frio.

 Os dedos longos passaram pelo seu pescoço se encontrando ao cobri-lo. As gargalhadas se repetiam em loop na mente, mas a voz de sua mãe foi a que falou mais forte.

 Você é meu herói.

 Os dedos do monstro foram decepados quando o garoto saltou em direção a casa atrás dele, o som da lâmina assustou a criatura que se encolheu olhando confuso para suas mãos.

 Se encolheu como se fosse um animal, um filhote, acovardado, sentiu medo e pavor. O suor desceu pelo seu rosto, o sorriso contorcido olhou de volta para o garoto.

 Kaleek segurava sua mãe nos braços, como se estivesse cuidando de uma flor. Seus olhos amolecem olhando o rosto dela, gracioso e belo.

 — Eu, também te amo…

 O arrependimento de não conseguir dizer isso para ela em vida, assombraria seus dias por toda eternidade. Mas agora, ele precisava proteger o que restou.

 Segurou firmemente o cabo da adaga e avançou para cima do inimigo, o vento estava errante e ele nem mesmo tinha um plano, mas golpeou com toda força que pôde.

 Sendo muito maior, não teve dificuldade em simplesmente chutar ele para longe. O corpo do garotinho quicou pela neve, o sangue de seu nariz pingou na neve quando bateu a cabeça uma última vez contra o chão.

 — Donma…

 Cristais de gelo foram criados ao redor dele, se formando dos pequenos flocos de neve, sendo lançados com muita força na direção da entidade, após ele mover os dedos ainda no chão.

 Ele saltou por cima dos cristais, aterrissando frente ao garoto que se levantava com a mão nas costelas. Seu salto foi o suficiente para encurtar a distância entre eles.

 O golpe atingiu as costelas do garoto, quebrando boa parte delas e fazendo ele agonizar com essa dor. Mas ele devia se manter de pé, por ela, por eles.

 Ele sorriu quando levantou um dos braços, mostrando o colar que antes estava no pescoço da criatura. O sorriso dela se desmanchou, dando lado para uma expressão irada e retorcida.

 Ela começou a morder os dedos que cresciam, um após o outro, a cena revirou o estômago de Kaleek. Seus dentes manchados de sangue e carne, deixaram ele aterrorizado.

 Agarrou a adaga no chão, e o sangue escorreu pelos seus lábios quando ele conteve o vômito de sangue. Seus olhos se arregalaram com a mão sobre a boca, o líquido escorria entre seus dedos.

 Novamente a criatura com sorriso perturbador avançou no garoto, atônito ele saltou para o lado desviando das garras dele. Trocaram “olhares” durante esse impasse, onde vários golpes eram deferidos, mas Kaleek conseguia desviar evitando feridas profundas.

 O atrito do vento ardia seus olhos, que com muita dificuldade desviava dos ataques brutais, que apenas causavam arranhões nele.

 Seus pulmões doíam, o ar estava gelado demais para ele fazer tanto esforço físico, além de estar aterrorizado com os restos de carne e o sangue que se espelhava a cada golpe.

 Por sua sorte, a batalha o levou até a floresta, ali ele viu uma oportunidade de acertar um golpe decisivo. Usando uma dessas árvores como impulso, ele saltou para longe, após desviar de raspão de um soco na horizontal da cabeça.

 Quando voltou sua atenção para o garoto de cabelos brancos, havia sumido. Mesmo procurando ao redor, não via nada além de árvores e mais árvores.

 Com os dois pés sobre a árvore, ele saltou em seu encontro. Sem mesmo hesitar, ele segurou a adaga com as duas mãos para abatê-lo.

 O sopro gelado o fez se virar, seu sorriso se contorceu quando viu e sentiu, a lâmina perfurar seu peito. O golpe fez ele gritar, atravessando seu tórax e esguichando sangue por todo rosto de Kaleek

 — Donma!

 O gelo invadiu e queimou seu corpo por dentro. Para afastá-lo ele golpeou sua cabeça, arremessando Kaleek em uma árvore, porém, a adaga ficou presa em seu peito.

 Seu corpo voou para longe batendo as costas no tronco da arvore, a neve que estava nas folhas caiu em cima dele como uma avalanche.

 Seu corpo sofreu com o impacto, os ossos da costela e das costas doíam de uma forma infernal. Uma latejar de dentro para fora, conseguiu até mesmo sentir suas costelas quebradas raspando umas nas outras.

 Ele se moveu desesperadamente, sentia medo, apavorado enquanto o local da adaga congelava. Essa queimação se prolongou pelo peito, cintura, pescoço, pernas, braço e por último sua cabeça.

 A estátua de gelo se despedaçou e foi levada junto com a brisa gelada, a benção do inverno era cruel em sua essência, pode ver isso na expressão contorcida da criatura.

 Só pode escutar o som do estilhaçar, o sons de desespero enquanto seu corpo afundava com a neve.

 Enquanto a encarava de perto, sua visão escureceu, vendo os pedaços voando e se desfazendo no ar.

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