Volume 1
Capítulo 19: Pai e filho
Era uma noite como qualquer outra, com a única diferença sendo que o vento não soprava como se quisesse arrancar as casas do lugar. Sem balanço, e sem o frio na barriga de tudo ir pelos ares com a força que a porta tremia.
Esse medo se potencializava ainda mais quando era visto de um ponto de vista infantil, uma criança facilmente imaginaria isso. Sendo alguém com ideias e imaginação fértil, Ken tinha que se distrair com coisas bobas.
Mas muitas vezes não funcionavam, e ele recorria a livros. Naquela idade ele nem sabia ler aquelas palavras difíceis, ainda sim ele ficava horas encarando o livro de medicina que sua mãe tinha.
Deitado em uma grande cama, desgastada e velha na qual por vezes dividia com seus pais. Os pés balançavam enquanto ele cantarolava.
A falta de local para dormir incomodava Catarine, sua mãe por mais que fosse uma médica, não estava em bons lençóis na questão financeira.
Seu pai era quem mais ajudava nesse caso. Por morarem em um local pobre, muita das vezes Catarine ajudava sem cobrar pelos seus serviços, eles não teriam dinheiro para pagar de qualquer forma.
Enquanto observava o garoto sacudir os pés de bruços na cama, os olhos que o vigiavam piscaram lentamente. Os cílios grandes eram belos assim como os fios brancos amarrados em uma trança sobre o ombro.
Seu sorriso inocente hipnotizou ela, a forma engraçada que ele mexia a cabeça. Como ele pegava o livro e revirava como se tentasse buscar um sentido naquilo.
As caretas, como ele franzia a testa com suspiros insatisfeitos, possivelmente era por conta das palavras que não conseguia entender.
Não pôde deixar de desenhar um sorriso em seu rosto, mesmo com dificuldades, ela conseguia arrumar motivos para isso.
Como sempre, Kaleek chegava curioso após um dia perigoso de caça junto de seu pai, ela não concordava com isso, mas sabia que era necessário.
Afinal, Rigel já era ocupado demais cuidando da vila como um dos únicos guerreiros, tendo como inimigos criaturas que reviravam o estômago.
— Está quase pronto, lave as mãos querido.
Ela concentrou-se novamente em cortar e girar o peixe na fogueira, os estalos a fizeram tremelicar o olhar ao retirar o peixe.
Não prestando atenção em Ken que se levantou de repente com um grito de vitória, direcionando se até a mesa onde cortou o peixe em alguns pedaço, ela limpou o suor da testa.
É pouco... Mas não tem problema eu ficar sem comer hoje. Eles já devem estar chegando.
Como se tivesse previsto a chegada deles, que entraram pela porta de repente. As duas figuras estavam sujas com neve e alguns respingos de sangue, eles eram: um garoto de cabelos brancos e um homem adulto de cabelos longos e pretos amarrados.
— Bem vindos!
— Mãe, o pai tá me sacaneando.
— Mas e claro, você não consegue dizer para aquela garotinha que gosta dela! É tão Hilário.
Rigel se curvou tocando a testa de seu filho que rosnava igual um pequeno cachorro, após isso, ele se aproximou de Catarine. Os olhos cansados dela atingiram fundo, percebendo que ela havia se esforçado outra vez.
— Kaleek, esqueci uns cobertores no Castiel. Pode correr lá rapidinho?
— Sério? Desde quando você esquece uma coisa tão importante dessas!? — Ele bufou após receber um sorriso como resposta.
Kaleek resmungou como um filhote, marchando a passos enfurecidos até a porta. O sapatos bateram com força no tapete da entrada, abrindo a porta novamente.
Sua mãe desejou boa sorte logo antes dele bater a porta, um pequeno tremor na casa fez o casal se olhar de frente novamente.
— Você tá piorando de novo, né?
— Eu testei alguns remédios, mas... Nenhum deles tá funcionando...
Ela desmontou uma frustração absurda nessas palavras. Uma coisa era depender de alguém outra era quando o próprio fracasso era experimentado na pele.
— Eu posso pegar outro empréstimo para os remédios, eu posso negociar com o Tod, e...
— Por favor, pare.
Ele pegou os dedos gelados e pálidos e começou a falar sem cessar. Seus olhos eram tão doloridos quando os dela, mas por causas diferentes.
— Não pagamos nem o que devemos a ele, e aquele homem... Ele me dá arrepios.
Tod era um comerciante bem suspeito, mas ele tinha algo que todos precisavam — dinheiro. Isso foi o suficiente para que todos na cidade começassem a pegar empréstimos, e isso não foi uma boa ideia.
Ela se aproximou ainda mais de seu marido, arregalando os olhos, tendo todo o ar que segurava expelido ao abaixar a face.
— Papai!
Ken finalmente voltou do banheiro, e lá encontrou seu pai em uma situação que deveriam forçar um sorriso. Contudo, Ken por ter cinco anos não percebeu essa carga no ambiente.
Logo pulou para abraçá-lo, abrindo os braços e agarrando as costas do pai. Ele que, se ajoelhou após Ken desgrudar de si.
— Como você está, Kenny?
— Estou bem, vai comer comigo hoje?
— Temos que esperar seu irmão antes querido...
Ken fez bico, inflando as bochechas.
— Ele sempre rouba o papai, eu quero ele só pra mim!
Com esse apontamento, Rigel não segurou o sorriso que desenhou no canto dos lábios, assim como sua esposa, que soltou pequenas risadas daquilo.
Ele acariciou os cabelos negros de Ken, que fechou os punhos na altura do peito, confirmando o que disse anteriormente.
— Tá certo, seu irmão é um chato mesmo, né?
— É, um chatão!
— Meninos ele chegou...
Um som veio da porta, a maçaneta se mexeu algumas vezes mas não foi empurrada. O que fez Rigel tecer a face, foi o cheiro esquisito que vinha debaixo da porta.
O ranger soou, abrindo lentamente enquanto algo era revelado por trás da porta. Tinha uma estátua baixa, o que realmente lembrava seu filho nesse quesito, mas utilizava roupas completamente pretas, e um pequeno brasão com símbolo de olho segurando o capuz.
Ao se revelar, a pessoa riu como uma criança. A voz estridente disparou uma risada alta e extremamente irritante para os ouvidos.
— Pra trás.
— Não é o maninho...
Aquela figura ergueu o rosto para Ken, com isso o capuz caiu para trás, revelando uma garota que sorria como um tubarão. Seu cabelos rosa eram trançados e encontrando-se na nuca.
O batom levemente rosa desenhava aquele sorriso bizarro. Enquanto observava todos ficarem atônitos com seus olhos escarlates, que brilhavam como se queimassem.
— Desculpe, um cheiro delicioso me trouxe para cá. Vocês estão comendo?
Rigel engoliu seco, aquela garota era forte, isso podia ter certeza. Assim como tinha certeza dela não ser humana.
— P-peixe... — Catarine espremeu a fala dos lábios finos e trêmulos, contudo a reação dela foi diferente do esperado.
— Peixe... É claro... — Ela abaixou o olhos, como se estivesse decepcionada.
Por reflexo a garota desviou do corte de espada que veio em alta velocidade. Rigel golpeou seu pescoço, mas foi previsto pera garota que se jogou para trás.
— Oh...
Com uma postura de ferro ele apontou a espada entre eles, sua esposa e filho atrás de si. Aquela entidade a sua frente sorriu como uma criança, agitando os braço como se acabara de arrumar um novo brinquedo.
— Estupendo! Você e incrível moço, demais, incrível e maravilhoso!
— Diga logo quem você é.
Ele franziu a testa alfinetando a garota com o olhar, quando a mesma parou de se debater em alegria, assumiu uma pose séria com as mãos trás das costas.
— Minya Cleyford, Emissária da deformidade.
Uma lenda local contava que pessoas do alto escalão da estrela negra, tinham esse título, eram comparados com deuses pelos poderes problemáticos que tinham. Filhos de uma estrela caída e esquecida pelo tempo, Emissários da estrela negra.
Seus pelos corporais arrepiaram-se em um instante, a figura a sua frente esticou o punho em direção a seu rosto, repelido pela espada longa que segurava.
— Fujam!
— Nem pensar!
Ele correu a seu encontro afim de abrir uma brecha para sua esposa e filho escapassem, porém, Minya saltou para bloquear o ataque de espada e então algo nela mudou.
Suas pernas que antes eram magras e fracas, cresceram e se tornaram fortes e robustas. Segurando uma adaga que guardava com si, arremessou na direção da mulher que corria com o filho.
A adaga atingiu o estômago de Catarine, que já não tinha forças para andar. Caiu, arrastando e derrubando coisas da prateleira enquanto a batalha continuava.
— Mãe!
Ken berrou pela mãe ao ser empalada viva, seu rosto pálido parecia ainda mais fraco. O suor descia na face e o sangue manchava a madeira abaixo de si.
— Se esconde, a mamãe vai ficar bem...
— Vem comigo!
Ele tentou puxar sua mãe para fora da casa, mas quase foi atingido por uma adaga bloqueada por uma cadeira que seu pai chutou em sua direção.
A batalha foi a custou de muito sangue e suor, Rigel defendia todos os golpes pesados e chutes da Emissária que apenas ria loucamente.
Seus olhos iam e vinham com os saltos nas paredes e teto, sempre protegendo os pontos vitais. Não conseguindo acertar golpe algum na garota que apenas brincava com ele.
— Uh!?
Ken foi tocado na testa pelas mãos ensanguentadas da mãe, e acabou desmaiando. O chamado toque de bela adormecida, era uma magia que colocava a pessoa para dormir sem qualquer chance de acordar em menos de uma hora.
A faca a cortava ainda mais fundo, enquanto perfurada e retirada com muito esforço. Ela soltou um gemido selvagem, e sem perder tempo levou Ken até o pequeno cômodo ao lado.
Manchou as paredes e o chão com o sangue, se arrastando para esconder seu filho em um canto deste cômodo escuro.
— Fique quietinho, seu pai vai resolver tudo...
Ela não aguentava mais fica de pé, sangue era drenado constante e os olhos pesavam. Seu corpo todo se arrepiou ao perceber que o barulho incessante, havia parado, dado ao lugar uma risada divertida.
— Oh, o moço não consegue mais segurar a arma...
Ela gargalhou após isso, o seu braço tinha sido cortado pela lâmina que já não mais existia. Tinha sido estilhaçada nesse último golpe, que custou apenas um dos braços.
Catarine se arrastou com o pouco que lhe restava, não escutando o que seu marido dizia em voz alta. As presas dele fincaram nos lábios que tremiam de medo.
— Será que o moço consegue aguentar o meu sangue!?
Ela pareceu genuinamente curiosa, não se importando com a mulher que escapou pela porta aberta. Contudo, ela começou a caminhar na direção do homem com o braço deslocado, segurando uma lâmina quebrada.
Seu instinto dizia que não deveria deixar ela toca-lo de forma alguma. Desde o início daquela batalha, evitava contatos físicos com aquela garota diabólica.
Mas, ele não pôde evitar esse, ela se moveu depressa e o toque que pensou vir da frente, tocou suas costas. O cheiro pútrido invadiu suas narinas, impregnando seu corpo. Logo, sua carne começou a se contorcer como se vermes rastejassem por dentro dele.
As costelas se expandiram, as penas e outros membros aumentaram sem qualquer aviso, causando uma dor insuportável ao ponto de não conseguir conter o grito de pavor.
— Aquela mulher correu... Mas ela está praticamente morta, devo ter apressado as coisas. Como sou bondosa, misericordiosa!
Ela se auto agradeceu e elogiou aquela ação cruel como se fosse pura misericórdia. Seus olhos se fecharam enquanto tocava o próprio peito, e então espiou o cômodo com rastros em vermelho.
— Acho que não foi tão inútil vir aqui. Talvez, eu deva deixar um deles vivo para mais tarde.
Em seus momentos finais, tendo o corpo deformado pela garota, não teve certeza de quem ela estava falando. Esse pensamento durou segundos antes de seu corpo perecer.
Um monstro se ergueu diante dela, a pele era desprovida de qualquer cor. Ao mesmo tempo que parecia desnutrido, era forte e musculoso da cintura para cima.
— Ei, qual o problema!?
A criatura virou as costas e começou a revirar e devorar os móveis, como um animal, seus dentes repletos de pedaços de madeira e do peixe sujo com poeira da batalha.
— Que bicho idiota, caramba.
Ela estapeou o próprio rosto, vendo a situação da sua nova criação. Estalou os dedos e suas pernas voltaram ao tamanho normal, antes de se despedir.
Aquela batalha acabou como começou, com um sorriso, e aquela garotinha saindo da casa deixando tudo destruído. Em pedaços, e o som de mastigação durou alguns segundos antes daquela mesma criatura sair em busca da próxima refeição.
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