Volume 1
Capítulo 20: laços rachados
Desde pequeno o jovem Kaleek praticava caça com seu pai, isso não necessariamente significava que era bom. Mas se esforçava para não ser uma decepção.
Mesmo com calos nas mãos de tanto balançar um pedaço de madeira, não deixava transparecer estar cansado ou sentindo dor. Mas como seu corpo não era tão desenvolvido, acabava fraquejando quando seu pai o cutucava.
Chegava ser cômico como seu pai tocava sua testa, que mesmo firmando as pernas caia com esse simples movimento.
— Levanta aí seu molenga!
Voltamos ao estado atual, na escuridão absoluta que engolia seu corpo. Novamente, se sentiu indefeso como da primeira vez que acordou naquele dia.
Ferro líquido escorria pela garganta, esse era o gosto do seu sangue. Um forte odor de ferrugem sendo vomitado aos montes pelo garoto que tossia sem parar.
— O que é isso... Tá doendo, tá doendo... — Ele sussurrou ainda jogado na neve.
Aquela dor percorria cantos inimagináveis, nunca pensou sentir dor em literalmente, todos os membros de seu corpo. Cada pedaço, cada fagulha de sua alma ardia como se fosse perfurado de dentro para fora.
Aquela sensação horrível era tensa demais para suportar, seus olhos pareciam afundar. Sem conseguir abrir, e nem mover as penas e braços.
Não tá mexendo, mexe! Porra...
Ao derramar as lágrimas, a sensação era de chorar sangue. Como se esfaquearem seus olhos várias vezes.
O som alto de “pi” ainda era presente, ofuscando o som da voz abafada. Parecia desesperado. Quando assim tocou o corpo enfermo, ele não resistiu a dor.
Cada vez mais a escuridão o engolia, como se flutuasse no escuro. Um local onde nem mesmo conseguia ver seu nariz, onde abrir os olhos era impossível.
Eu... Não posso ver nada, nem sentir... Meu braço, Ah merda...
Só de pensar nas lágrimas de seu irmão, fincava seu coração com uma adaga. Mais uma vez tendo falhado, com ele, com Ellen, seu pai e sua mãe, com todo mundo.
Cosmo ficaria irritado, realmente, ficaria ao ponto de bater nele. Como conseguiu perder duas vezes, mesmo despertando algo que não sabia como usar, um novo poder.
Ainda sim perdeu de forma miserável, e provavelmente seu irmão morreria por culpa dele. Por culpa de sua fraqueza, por que era inútil.
Aquele barulho infernal fazia ele querer arrancar seu tímpanos, era um som constante e irritante. Piorou ainda mais quando tentou se concentrar na pessoa que gritava fora de sua mente.
— Irmão!
Ken ao correr em direção a ele, agarrou o capuz e arrastou o corpo extremamente ferido de Kaleek. Um rastro de sangue foi feito — o braço ainda esguichava sangue. Os olhos em estado deplorável, com as pálpebras tingidas de preto como se tivessem sido arrancados.
Tod franziu a sobrancelha, exibindo um sorriso ensanguentado ao pisar descalço sobre a neve. Era como se não sentisse frio, e a cada passo a neve parecia ceder ao calor corporal.
— Espera, agente vai pagar! Não mata a agente por favor! Moço, por favor!
Enquanto gesticulava para Tod, que se aproximava segurando uma foice em formato de lua carmesim, Ken teve o tornozelo torcido ao tropeçar em uma pedra.
Seu corpo caiu sentado no chão, com vista para o olhar vil prestes a levantar a foice.
— Não, eu não vou parar.
Seus olhos perderam a cor ao sentir a lâmina que queimava como lava, olha-lo de volta. Seus pelos arrepiaram e dentes bateram em desespero.
A cena de seu crânio sendo perfurado pela lâmina passou por sua mente. Era uma visão horrenda para qualquer pessoa, imagina para ele.
Só que, algo o fez parar. Na verdade o mundo Inteiro parou. Como se a paleta de todo o mundo fosse um azul claro, e um frio que não o pressionava caiu sobre eles.
Era estranho, até mesmo os flocos que caiam, os pássaros que voavam eram congelados. Todos pararam de se mover inclusive ele, mas ele pareceu perfeitamente consciente diferente de Tod.
Ao pousar na sua frente, a raposa rosnou para o homem, e aquele filtro que englobava o mundo em um azul gélido se foi.
Quando finalmente desceu a lâmina fervendo, algo estagnou sua lâmina. Aquilo, percorreu seu braço em estantes, obrigando ele a tomar uma ação imediata antes que o braço fosse totalmente congelado.
— Ah, desgraça!
Deixando o braço decepado para trás, ele saltou, ganhando distância da raposa que afiou os olhos para ele.
— Es tu, tu que maltrataste a criança.
— Nem fudendo.
Com pelagem pálida como a própria neve, podendo até mesmo se camuflar, estava a pequena raposa cujo as caudas se remexiam sem parar.
Tod sorriu com um nervosismo que nunca pensou em expressar, o motivo era os olhos que brilhavam em azul divino. Não era para menos, aquela criatura era a personificação do divino gelo.
— Yaara...
— Criança cujo meu afeto é grande, fuja. Um dos problemáticos está aqui.
O azul divino se virou para ele, Ken sentiu um arrepio súbito na espinha. Quando assim abriu os olhos, um sorriso maquiavélico foi aberto, passando e saindo por trás das árvores, uma garota de cabelos rosa.
Balançou as lindas tranças, conectadas ao coro cabeludo em formato de “O”, enquanto vestia um manto preto com detalhes em vermelho sangue. Assim como Tod, que se virou para ela com certa supressa.
Ao torcer o pescoço, a fala saiu travada. Seu lábios se calaram quando a mesma que andava em sua direção, tocou suas costas nuas.
— Muito obrigado. Obrigadinha, você foi de mais. Agradeço e obrigado. Está liberado, pode ir.
Ela era apenas uma sombra nas lendas que Cosmo contava. Mas ali estava. Real. E muito pior do que qualquer história ou memória.
Aquela que fazia sua cabeça formigar, alguém que fez ele se arrepiar por completo. A voz, os cabelos chamativos e inconfundíveis.
— Minya, resto da estrela morta.
— O que!?...
Vendo que suas expectativas não foram atendidas, uma veia saltou no topo de sua testa. O que fez ele explodir em uma fúria cega, cuspindo ao berrar na cara da garota.
— O que!? Temos um acordo, senhorita! Você ia me deixar matar essa raposa maldita!
— Acha mesmo que consegue? Você é chato, barulhento.
— O que você quer dizer com isso!? Sua pirralha de merda, eu mesmo vou matar todos vocês! E...
O som de algo sendo rasgado interrompeu os gritos de indignação, a cena que apavorou Ken cobrindo os olhos. E fez até mesmo grande Yaara torcer o focinho.
Ao tocar o peito de Tod com as duas mãos, as unhas perfuraram, e ao mesmo tempo, ela abriu os braços. A força contida foi o suficiente para dividir Tod em partes. Sangue jorrou de forma ainda mais brutal que a presenciada por Ken, que urinou de medo.
Os pedaços caíram na neve e vinham a se tornar nutrientes para ela, que lambeu os dedos ensopados com o sangue como se quisesse provocar a raposa.
— Tu es uma criação do próprio vazio, deves ser eliminada por mãos que rivalizam com o seu poder.
Na verdade, era alguém superior.
— Rivalizam, sério!? Nossa você é tão fofa, posso te apertar depois de desmembrar parte de você!?
— Me desculpe, me enganei. Você e inferior até mesmo depois de se tornar alguém digno do arbítrio. É desprezível.
Aquela aura azul que rodeavam o ser divino, se expandiram como se um trovão atingisse o campo de batalha. Engolindo tudo ao redor com seu poder inimaginável, sem dúvidas era a deusa da glaciação.
Quando fitaram-lhe, seu estômago se revirou. Os olhos tensos e enjoo se foram, em um só movimento de rabo da raposa, uma luz tomou sua visão.
Aquela batalha não pôde ser presenciada por nenhum dos dois, ao esticar o braço, aquela que chamaria de sua salvadora desapareceu totalmente naquele clarão.
— Encontre, o crepúsculo.
Não entendeu de o que, ou de quem se tratava. Mas aquelas palavras nunca saíram de sua cabeça, aquele nome, entendia que deveria encontra-lo para ter respostas.
— Siga o destino, ele providenciará sua segunda chance.
As palavras saíram de sua boca sem ele nem mesmo perceber, ao ser engolido pelo clarão, uma céu azul que conhecia bem foi o que fez ele arregalar os olhos.
Flocos de neve caíram lentamente sobre seu rosto, ao se levantar a neve caiu de seus cabelos negros. Contudo, foi jogado de volta para realidade com força, quando assim viu seu irmão jogado ao seu lado.
Já havia perdido muito sangue, de alguma forma o ferimento foi fechado por um congelamento que ele mesmo havia feito. Mas cedo ou tarde, essa temperatura o levaria a morte.
Correndo de forma descontrolada, tendo o peso do corpo do seu irmão despejado em si, Ken suspirou várias vezes. O cansaço atingiu seu corpo rapidamente ao leva-lo, sonhando com um lugar quente o suficiente para salva-los.
Mas era impossível. Não conseguia encontrar um lugar assim nem se corresse por quilômetros, não seria capaz de encontrar um lugar seguro no inferno.
A floresta ao redor parecia esmagar com o peso dos olhares, desconhecidos, ameaçando sua vida e segurança. Apertou o passo ainda mais ao ouvir estalos, como se algo quebrasse os galhos ao pisar.
Algo que queria passar despercebido, falhou no momento em que começou a atropelar os próprios passos. Quando pisou em falso, desceu a ladeira rolando pela neve fofa.
O rosto já cansado e sem expressão bateu contra uma pedra. Um ferimento se abriu em sua testa, mas ele curiosamente não desmaiou ao bater de cara com uma árvore.
Mesmo desnorteado, Ken se esforçou para não ser levado ao chão com a visão turva. O alvo era o corpo de Kaleek que não se movia, ficando cada vez mais gelado a cada segundo.
— Eu não vou... Deixar você morrer...
No mesmo momento que aquelas palavras foram ditas, algo se pôs a sua frente e abraçou-lhe. O toque quente o tranquilizou na hora. Ele mesmo se perguntou quem era aquele sujeito que o abraçou tão de repente.
Aquele rosto sujo e machucado que mal conseguia abrir um dos olhos, perdeu a força e se entregou fechando os olhos.
A sensação quente continuou, mas foi como um piscar de olhos em sua mente. Na verdade passaram-se horas, ou até mesmo dias. Ele não sabia.
Só soube que estava seguro ao acordar em um local pouco laminado,a única fonte era uma formigueira bem ao seu lado.
Os estalos o fizeram lembrar de sua casa, de como Kaleek sempre chegava cansado, mais ainda sim arrumava forças para brincar com ele. Não pôde impedir o sorriso no canto dos lábios, e o reflexo em seus olhos que queimavam.
Ken não conseguiu assimilar o que sentia, mas o alívio foi o que dominou os sentimentos da criança conturbada. Como se ele mesmo manipulasse tudo para impedir que a dor chegasse até seu coração.
— Irmão...
Aquele que queria proteger estava a sua frente, envolto por ataduras e cristais mágicos ao redor do corpo. Seu rosto pareceu melhor, os olhos menos negros e a face limpa na medida do possível.
Ele apertou as mãos sobre os joelhos, aquele sentimento que estava guardado dentro de si estava aos poucos vazando pelos olhos e nariz.
Estavam bem, ele não sentia mais dor, e a expressão de Kaleek mostrava o mesmo. Finalmente pode suspirar fundo, sabendo que estava a salvo e o pior havia acabado.
Ainda remoeu suas perdas, incertas, no caso de Cosmo, Carlos e Kelmoth, certas no caso de Ellen... A que mais o atormentou, foram a perda da visão e braço esquerdo de seu irmão.
Por mais que não agonizasse no momento, era perceptível que aquilo doía muito. Não como seu peito, que palpitava forte causando até mesmo falta de ar, não era comparado a dor de seu irmão
As lágrimas pousaram em suas mãos, fincou as unhas na sua coxa que era protegida por uma calça um pouco rasgada nas barras.
Seu olhar se inundou, em um sentimento de solidão e desamparo. Queria seu irmão de volta, se sentia incompleto sem ele, não via um futuro se ele não acordasse.
Aquele maldito dia começou sem descanso para Ken, que até o fim segurou aquelas lágrimas. Assim como foi ensinado por seu pai, e reforçado por seu irmão.
O rosto desacordado foi observado por horas, Ken levantou cabeça ao perceber que não estava sozinho. Tirando ele totalmente daquele canto escuro, estava o homem que o acolheu junto a Kaleek.
Era um homem velho com uma barba bem feita e um bigode chamativo, além da grande espada que carregava na bainha, tinha olhos prateados que davam um contraste ao cabelo grisalho.
— Me desculpe, eu atrapalhei vocês...
—...
Ken não conseguia dizer nada, ele mesmo havia silenciado sua própria voz, temendo aquele homem desconhecido.
— Tá tudo bem, ele está bem. São irmãos né? Desculpa minha falta de educação, sou Eiji.
Aquele homem se apresentou como Eiji, dando uma cor nova de esperança em contraste ao prateado e tom verde de seu kimono.
Aquele dia que foi o verdadeiro inferno, escureceu. Junto disso o novo destino aguardava os dois irmãos que não parariam de lutar até o dia que ficariam em paz.
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