Volume 2

Capitulo 49: Grande Ato II

[Sábado 17 de setembro de 2412, 00:00 da noite]

Ciro Khan Al-Abadi.

 

Me movi mais rápido que meus pensamentos quando o cão avançou do teto para mim com a mandíbula aberta, em minha corrida para frente, senti o vento úmido junto ao som estrondoso dele atingindo o chão atrás de mim. Ainda movido pelos instintos dentro de mim, usei a água do chão para escorregar mais pra longe me impulsionando para um canteiro de flores próximo, o som de seus passos me seguindo pareciam batidas de tambor que engolia demais sons. Pulei para trás do murinho do canteiro deixando que a criatura passa-se por mim ao errar sua investida, ele pousou a metros usando as garras para evitar escorregar no chão. 

 

Que coisa é você? 

 

A forma de uma grande lupino era desproporcional, quase quatro metros sem contar sua cauda que adicionava mais dois metros ao seu tamanho, seu pelo negro eram como as proprias sombras e suas garras raspavam no chão com um som agudo. Suas quatros patas eram cobertas de escamas escuras e terminavam em garras cinzas, tinham dedos bem longos o que explica sua capacidade de ter se prendido ao teto, a cabeça era a pior parte com dois olhos nas posições normais, mas com um olho extra no meio da cabeça na reta do focinho, todos tinham um brilho amarelo intenso sem pupilas. A fera exalava uma energia que desconheço, seus lábios se retraíram para mostrar os dentes afiados em sua boca. 

 

— Rápido, parece que poderei me divertir com você. — Sua voz rouca parecia sair da própria atmosfera ao seu redor. 

 

Foco, se concentra, pouco importa o que é, apenas devo cumprir uma última tarefa…

 

Concentrando energia, a força potencial que cultivei nos últimos anos nesse corpo era extremamente menor do que no meu original, mas ainda assim eu podia compensar a falta de força com feitiços. Tentei conjurar o fogo dentro de mim para fora, mas além do ar úmido, eu podia sentir algo diferente no meu dom, na verdade, minha própria energia estava diferente do que era antes, tudo que consegui foi aumentar minha temperatura corporal fazendo minha energia fluir em meu sangue, aumentando minha pulsação. Tentei me mover apenas para ser parado por uma enorme pontada de dor em meu peito, sangue subiu pela garganta e desceu pelos cantos da minha boca. 

 

— Seu corpo enfadonho está no maior ápice que poderia alcançar, absorver a energia da outra entidade te “consertou” até certo ponto, mas a maior questão é que seu corpo está nas últimas após essa explosão de energia repentina… que tal só entrar na minha boca? — A criatura disse abrindo ainda mais a boca e esticando a língua. 

 

Observei como minha energia se movia dentro de mim, ele estava certo, os caminhos dentro do meu corpo para energia fluir junto ao sangue estavam aperfeiçoados, mas o fato disso ter acontecido tão rapidamente forçou demais minha carne. Meus músculos estão exauridos após serem esticados e remoldados pela súbita maré de energia da semente de Pólios, mas… eu ainda sou eu mesmo, essa dor eu posso suportar, como se cada célula do meu corpo estivesse sendo individualmente torturada. Forçando ainda mais energia do meu íntimo, fiz com que ela saísse por meus poros, mesmo que esteja diferente, ainda é minha energia, minhas mãos foram cobertas por fogo, a cor rosada contida abaixo de labaredas vermelhas como sangue que escurecia até ficar com pontas negras.

 

Mal tive tempo para pensar sobre a mudança em minhas chamas antes que o corpo da fera se tornasse um borrão escuro vindo em minha direção, movendo-me de lado, me coloquei ao lado de sua cabeça. Enquanto sua mandíbula se fechava onde eu antes estava, concentrei minha energia alimentando as chamas em minhas mãos, ajustando meu corpo no curto intervalo de tempo, girei colocando meu peso em um golpe com a palma aberta atingindo atingindo seu queixo, liberando a energia comprimida em uma maré de fogo profano que engoliu sua cabeça. Antes que pudesse tomar outra ação, fui forçado a saltar para trás quando uma de suas patas desceu sobre mim. 

 

Mais uma sequência de patadas caiu sobre mim, suas garras me alcançaram e mesmo que de raspão, as feridas abertas por elas eram profundas, usei seu tamanho a meu favor escorregando para de baixo de seu corpo e atingi-lo na barriga. Minha palma tocou os pelos escuros liberando outra maré de fogo, mas sua reação a isso foi usar a pata traseira para me agarrar, me batendo no chão antes de me jogar para longe, atravessei uma porta de vidro antes de bater contra parede dentro de um estabelecimento. A água parou de cair sobre mim, dentro do estabelecimento com inúmeras mesas bagunçadas ou em pedaços, uma linha de destruição que começava com a porta de vidro estilhaçada e terminava onde eu havia parado. 

 

Maldito cachorro. 

 

Inúmeras fraturas, a maioria dos meus ossos estavam fragilizados pela força que a criatura aplicou no arremesso, fragmentos de madeira e cacos de vidro estavam alojados em minha carne o que tornava cada pequeno movimento doloroso. Olhei ao redor, o que parecia ser um restaurante tinha a atmosfera úmida, mas não havia água caindo constantemente do teto como do lado de fora, isso me deu uma vantagem que aproveitei, aumentando minha temperatura e fazendo o calor fluir para minhas feridas cauterizando internamente as mutilações. Cansei de medir a dor e apenas a aceitei, divagando internamente sobre as minhas opções antes que outro esclarecimento caísse sobre mim, focando além com meus sentidos percebendo a presença familiar de antes. 

 

Ela está aqui. 

 

Pólios me designou como um de seus Arautos, seus mais fiéis e fortes servos, junto a mim haviam mais alguns, sinceramente, de todos, eu era o mais deslocado e isso era facilmente percebido. Antes de vim para ca, fui informado que um dos meus “Irmãos” estava vindo para me auxiliar na tarefa, provavelmente a pior deles que poderiam ter vindo é a que esta aqui, um arrepio percorreu minha coluna a o cogitar que tipo de tortura Pólios teria para mim caso eu seja capturado. Eu ainda tinha uma pequena esperança de que poderia sair dessa com vida e aproveitar ao menos alguns dias antes do colapso, mas a realidade tende a nos alcançar.  

 

Observei a fera com esperança, o fogo que cobria sua cabeça começou a ser sugado em direção a sua boca aberta, as chamas foram completamente engolidas com a criatura passando a língua pelos dentes e a gengiva, parecendo ter apreciado o gosto. Sua cabeça estava liberando fumaça, mas seus pelos  de sua face canina apenas tinham uma aparência chamuscada enquanto em sua barriga nem mesmo fumaça subia, seus olhos se fixaram em mim, a cor dourada emitindo um brilho amarelo faminto que penetrava minha alma. Comecei a aquecer meu corpo, está claro que uma batalha convencional é inútil, ele é mais forte, ágil, veloz e possui mais resistência… nunca pensei que precisaria usar isso. 

 

Liberação total. 

 

— Tudo se resume a auto satisfação, humanos buscam isso através de ações como: amor, drogas, sexo, lazer ou qualquer outra coisa que os faça ter essa sensação de bem estar consigo mesmo… eu posso entende-los, posso aprender com eles, mas sabe uma coisa que eu adoro nas futilidades da vida humana? — A Fera perguntou dando um passo de cada vez em direção ao estabelecimento.

 

— O que, Fera, o que você adora? — respondi. 

 

— O gosto da carne deles, o gosto suculento marinado com emoções dos arrogantes, covardes, auto confiantes, aqueles que possuem esperança de que suas vidas têm algum valor… minha refeição favorita, mesmo os humanos normais são marinados com essas emoções ao longo de suas vidas, então eu me pergunto. — Ele parou ao entrar no estabelecimento, seus olhos brilhando tanto que pareciam prestes a explodir em fogo dourado. — Que gosto delicioso sua alma milenar marinada com tantas emoções e experiências deve ter… aaaaaaaaaaaaaaah… eu preciso descobrir.  

 

Me levantei ignorando o medo que me corroía por dentro e o usando para alimentar o feitiço que se formava, a atmosfera estava mais seca do que lá fora ou mesmo mais quente do que deveria estar. Os estilhaços de madeira próximos entrarão em combustão com o peso da minha presença, o vidro espalhado pelo chão ao meu redor começou a derreter e os metais começaram a brilhar quanto mais calor eu gerava e emitia, meu corpo estava mais leve, as dores reduziram a um nível aceitável e pela primeira vez em muito, muito tempo… eu me senti bem. Eu sou o fogo, sempre fui, mesmo que as limitações da carne tornem esse meu último ato, poderei brilhar de forma pura e nobre, sem lampião, sem gaiola,  sem submissão a ninguém e nada. 

 

— Então venha, Fera… venha e tente. 

 

Centelha do Velho Vulcão Decadente. 

 

[00:13 da noite]

Marcelo Merial Dias. 

 

Movendo Ukri, interceptei os golpes de dois atacantes, ambos uniram forças em golpe que foi facilmente absorvido pela haste de Ukri e o peso do golpe conjunto nem mesmo foi o suficiente para me desequilibrar. Girei a haste da lança tirando o apoio que haviam colocado em seus armas, antes de qualquer outra ação, a cabeça do atacante que estava a direita foi atingida na lateral pela lâmina do machado de Armando, o homem com cabelo desgrenhado fixou seus olhos sem vida em mim com seu parceiro nem mesmo tendo tempo para reagir. Guiei a lâmina de Ukri de baixo para cima em direção ao pulso do atacante da esquerda separando sua mão armada do resto do corpo, sem deixar trégua, agarrei sua garganta, fechando meus dedos e o colocando de joelhos antes de quebrar seu pescoço. 

 

Menos seis, faltam três.

 

Olhei ao redor na atmosfera iluminada pelas luzes vermelhas, as gotas de água caindo sobre mim dos sprinklers como chuva, Armando se aproximou para reaver o machado e olhar a mesma visão que eu estava encarando. Hana havia terminado de finalizar mais um dos atacantes e estava a caminho de finalizar o próximo, inclinei minha cabeça para trás onde uma grande massa de energia estava crescendo, o lugar onde deixamos Ciro estava exalando energia o suficiente para ser sentida de onde estávamos em concentrações. Podia ver a excitação do meu Familiar crescendo mais a cada segundo, seus pensamentos distantes ficando mais bestiais. 

 

Ele sobreviveu, mas tem algo de errado na presença dele… fora isso, parece que alguém além de mim quer dar um fim nele. 

 

Observei a figura além de Hana que estava finalizando o último dos atacantes, a figura em questão exalava uma presença opressiva que fazia os pelos em meu corpo se arrepiarem junto a um aperto frio nas tripas. O corpo da pessoa ou ser estava coberto por uma armadura blindada, a anatomia e design de algumas partes da armadura me dizia que era uma mulher, mas nenhuma parte do seu corpo estava descoberta para provar a teoria, as placas de aço que a cobriam eram escuras e abaixo delas havia uma cota de malha prata junto a tecidos finos como seda que desciam ao redor da cintura cobrindo como uma saia até seus joelhos e se unido à frente da virilha em um X. Um manto do mesmo tecido incolor cobria seus ombros e desciam pelas costas, seu elmo era cheio de desenhos no metal com apenas dois furos para os olhos. 

 

Por que está apenas olhando?

 

Me aproximei de Hana ignorando os sons de destruição que vinham de onde Ciro e Moll, meu Familiar, estavam, ponderei os últimos acontecimentos desde a chegada dessas pessoas e percebi um detalhe inconveniente. Desde que chegaram, essa pessoa em específico era obviamente a líder, mas nunca se envolveu nas lutas nem mesmo para se aproveitar de brechas causadas pelos seus subordinados e nem para ajudá-los, fora isso, tem o detalhe de ela está com um homem ajoelhado sob seus pés. Meus olhos foram para o dito cujo encolhido sob os pés da figura blindada, sua única ação durante toda luta foi choramingar e esconder seu rosto com o capuz esfarrapado que tinha. 

 

— Pois bem, parece que o lixo foi limpo, agradeço por matá-los por mim, queria evitar me sujar com o sangue maculado dessas abominações… mas infelizmente terei que me sujar para matar esse aqui, ordens são ordens — disse a figura blindada se abaixando para pegar o homem ao seus pés pelo capuz. 

 

Que porra…

 

A visão da cabeça do último subordinado era nocauteante, sua cabeça tinha uma cavidade sangrenta na direita da testa, o furo tinha pequenos vermes escuros que se moviam de um lado a outro respingando sangue. Escutei Armando se forçando a engolir algo à minha esquerda enquanto Hana apenas estreitou os olhos e franziu o rosto em uma carranca, eu queria evitar olhar para feição mutilada do homem, mas havia algo que instigava minha memória em seu rosto retalhado, os olhos inteiramente vermelhos da coisa se fixaram nos meus e sua feição mudou de medo para ódio. A visão da ferida em sua testa expelindo sangue quanto mais os vermes se moviam no interior foi demais para continuar encarando, desviei a atenção para figura blindada. 

 

— O que você quer? — perguntei. 

 

— Você se lembra de mim?! LEMBRA-SE DE ARRUINAR MEU LINDO ROSTO SEU BASTARDO?! — O homem mutilado tentou se levantar, mas foi rapidamente contido quando a figura blindada segurou os poucos tufos de cabelo que ele tinha. 

 

Me dei ao trabalho de encará-lo apenas mais uma vez, de certa forma eu tinha certeza que eu conhecia essa pessoa, havia algo em sua voz e sotaque que me trazia lembranças de algum momento do passado… mas sinceramente, pouco importa. 

 

— Você é feio demais para encarar por muito tempo — movi meus olhos para sua superior antes de continuar — o que você quer aqui? São reforços para Ciro? 

 

O homem mutilado tentou falar, mas a figura blindada o impediu quando começou a mergulhar os dedos em seu crânio, a visão era perturbadora, porém, a curiosidade mórbida de ver até onde isso iria me impediu de desviar o olhar. A mulher começou a puxar a cabeça do homem após mergulhar seus dedos na ferida em sua testa com uma mão enquanto colocava a outra na boca do homem e puxava seu maxilar superior, o som dos ossos quebrando e ruídos do homem violou meus ouvidos antes de um estalo úmido suprimir todos os demais sons. Ela deixou a parte superior do crânio cair no chão, os olhos vermelhos perderam o brilho e os vermes em sua ferida na testa pararam de se mover. 

 

Caralho… 

 

O pescoço terminava no maxilar com os dentes e língua cobertos de sangue, era possível ver o osso da nuca com sangue espirrando das artérias antes que o corpo tombasse para o lado e começasse a espalhar sangue pela água no chão. Pensei que o show de horror havia terminado, mas a mulher ergueu o pé e o colocou sobre a parte arrancada do crânio antes de esmagá-lo com um pisão, miolos e vermes escuros se acumularam abaixo do seu pé, a visão foi demais até para mim, meu estômago estava tão embrulhado que me senti paralisado, as dúvidas que cresciam em minha cabeça eram muitas. Hana tinha uma cara mista de nojo e horror enquanto Armando parecia estar lutando contra o nojo, em meio a isso cutuquei minha testa apenas para assegurar que nada estava se mexendo ali. 

 

— Pois bem, o lixo foi retirado, é sempre desagradavel sujar as mãos de sangue, principalmente com o sangue de um servo do inferno, fede mais que o normal… — Ela abanou as mãos para se livrar dos pedaços de carne presos em suas manoplas. —  Bom, as apresentações, podem me chamar de Lady, Arauto de Pólios. 

 

Apenas encarei as duas cavidades escuras de seu elmo tentando visualizar seus olhos, ela deu alguns passos em nossa direção quando o som de destruição da luta de Moll se intensificou até chegar até nós como um estrondo. Vento quente soprou sobre meu rosto, mudando ligeiramente a temperatura, me movendo por instinto, guiei minha atenção para o Rio Fugaz utilizando a disciplina da Marionete para ampliar meu controle, me envolvendo na energia enfeitiçada, estiquei os fios em direção a Hana e Armando os envolvendo na mesma energia. Manipulando os caminhos com mais precisão graças a Marionete, criei três canais e mergulhei nos três ao mesmo tempo neles. 

 

As coisas estão fugindo do controle… onde ele está, merda?!

 

No meio do deslocamento pelos canais etéreos, sustentar o peso de Hana, Armando e o meu em três rotas diferentes ao mesmo tempo se provou ser exaustivo, os canais estavam à beira de um colapso quando decidi romper o meu para me concentrar em tirar Hana e Armando da zona de perigo. Desaguando na realidade de forma forçada, nem mesmo tive tempo para pensar quando o presságio apitou em minha mente enviando arrepios pelo corpo, coloquei Ukri a minha frente para defender a ameaça que se aproximava. Uma esfera coberta de espinhos atingiu a haste de Ukri, de relance vi uma corrente que ia da cabeça do mangual até Lady, que segurava seu cabo. 

 

Tsc…

 

Movendo a haste para direita redirecionando o peso do ataque, o chão úmido estava contra mim em primeira vista já que reduziu a aderência dos meus pés, forçando-me a equilibrar, mas usando a umidade a meu favor, consegui usar o peso de seu golpe para escorregar pra longe. A cabeça do mangual caiu no chão a dez metros de mim, uma corrente ainda maior levava a um cabo enfeitado com faixas de tecido branco nas mãos da Lady, ela soltou um escárnio puxando o braço para trás e a cabeça do mangual se desprendeu do chão levando alguns detritos consigo. Ela moveu a cabeça do mangual ao redor de si, as correntes criando um vórtice de água ao seu redor, mas antes de fazer qualquer coisa, um estrondo mais intenso soou.

 

O vento quente foi mais forte ao ponto de carregar vapor consigo, elevei minha defesa cravando Ukri no chão para me apoiar, após a primeira onda de calor, surgiu uma mais forte carregada com mais vapor que ardia na pele. Lady mal teve tempo para reagir quando uma onda de fogo vermelho foi em sua direção, junto ao fogo, quatro grandes acúmulos de areia negra cortaram a onda de fogo em três partes que ainda seguiram em direção a Lady, as quatro concentrações de areia negra pararam no ar antes de vir em minha direção e mergulhar nas sombras. Foquei minha atenção em Lady, as ramificações da onda de fogo a engoliram com ela assumindo uma posição de defesa. 

 

Minha atenção foi atraída para o dono das chamas vermelhas que escureciam até ficar com as pontas negras, o traço rosado abaixo do vermelho intenso como se fosse o núcleo do fogo. Eu sabia que Ciro ainda estava vivo e na verdade esse era meu plano, incapacita-lo e deixar que Moll o aprisiona-se em seu estômago para levá-lo selado, um gesto para compensar os anos de inatividade como Mensageiro, a verdade é que essa coisa havia deixado de ser importante para mim e eu sei bem que tipo de torturas Valdemir teria aplicado em Ciro caso eu o levasse para ele. As memórias de Moll inundaram minha mente com o que havia acontecido nos minutos de sua luta, o próprio estava saindo da sombra e consegui ouvir os passos apressados de Armando e Hana atrás de mim. 

 

Me foquei totalmente em Ciro, seu corpo transformando a água que caia sobre si em vapor, o calor que ele emanava distorcia a atmosfera ao seu redor como uma aura junto ao vapor que saia de sua pele. Sua aparência havia mudado de forma radical, chifres vermelhos saindo da lateral direita da sua cabeça como se fossem galhos retorcidos, as rachaduras ao redor dos olhos estavam mais grossas e seu sangue brilhava como brasa entre seus ferimentos, seus olhos em si estavam vibrando como a caldeira de um vulcão com veias se conectando a íris pela esclera negra brilhando como rachaduras em solo vulcânico. A bochecha direita tinha estava coberta de escamas vermelhas que desciam pelo pescoço para o peito e braço direito, com algumas sendo protuberantes como espinhos. 

 

O lado direito de suas roupas havia queimado até a cintura para mostrar seu tronco coberto por escamas vermelhas com seu sangue escaldante saindo entre algumas delas, seus braços nem mesmo pareciam humanos e espinhos retorcidos como seus chifres saiam do seu ombro direito. Ele estava segurando um cajado com a mão direita, em ambas as extremidades havia uma lâmina ondulada que brilhava estando fervendo por estar coberta de fogo, ele deu alguns passos à frente na mesma hora que Hana e Armando chegaram a mim. Seus olhos encontraram os meus, a raiva e confiança de antes haviam desaparecido e suas feições beiravam a… calma?

 

O fogo que cobria Lady se comprimiu antes que uma onda de energia saísse dela e dispersasse as chamas, meus mantos estavam chamuscados e algumas partes de sua armadura irradiavam brilho pelo calor. O rosto de Ciro azedou quando a mulher deixou sua posição defensiva para ajustar sua postura, o mangual em sua mão direita estava com uma corrente menor e também brilhava por causa do calor, fiz uma nota mental reparando que a corrente de sua arma parece ser enfeitiçada para esticar e encolher. Pedi mentalmentel para que Moll compartilhasse a memória da luta com Hana e Armando, o que ele fez sem esconder sua animação pelo que estava prestes a acontecer. 

 

— Ciro… tsc, tsc, tsc… a ambição sempre foi sua maior desgraça, morder a mão que te alimenta nunca será uma prova de força, já devia ter percebido isso… depois de tudo, é claro, você é inteligente… quando quer — Lady disse com deboche. — Vou te levar em partes para Pólios, sua criatura imunda.

 

Ciro sorriu e olhou para mim, a forma como ele parecia à vontade com minha presença me incomodou. 

 

— Eu nunca gostei de você, Marionete de Ferro, antes de morrer eu quero ao menos deixar uma cicatriz bem bonita no seu rosto, serei gentil, ao contrário da sua mãe, eu sei causar ferimento na medida certa e formar lindas cicatrizes… vai saber posso até consertar a desgraça que é seu rosto. — A feição debochada de Ciro mudou ao fixar os olhos em mim, o respeito que estava escrito em seu rosto enquanto me encarava era algo que deixava minha mente incomodada. — Vamos pôr um fim nisso, quero que nossa última luta seja triunfal… venha com tudo, Marcelo. 

 

O que… como?

 

Quanto mais a presença de Ciro crescia, mais eu notava que sua aura estava diferente e reconheci o que estava me incomodando, desde a luta no prédio de ensino ele exalava traços da energia do Vincent. Sua aura, agora, estava demonstrando mais traços da assinatura de Vincent em seu fogo, a energia exalando e ressoando comigo, fiquei atônito, preso mentalmente antes de recompor meus pensamentos e involuntariamente sorri, mesmo agora eu me pergunto que tipo de ideias mirabolantes que meu irmãozinho tem. O peso de nossas presenças fez com que o ar ficasse mais denso e a água que caia como chuva se reduziu a uma garoa, as luzes vermelhas começaram a piscar com o fogo de Ciro e a luz dourada dos olhos de Moll atrás de mim se encontrando. 

 

Vamos pôr fim nisso então.



Comentários