Volume 2

Capítulo 37: Rastro

[Segunda-feira, 12 de setembro de 2412, 01:33 da manhã]

Hana Atsuya

 

Rotacionando pelas ruas da cidade, mantive meus olhos atentos nas calçadas e por qualquer moto clássica que passasse por mim. Com a mão livre alcancei meu celular disquei o número de Marcelo pela milésima vez, a cada toque do telefone minha paciência se esvaiu, o telefone tocou até o final até cair na mensagem eletrônica para deixar recado, deixei o celular cair no painel parando em um sinaleiro fechado, minha cabeça latejava assistindo as pessoas atravessarem. Sempre soube que ele era problemático, desde de antes dele entrar no Lar Áureo, onde eu estava com a cabeça quando aceitei sair com ele? 

 

Maldito sentimento chamado amor.

 

Suspirei entrando em outra rua, me afastando do centro da cidade e seguindo pelas ruas de paralelepípedos, contando os postes de luz ricamente ornamentados para entreter minha mente. Glória está certa em dizer que ele é um adulto e pode tomar suas própria decisões, está certa em ficar irritada por ele ter saído do aniversário do único sobrinho que é filho do único irmão que ele diz amar tanto, eu fui tola em ter percebido isso apenas agora. Mas, no fundo, eu queria que ela me ajudasse a encontrá-lo. Por que eu passei a amar alguém assim? Essa pergunta me assombra mesmo sabendo a resposta. 

 

Eu vejo algo nele… só queria ter poder para puxar esse algo para fora de tantos conflitos. 

 

Preciso fazer ele se responsabilizar pelo que fez! Deixar o aniversário do Samuel, o sobrinho, para vir até essa cidade atrás de uma entidade como se ela fosse mais importante que Samuel, isso é canalhice. Meu aperto sobre o volante aumentou cada vez mais conforme deixava o sentimento de raiva aflorar, ruídos de papel desviaram minha atenção para o banco do passageiro, Armando tinha dificuldades em abrir a embalagem de um simples pirulito e fazendo mais barulho a cada tentativa. Agarrei o pirulito de sua mão e mordi a embalagem puxando depois para abri-la, joguei o pirulito e cuspi a embalagem nele. 

 

Irritante.

 

— Obrigado… então, onde falta agora? Passamos pelos bairros do norte, sul, sudoeste, nordeste, centro-oeste e muitos outros “estes” da cidade, do quarteirão 00 até o 99 e a cidade só tem 160 quarteirões, então faltam 61 quarteirões, sem contar os subúrbios, aí são mais 120 — Armando disse colocando a embalagem rasgada no bolso e o pirulito na boca. 

 

Olhei de canto para o rapaz, cabelo loiro trigo, olhos azuis e sardas junto a um rosto afiado e bem cuidado dava a ele uma bela aparência, porém sua confiança murchou com a minha encarada. 

 

— Tem alguma sugestão? Ou vai ficar com essa cara de bunda enquanto passamos pelo quarteirão número 100? 

 

Ele olhou para frente pensativo movendo o palito do pirulito de um lado para outro com os lábios, foquei novamente para a rua me permitindo pensar. O garoto foi recém abraçado pelo Lar Áureo e poderia usar a habilidade de sentir a herança de outros Áureos próximo a ele, porém infelizmente Marcelo é mais habilidoso e é capaz de se esconder, Glória conseguiria burlar isso com sua maior experiência e habilidades, mas Armando ainda é um recém abraçado. Peguei meu telefone com um pitada de esperança, clicando em um dos meus contatos, esperei chamar até ouvir a voz no outro lado da linha.

 

Ele deve ter chamado os Pombos ao menos uma única vez.

 

— Senhorita Atsuya, devo perguntar se o assunto em questão é novamente relacionado ao senhor Marcelo Merial Dias Aurora Áureo, estou certo? — perguntou a voz com barítono do outro lado da linha.

 

— É, vocês…

 

— Peço que você e seu parceiro venham ao ferro velho Alê Renovações, mandarei a localização, sua presença e opinião se tornaram necessários e apreciaríamos se chegasse o quanto antes. 

 

Parei o carro em frente a uma casa aleatória, o som da chuva contra o vidro e lataria se tornando mais distantes com minha mente começando a flutuar e minha barriga gelando.

 

— O que houve? — falei, após minutos de silêncio nos dois lados da linha. 

 

— Passe pela avenida principal, sua pergunta será respondida sem eu ter que usar uma única palavra… Boa Noite, Senhorita Atsuya, espero ansiosamente por sua presença e a de seu parceiro. — A voz se foi quando a ligação foi encerrada.

 

Armando estava inclinado para meu lado, o rosto pensativo e com dúvida clara nas feições me encarando, coloquei meu celular no painel e virei o carro na rua seguindo para a avenida principal, ignorando as perguntas de Armando. O presságio é um instinto e habilidade que qualquer Humano Singular possui, para alguns é suave como apenas um pressentimento, mas para mim e alguns outros, ele é afiado e nos permite deduzir, perceber e reagir contra muitas coisas que as pessoas comuns são incapazes. Eu estava tão absorvida tentando encontrar uma agulha no palheiro, que ignorei esse instinto para me concentrar na tarefa.

 

Maldito erro de principiante.

 

Acelerando entre as ruas paralelas, saí numa das pontas da avenida principal, o presságio agora brilhava forte como uma luz de alerta em minha mente e vi uma grande nuvem de fumaça contra o céu escuro na outra ponta distante da avenida. Como fui tão idiota? Pisei mais fundo até cobrir boa parte da distância, Armando colocou as mãos no painel e se aproximou do para-brisa para ver melhor a nuvem de fumaça que estava se dissipando no céu chuvoso da noite. Chegando até o ponto onde a polícia havia fechado a avenida, encostei o carro em frente a uma loja qualquer e sai. 

 

O que aconteceu aqui?!

 

As gotas de chuva caíram sobre mim, o ar gelado entrando por meu nariz e com ele o cheiro de queimado também era percebido. Passei pelos grupos de pessoas curiosas que se aglomeravam em frente as barricadas, mostrando meu distintivo para um dos policiais do outro lado de uma fita holográfica, eles liberaram minha passagem com Armando me seguindo, vi os bombeiros subindo pelos escombros de um posto de gasolina usando cachorros farejadores para tentar encontrar sobreviventes. O posto estava destruído, marcas do fogo comiam o chão e os escombros formando formas irregulares.

 

Ninguém sobreviveria nesses escombros…

 

Minha preocupação aumentava a cada segundo que eu observava o cenário destruído à minha frente, os bombeiros retiravam corpos totalmente irreconhecíveis dos escombros e tive medo de um deles ser Marcelo. Fogo em um posto de gasolina? Ele nunca faria isso, na verdade ele nem lutaria em um lugar público sem que fosse absolutamente necessário, então o que aconteceu aqui?



Observei atentamente, também sentindo a atmosfera, além do medo e tristeza que os aglomerados de pessoas liberavam como vestígio, também senti um forte Misma vindo dos escombros. 

 

— É a Belinda — Armando chamou minha atenção apontando para a moto do lado da varanda de um restaurante vazio do outro lado da rua em frente ao posto de gasolina.

 

Caminhei para lá o mais rápido que pude ignorando todo resto, chegando até a moto, olhei seus alforjes apenas para ver que tinha uma bolsa de primeiros socorros faltando e estava sem as chaves. Armando rodeou a moto e enfiou os dedos no escapamento, observei ele tirar uma pequena cápsula e abri-la fazendo uma expressão derrotada ao olhar dentro dela, pedi para ver e ele me entregou a cápsula com um papel enrolado dentro que estava em branco. Marcelo teria deixado uma mensagem aqui, ele faz isso, então por que agora foi diferente? Pensa… uma bolsa de kit faltando e esse posto de gasolina queimado querem me dizer algo. 

 

Mas o que?

 

— Pergunte aos garçons se eles viram o dono da moto entrar no banheiro do restaurante ou atravessar a rua, pode ser indiscreto, estamos com pressa.

 

Armando acenou com a cabeça indo para entrada no restaurante, fechei a cápsula a colocando de volta no escapamento, limpei meus dedos com a água que caia e me sentei em Belinda para pensar. Marcelo sempre foi prático, ele leva essas bolsas de kit para fechar feridas pequenas e voltar para o trabalho rápido, qualquer banheiro ou lugar remoto serviria e como o restaurante está mais perto, é o mais provável, exceto se o restaurante estivesse cheio, então ele iria para o banheiro mais próximo, o do posto. Encarei onde era a entrada do banheiro do posto, as luzes Led apagadas e, então, sinto uma coceira pelo presságio junto ao temor.

 

Por favor, tenha sido visto entrando no restaurante.

 

Armando voltou e balançou a cabeça negativamente e uma pontada me atingiu, atravessei a rua e passei pelos policiais para ir ao banheiro masculino do posto, Armando ligou sua lanterna para que eu pudesse verificar as cabines.



Passei por elas, abrindo cada uma com expectativa e abrindo os lixos delas, na última cabine da ponta que era próxima da saída, uma das bolsas de kit que Marcelo usava estava na lixeira. Uma pista, quer dizer que ele entrou aqui para se remendar e como está usada ele deve ter conseguido, mas e depois? Deixei a bolsa no lixo caminhando para me apoiar no balcão das pias, Armando começou a andar pelo banheiro, olhando para cima e dando passos longos. 

 

— Usaram radiância aqui, de uma forma forte, mesmo que já tenha se desfeito na atmosfera, eu consigo sentir que usaram… de algum jeito.

 

Ele apontou a lanterna para a única luminária que estava sem nenhuma rachadura no vidro, fechei meus olhos para ampliar meus sentidos, o ar estava limpo de qualquer energia, mas apenas dentro do banheiro. Meus sentidos me levaram até os escombros novamente, a assinatura de energia presa ao concreto e ferragens, apenas resquícios de um Miasma poderoso que me embrulhava o estômago, isso alimentou ainda mais minhas preocupações quando abri meus olhos novamente e vi Armando me encarando, preocupado. Podem estar atrás de Marcelo, podem já ter capturado ele, podem ter o ferido de novo… são tantas possibilidades possíveis.

 

E nenhuma delas me acalma.

 

Mesmo que Marcelo tenha se afastado dos mensageiros pelo seu estado mental, ele ainda pensa e age como um, isso faz parte dele. Quando somos aceitos pela ordem, eles nos ensinam a deixarmos rastros para nossos irmãos poderem nos encontrar, tudo que está nessa cena, desde os destroços até a bolsa do kit e a cápsula da moto em branco são uma mensagem do Marcelo para encontrarmos ele. Ainda assim, tem mais.



Com certeza tem e meu real medo é o que a próxima mensagem que Marcelo deixou vai me dizer. Olhei Armando, lembrando de uma das conversas que tive com Marcelo, ele disse que ele é grudento e sentimental, mas bom de briga. 

 

Ser sentimental e grudento deve ser o que fez esse garoto durar tanto tempo ao lado dele… para que preocupá-lo se ainda estamos no começo?

 

— Vamos ver o que os Pombos querem, talvez Marcelo esteja com eles ou vice-versa. — Ter esperança é tão difícil.

 

Saí do banheiro com Armando ao meu lado, seu rosto normalmente tranquilo estava fechado enquanto andávamos ao redor dos escombros, o sentimento ruim causado pelo Miasma me assombrando, mas, uma confusão maior chamou minha atenção. Uma mulher atrás de uma ambulância estava gritando para dois homens bem uniformizados, seus gritos podiam ser de alguém que estava tentando explicar algo que ninguém acreditava, mas o que me fez ir em direção a ela foi: “Um homem me salvou! Os olhos dele brilharam!”. Alcancei a ambulância e me coloquei entre os dois homens e a jovem, ela estava deitada em uma maca com uma máscara de oxigênio em seu rosto. 

 

— Como era esse homem? — perguntei. 

 

A jovem levantou as sobrancelhas e me encarou com estranheza antes de falar.

 

— Cabelo e barba pretos, olhos escuros e um sobretudo azul-marinho, ele colocou a mão frente do rosto e os anéis que ele tinha nos dedos começaram a fazer barulho e depois ele disse algo e em segundos o fogo só sumiu! Ele olhou pra mim, os olhos dele brilharam e ele foi embora! Ele não me deixou agradecer a ele! Você o conhece?!

 

Contive um sorriso, mas ainda era um pouco visível, me aproximei da garota tomando cuidado para evitar as queimaduras em seu pescoço, próximo ao seu ouvido, pensei no que falar antes de fazê-lo. Ela se acalmou com minha aura o suficiente para deixar os socorristas da ambulância se aproximarem, eles começaram a passar uma pomada em suas feridas expostas antes de cobri-las de forma rápida, jovem moça me olhou com dúvida antes de me permitir chegar mais próxima de seu ouvido. Uma memória me veio à mente, manter as pessoas calmas é um dom que me foi passado pela mãe que nunca conheci, essa mesma calmaria que me guia. 

 

— Ele vai receber seu agradecimento, mas você nunca mais poderá falar disso com ninguém ou vai ficar em perigo… Odle Zum Odrovy — cochichei tranquilamente me afastando e a empurrando suavemente para se deitar na maca.

 

Ela me olhou cansada, os paramédicos colocaram a maca na ambulância e ela acenou para mim, sorri acenando de volta antes que as portas da ambulância azul se fechassem e começasse a andar. As pessoas buscam uma forma de serem ouvidas, de receberem algum tipo de atenção, contar uma vitória ou grande acontecimento em suas vidas, cada ação tem sua mensagem e a mensagem dessa garota é uma das poucas que recebi de uma pessoa viva, por isso é uma das poucas que levarei feliz até quem precisa ouvi-la. Olhei para Armando atrás de mim, seu rosto mais tranquilo com um pequeno sorriso, comecei a caminhada antes que um presságio estragasse meu sentimento de calmaria. 

 

Os dois homens que estavam falando com a garota estavam olhando para mim, um deles prestes a colocar a mão no meu ombro se eu tivesse demorado mais para me virar quando o presságio se manifestou. Armando se aproximou ficando ao meu lado, mesmo que tenha o rosto de um “Princeso” como Marcelo dizia, seus quase dois metros de altura, corpo atlético com ombros largos dá a Armando a capacidade de amedrontar as pessoas quando ele fecha o rosto com a mesma carranca que Marcelo faz. Os dois homens eram agentes de alguma hierarquia governamental, normalmente para esses acontecimentos “inexplicáveis” eles aparecem para verificar.

 

Um deles era jovem, cabelo cortado no estilo militar e um rosto sem qualquer traço único além de uma cicatriz no lábio. Já o segundo tinha a feição de quem já viu muita coisa, suas bochechas chupadas para dentro e maxilar afiado realçava os olhos escuros com olheiras. O governo imperial costuma tentar ajudar no nosso trabalho, sabem que precisam de nós e por isso nunca se metem além do necessário, existe um preconceito por nossas capacidades na sociedade em si, obviamente nem todos são assim já que poucos sabem. Quem trabalha para o governo é alertado sobre nós, apenas o básico, daí que o preconceito surge. 

 

— Como posso ajudá-los? — Mantive meu tom neutro, mas com uma postura firme. 

 

O homem com as bochechas chupadas soltou um ruído limpando a garganta antes de falar.

 

— Detetive Imperial do SIB, a garota tinha informações que poderiam comprometer o sigilo do ocultismo e você simplesmente a deixou ir com apenas um breve aviso, o que acha que vai acontecer? Ela dirá a outros que um homem de olhos brilhantes a salvou de um incêndio, sabe que tipo de problemas isso pode causar? — Sua voz mansa era ao mesmo tempo afiada.

 

Sempre tentam controlar os danos.

 

— Uma única jovem, aparentemente foi a única que viu esse tal homem e a única que vai falar, no mínimo só os parentes dela que vão realmente acreditar na história, pare de enrolar, o que você quer? 

 

Uma pequena contração no canto do seu lábio formou um sorriso, essa expressão parecia ser algo totalmente anormal em seu rosto sombrio. 

 

— Esse tal homem, ele deixou 6 mortos para trás, um deles sendo o cadáver de uma criatura, por sorte conseguimos retirar o corpo antes que mais alguém visse… a Senhorita poderia me acompanhar até a cena em questão? — Ele se forçou a fazer uma reverência curta apontando em direção a uma rua atrás dos escombros do posto.

 

Merda.

 

— Estou com…

 

— Devo insistir, sua visão Singular seria muito bem-vinda nessa investigação, a criatura em questão é uma ameaça à segurança pública de alta classe. — Sua voz tinha um tom diferente, era quase um pedido de ajuda. 

 

Troquei olhares com Armando antes de suspirar. 

 

— Mostre o caminho… Senhor?

 

— Bruno, meu jovem parceiro pode ser chamado apenas de Z, você e seu parceiro são?

 

— Hana, ele é Armando. 

 

Ele se virou, acompanhado por seu parceiro. Armando se comunicou comigo com sinais de mão, perguntando o porquê estamos enrolando e entretendo agentes imperiais com Marcelo provavelmente em perigo por aí. Pensei um pouco para respondê-lo, mesmo que algumas pessoas sejam preconceituosas, nem todas são. Os imperiais são chatos? Muito, mas os realmente babacas são indivíduos únicos, trabalhamos da mesma forma e já ajudamos muitas vezes na reconstrução e proteção da sociedade, então esse pedido de ajuda discreto pode influenciar muita coisa. Armando ficou com uma expressão pensativa quando eu disse isso pela nossa linguagem de sinais. 

 

Observei com atenção os dois agentes, Bruno era alto e tinha um corpo esguio, seu cabelo longo era despenteado e caía sobre o rosto, seu sobretudo bege era diferente de seu parceiro que apenas vestia um terno preto. Passamos pelos escombros e pude ver mais corpos cremados estirados pela calçada.



Eles estavam sendo cobertos com panos brancos, já vi muitas coisas nojentas, mas observar pessoas gritando e pedindo para tirar foto de um cadáver realmente conseguia me enfurecer de um jeito especial. Nos afastando da frente do posto, na parte de trás ficava um pátio de caminhões, a polícia fechou a rua em questão dos dois lados da via. 

 

Segui o agente Z pelo pátio de caminhões, policiais passeavam com cachorros e havia Drones que passavam em rondas ao redor do pátio. Os dois agentes pararam em frente a um espaço entre os baús de carga de duas carretas, a visão mórbida de uma pequena chacina estava montada com corpos estirados pelo chão, sangue manchando as cargas da carreta e o chão de britas, a perícia recolheu suas coisas e se afastaram da cena para que nós quatro pudéssemos analisar, apenas uma mulher com jaleco ficou. Passei meus olhos pelos cadáveres, o padrão das manchas de sangue, ferimentos e a forma como os corpos estavam dispostos me dizia algo.

 

Mortos com uma arma branca… com exceção dessa.

 

A mulher com jaleco estava ajoelhada em frente a um corpo partido no meio pelo tórax, ignorei os órgãos expostos para observar quão perfeito e surreal era o corte capaz de dividir uma pessoa em duas. Ele usou a Fissão de Cetim, ele odeia ter que usar obras a menos que seja necessário, mas apenas quatro pessoas nunca conseguiriam colocar pressão suficiente no Marcelo para ele ter que usar uma obra… olhei para o agente Bruno percebendo que ele também estava admirando as grandes marcas de corte paralelas no baú da carreta. Os cortes foram disparados de maneira simplória, o corte mais grosso foi o que dividiu a mulher em duas, ele quis matá-la rápido. 

 

Sua forma de misericórdia, mas há coisas mais interessantes.

 

— Essa enorme mancha de sangue era onde estava a criatura? — Apontei para o chão iluminado pelos holofotes da perícia. Vermelho-escuro manchando a brita cinzenta molhada.

 

Bruno assentiu com sua atenção ainda no corte, seu parceiro se aproximou de mim com um Tablet pericial nas mãos para me mostrar a fotos tiradas antes da remoção do corpo. Um Cruciro, o sangue com cheiro forte já me fazia suspeitar que era um, os cortes estão para um lado e a mancha do sangue da criatura está no lado oposto, o que me vem à mente é que Marcelo foi preso ou encurralado pelo Cruciro devido a força natural da raça e a mulher tentou atacá-lo, também observei que a criatura estava sem um braço e com inúmeros cortes profundos pelo corpo, o mais profundo sendo na garganta. Cinco corpos até agora, ele disse que haviam seis. 

 

— Onde está o sexto corpo? — Armando perguntou por mim. 

 

Houve um silêncio profundo quando a mulher de jaleco se levantou. 

 

— Um corte perfeito, na diagonal, que foi capaz de cortar uma mulher de forma completamente limpa e depois até mesmo o baú de metal do baú de uma carreta e chegar até o chassi da mesma, mas você só se interessou pelo sexto corpo? — a mulher perguntou com incredulidade na voz enquanto se virava. 

 

Ela tinha olheiras negras abaixo de olhos castanhos e cabelo da mesma cor, um rosto cansado era incapaz de manter uma beleza jovial escondida, jaleco sem nenhuma mancha estava diferente das luvas com manchas de sangue. Dei uma pequena atenção extra para os cortes no baú da carreta, a energia residual do Marcelo estava lentamente se desfazendo na atmosfera, assim como eu, ele treinou para que a energia de seus ataques impedisse criaturas com capacidades regenerativas de fazê-lo, ou atrasa muito isso. Além disso, ataques baseados em energia são mais difíceis de lidar por alguém incapaz controlar energias, no geral, sem dons singulares. 

 

Falando nisso…

 

Aproximei-me de um dos cadáveres, o estômago estava de fora com um rasgo que ia do meio da barriga até a lateral do corpo, mantive meus olhos focados para pegar o que estava me incomodando.



Um amuleto?



No pescoço do homem com estômago de fora, um disco maior que uma moeda estava preso a uma tira de couro, os resquícios de energia do cadáver ficaram mais evidentes quando puxei e rompi a tira, me levantei curiosa para ver melhor as runas e sigilos do amuleto. Essa pessoa tem a mesma assinatura do Misma nos destroços… Não, na verdade, nem tem energia fie vestigial no corpo desse homem, e ele nem era um humano Singular.

 

Interessante.

 

Armando se abaixou ao lado do cadáver de uma mulher e colocou a mão em seu pescoço, puxando um amuleto também preso por uma tira de couro, revelando a mesma assinatura e nenhum vestígio de energia em seu corpo. Os amuletos podem ter muitas funções, tudo depende da obra que foi gravada nele, reconheço os sigilos e runas desses amuletos como sendo os usados pelos cultistas do obscuro, pelos padrões e o efeito de tentar suprimir a energia de quem toca nele, é um amuleto para omitir a presença. Pessoas normais têm uma presença fixa, eles são incapazes de usar o estado de omissão pela incapacidade de manusear energia, o amuleto faz isso por elas. 

 

Mantive minha atenção nos dois cadáveres sem amuleto com uma curiosidade passageira.



Quando as pessoas morrem, restam apenas vestígios de sua presença que, com o tempo, desaparece. Segurei o amuleto e o apertei até a madeira quebrar em minha mão, os vestígios de energia pós-morte de pessoas comuns é extremamente menor do que os de um Numen, esse amuleto era péssimo e invés de ocultar a presença já pequena do homem comum, ampliou com a energia do próprio feitiço. Os amuletos são vinculados, normalmente a um único dono, a presença do morto saiu dos cacos de madeira junto a uma versão mais fraca do Misma no posto. 

 

Foi vinculado a ele por um ritual fraco, realmente parece que apenas o Cruciro era uma ameaça.

 

Os Cruciros são uma raça com uma história estranha e um pouco difícil de entender, mas, evitando as muitas explicações complexas dos Arcanistas, eles são uma espécie de humanos. Um Cruciro é naturalmente mais forte, ágil, resistente e com muitas outras características superiores a nós, e, devido à aparência um tanto animalesca e deformada, vivem em bosques, florestas ou se escondem nos esgotos, se fossem apenas uma raça excluída pela aparência poderíamos ajudar, mas a verdade é mais profunda. Segundo os estudos dos Arcanistas, comer carne de seres com dons singulares os tornam mais fortes e nisso os humanos fazem parte do cardápio.

 

Predadores naturais.

 

Voltei minha atenção para o corpo de um homem magrelo, que também tinha um amuleto. Mas o a mulher partida ao meio não…



Os vestígios me mostravam que ela tinha um dom baixo. Essa seita está usando pessoas normais como munição e, ainda que esses amuletos sejam de péssima qualidade, o fato de três deles possuírem um objeto de ocultismo é preocupante de muitas maneiras, Bruno pareceu ter superado seu interesse nos cortes e olhou para o amuleto quebrado em minhas mãos com algum reconhecimento. Ele esticou a mão e eu lhe entreguei, mesmo quebrado, a energia do feitiço se desfazendo ainda deveria afetar a presença do agente, mas nada aconteceu.

 

Interessante.

 

— Me acompanhem até o sexto corpo. — Bruno entregou os cacos de madeira para a mulher de jaleco e começou a andar seguido por seu parceiro.

 

Eu e Armando nos entreolhamos e, então, seguimos os dois homens para a saída do pátio. Armando estava com uma feição astuta enquanto fazia sinais de mão discretos para mim. Nós dois vimos o olhar de Bruno ao ver os cacos do amuleto que quebrei, era um olhar de quem conhecia o que estava vendo, misturado com um ódio silencioso por ver de novo.



As seitas são um problema em diferentes níveis.



Sequestros, extorsão, assaltos, abusos, tráfico de humanos, assassinatos, a lista de coisas que as mais problemáticas fazem é muito longa e perturbadora para resumir em um único pensamento. Os detetives do governo às vezes precisam lidar com elas, principalmente por causa dos sequestros e assassinatos.

 

Saímos novamente na rua fechada e andamos para frente da entrada do pátio para encontrar outra equipe de perícia em frente à estação de correio. Um corpo estirado em frente confirmava o sexto cadáver. A perícia se afastou, mas continuou ao redor com claro interesse em qualquer uma das nossas ações, os holofotes iluminavam o cadáver de um homem vestido em um terno chique demais para ser membro de uma seita, a cabeça raspada tinha um buraco dando visão para seu cérebro, com tantas perfurações quanto buracos de verme na terra.



Passei meus olhos pelo cadáver, nenhum outro ferimento ou local sangrando, e encarei Bruno, que parecia estar muito longe em seus pensamentos. 

 

O ferimento na cabeça perfurou o crânio de forma irregular, os furos no cérebro e o próprio ferimento em si deixou muito pouco sangue sair. Para o tamanho e localização do ferimento, deveria haver um caminho maior de sangue manchando o chão abaixo da cabeça do cadáver e as linhas de escorrimento pela calçada também deveria ser maior, o sangue foi drenado em certo nível e as marcas irregulares no osso da abertura na cabeça se assemelha a dentes, o Cruciro fez uma “janta” antes de ir encontrar Marcelo. Me levantei olhando o prédio dos correios, uma câmera apontada para calçada, com certeza poderia ser acessada. 

 

Pensei um pouco mais. Coisas como: quem é esse homem e porque ele estava aqui a essa hora da madrugada? Suas roupas são chiques demais para um membro de seita e tinha um certo nível de energia pós-morte no corpo. Ele era, no mínimo, um médium ou apenas um humano sem muito dom…



A energia foi drenada quando o Cruciro se alimentou dele então seria idiotice dizer que esse nível baixo se deve a sua real condição, mas se o Cruciro apenas bebeu o sangue dele, significa que estavam com pressa, caso contrário, haveria partes faltando.



Levantei-me, minha cabeça pensando ativamente e mais nenhum detalhe se ressaltou na minha última análise. 

 

— Acho que precisamos conversar em particular. Dessa vez sou eu quem peço que nos sigam — falei, encarando os olhos de Bruno. 

 

Passei minha mão pelo meu cabelo ondulado que caiu à frente dos meus olhos, Bruno se virou e esperou que eu e Armando irmos antes de ele e seu parceiro começarem a nos seguir. Fazendo o caminho de volta para o posto e depois para meu carro, pedi discretamente com sinais a Armando por um tempo para colocar meus pensamentos em ordem.



O fato de Bruno ter insistido para eu revisar o que ele já tinha visto mostra duas possibilidades com uma possível terceira: ele queria que eu visse algo que ele deixou passar, ele queria confirmar o que tinha visto comigo vendo também ou ele simplesmente me fez perder tempo. Algumas coisas me esclareceram, então foi algo produtivo, na verdade. 

 

Passando pela multidão, vi uma família chorando em frente a um corpo queimado e meus olhos pesaram. Nunca gostei de passar por esses acúmulos de negatividade…



Evitei pensar nisso para focar em analisar a situação, na linha de eventos. Marcelo foi para o posto se costurar de alguma ferida, ele teve tempo de terminar já que a bolsa estava descartada com todos os itens de dentro organizados, então depois disso foi o possível ataque. Segundo o que escutei ao bisbilhotar as conversas das testemunhas, o fogo simplesmente começou do nada e apagou do nada. 

 

Avançando para fora do cruzamento, a linha de comércios onde deixei meu carro estava com suas calçadas relativamente vazias, com exceção das pessoas que iam e vinham do posto destruído. Encostei em meu carro, ainda embaixo da chuva com Armando ao meu lado e Bruno à minha frente, com seu parceiro; colocar fogo em um posto de gasolina para atacar uma única pessoa é algo que se parece mais com um tipo de descontrole ou raiva, é simplesmente inútil chamar tanta atenção para atacar um único alvo. As seitas são desprovidas de escrúpulos, mas sabem que se chamarem muita atenção vão se tornar o alvo principal da ordem e do próprio governo e isso vai levar a uma caçada.  

 

Foi um ataque emocional, sem nenhum valor tático, o fogo desse posto foi uma retaliação.

 

Deduzir isso parece presunçoso, mas faz sentido tendo em vista que as runas dos amuletos são de cultistas que eu, Marcelo e Armando já encontramos muitas vezes no passado. Tentar presumir o que levou a isso sem entender o que houve antes vai me fazer andar em círculos, preciso saber o porquê dele ser ferido e precisar se costurar no banheiro do posto, porque havia um homem com terno chique próximo ao posto e, com isso, eu terei mais possibilidades, se ele estava fugindo ou se foi uma espécie de armadilha que deu errado. Olhei para Bruno, a lembrança da sua feição clara em minha mente quando ele pegou os estilhaços do amuleto, ele sabe de algo. 

 

Quando lhe entreguei o amuleto quebrado, se ele fosse uma pessoa normal, sua presença que é basicamente uma frequência emitida pela alma deveria ter reduzido ou oscilado.



Tinha um antigo amigo da ordem, um grande contador de história. Ele me contou sobre um presente que a ordem deu a família imperial quando viu que eles queriam o melhor para a sociedade no continente. Dizem que o presente seria um amuleto que devia ser dado ao seus homens mais leais para se tornarem mais forte e resistente contra as ameaças do obscuro. Essa história é uma verdade.



Ninguém sabe o que foi dado, mas seria algo que apenas a família imperial possui o controle.

 

— Vocês são Sentinelas, se querem se passar por apenas detetives, teriam que fazer uma atuação melhor do que essa — falei, cruzando meus braços me recostando na porta do carro.

 

Armando deu uma leve levantada de sobrancelha, mas permaneceu em silêncio sem nenhum outro sinal de surpresa. Os sentinelas seriam soldados do governo que protegem e servem a família imperial contra as ameaças do obscuro, a ordem não serve à política ou político, nem líderes de cidades e nem mesmo a próprio família imperial, temos nossas hierarquias, mas todos nós respondemos ao que apenas se intitula de “Pai Abutre” ou apenas "Pai", esse presente fez com que a Ordem conseguisse vantagens nos passando como Agentes e isso facilita nosso trabalho. Já encontrei sentinelas com Marcelo, mas é difícil vê-los longe da família imperial.

 

— E vocês são Mensageiros, nem mesmo se esforçam para tentar esconder, entra para que me dar ao trabalho de tentar? E então, que mensagens você pegou de toda a cena como um todo? — Bruno falou de uma forma estranha, quase aliviado.

 

Muito interessante.

 

— O ataque foi resultado de alguma desavença, o fogo era mais poderoso do que a qualquer um dos mortos conseguiriam fazer com base em dois fatos: a energia no corpo deles era fraca e três deles nem tinham talentos singulares, nem eram anômalos para que consigam entender melhor, os outros três eram fracos de sua própria maneira.

 

Minha teoria do fogo ser algum tipo de retaliação é a que mais faz sentido para mim, aprendi a confiar nos meus instintos e é isso que eles me dizem. Bruno ficou em silêncio, seu parceiro parecia incomodado olhando para o chão com irritação nas feições, seus olhos subiram para mim e eu já esperava o que ele queria dizer pelo sinais sutis de nojo em sua expressão, apenas o som da chuva, carros e pessoas passando, um pouco distante o som das sirenes de ambulâncias e viatura eram audíveis, mas nós quatro estávamos em silêncio. Minha mente usou o silêncio para especular o que os Pombos queriam, com minha ansiedade em seguir em frente começando a misturar com irritação.

 

— Era apenas isso que precisávamos, obrigado pela sua atenção, uma boa noite para Senhorita e seu parceiro. — Bruno disse de repente colocando as mãos nas costas e se virando.

 

Seu parceiro deixou sua carranca aparecer.

 

— A aberração sabe mais! Precisamos faz…

 

O som de um estalo úmido correu pelo ar, meu nariz adiado captou o cheiro de sangue quando os dentes do parceiro de Bruno voaram de sua boca. Z estava cambaleando, lutando para se manter de pé enquanto segurava o próprio queixo, sangue fluía de sua boca aberta e descia por seu queixo para pingar no chão ou escorrer por seu pescoço.



Bruno colocou a mão junto à outra atrás de suas costas e seu parceiro começou a caminhar para ficar a frente dele. O sentinela mais velho se inclinou para trás, seu olhar naturalmente sombrio estava mais frio ao colocar os olhos em mim. 

 

— Sinto muito pelo desagradável comentário do meu jovem aprendiz, às vezes… os cachorros se esquecem quem segura a coleira, boa noite novamente. 

 

Meus instintos me diziam para atacar, meus músculos se contraíram e já estava acessado o adorno do Esmero inconscientemente para avançar. Segurei essa vontade permitindo que ambos continuassem livres, mesmo que meu instinto esteja certo sobre eles, começar brigar em um local público e com muita movimentação como agora pode resultar em civis feridos, fora que a falta de informação se eles possuem algum conhecimento profundo do esotérico é uma espada de dois gumes. Por isso, contive-me, permanecendo em alerta enquanto perfurava ambos com meus olhos.

 

O homem saiu andando com seu parceiro cambaleando atrás dele, eles se misturaram a um grupo de pessoas que desapareceu na pequena multidão de pessoas no cruzamento. Olhei brevemente para Armando, me lembrando do momento quando os seguimos em que sinalizei para que ele nunca falasse nada, abri a porta do carro, dando tapas no meu sobretudo para tirar o excesso de alguma antes de entrar, Armando entrou depois de fazer o mesmo e ambos ficamos em silêncio por alguns minutos. Meu instinto nunca mente, esses dois estão longe demais da família imperial… não são sentinelas, mas queriam se passar como tal. 

 

Como já disse, já encontrei Sentinelas com Marcelo e Armando mais de uma vez, aprendi bem como eles se portam, agem e os erros na atuação eram gritantes. Quando sentinelas nos identificam, eles nunca mentem sua hierarquia ou tentam se passar por outra hierarquia, quando estamos em uma cena de instigação, eles fazem o mínimo esperado de um par extra de olhos invés de ficarem em silêncio, eles tem um tipo único de presença e por fim… um sentinela recita nosso mantra quando nos encontramos. Há muitas outras coisas, como o comportamento esquisito de “Bruno”, tiques, sons, seu parceiro olhando com nojo para mim e Armando quando pensava que estávamos distraídos. 

 

Muita coragem tentar se passar como sentinelas, só perde para burrice.

 

— Falar que eles eram Sentinelas deve tê-los distraído, mas acho que já perceberam que notamos algo, tem alguma coisa estranha acontecendo aqui… um desses caras parecia mais competente, o "Bruno". 

 

Concordei com a cabeça, liguei o carro dando ré pela calçada de paralelepípedos até sair na avenida, deixei minha mente processando cada pequeno acontecimento e informações que coletei. A seita dos “Eternos” foi nosso maior problema nos últimos anos, as runas e sigilos junto a presença do miasma era correspondente a entidade que eles adoravam, Marcelo ainda é a prioridade, a única questão é: por quanto tempo? Esses dois homens devem ter mentido mais do que sobre as identidades, suas presenças eram baixas demais para captar algo de diferente… uma maior questão sobre eles é o que vão fazer com as poucas coisas que eu disse.

 

Preciso de mais informações

 

Seguindo a avenida, liguei o rádio e fiquei passando de estação em estação, buscando por qualquer outro tipo de chamado de emergência. Nada além das notícias sobre o posto apareciam na rádio. Segui o endereço enviado ao meu celular, mergulhando em uma parte humilde da cidade, Glória uma vez me disse que os eventos são intensificado com o auxílio de uma força externa, pensei momentaneamente que, quando Marcelo veio para cá, isso talvez tenha ocorrido com as coisas que estavam acontecendo aqui. Apertei mais o volante, a vontade de encontrá-lo e proteger aumentando a intensidade da minha herança. 

 

Eu vou te achar, maldito idiota!

 





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