Volume 2
Capítulo 22: O desabamento de uma Barragem
[Sábado, 10 de Setembro de 2412, 08:10 da manhã]
Minha mãe ajeitou a postura e tirou uma moeda do bolso enquanto seu rosto era uma máscara de concentração, ela jogou a moeda no chão aos pés da estante onde a TV estava. No silêncio, ela colocou a mão um pouco à frente do corpo e encarou a moeda. Observei a moeda começar a se mexer sozinha e, num piscar de olhos, a moeda voou para a palma da minha mãe.
Ela girou a moeda nos dedos e se virou para sorrir para mim. O silêncio foi cortado pelas palmas lentas e elogios em tom sarcástico que meu Tio começou a fazer. Minha mãe revirou os olhos e colocou moeda na minha mão, ergui a cabeça para encontrar seus olhos caramelos cheios de expectativa. Houve silêncio antes que minha mãe começasse a explicar como fazer o truque.
— A energia Sine não pode deixar nossos corpos em seu estado puro, então diluímos ela em energia Fie, assim podemos controlar energia Fie fora do nosso corpo com comandos simples ou complexos… Primeiro, extraia energia Fie do relógio, será tão natural quanto respirar, depois dilua energia Sine na Fie.
Segurei mais firmemente o relógio na mão esquerda e comecei a movimentar Sine no meu fluxo em direção ao relógio, assim como minha mãe disse. Quando meu fluxo entrou em contato com o relógio, a energia Fie começou a sair. O fio de energia saindo se misturou à minha, quando parei de tirar Fie, já havia uma pequena aura que era invisível aos olhos das pessoas comuns. Eu podia controlar essa massa de flocos e parecia uma sensação semelhante a brincar com uma masinha de modelar. Fui absorvido pela facilidade e pela sensação que isso trazia, juntei minhas mãos em uma concha e movimentamos a pequena aura entre elas.
É divertido.
Não havia uma forma real, mas a pequena aura criava uma distorção como uma névoa incolor feita de flocos entre minhas mãos. Ela reagia aos meus pensamentos mínimos e vontades, quando pensava em uma bola, a névoa se arredondava para formar uma bola imperfeita e se remexia quando eu sentia picos de felicidade. Olhei para minha mãe, que tinha um brilho único nos olhos, reparei que meu avô se aproximou para observar e meu tio e ele me observavam da mesma forma estranha com sorrisos fraternos.
A vergonha me fez perder a concentração em manter a energia Fie naquela forma. Minha mãe me puxou em um abraço, ainda com seu sorriso no rosto.
— Meu neném é tímido. — Ela dizia enquanto dava um beijo na minha bochecha.
— Para, mãe…
Quando minha mãe me largou, ela ajeitou a postura novamente e armou um sorriso enquanto falava.
— Agora que você sabe tirar energia e diluir, basta dar um comando a ela, Sine é uma extensão direta da sua vontade, uma parte de você, e com ela diluída em Fie, coloca a energia Fie sobre sua aura a mercê da sua vontade… Impregne a moeda com sua energia, lembra de quando a mamãe te disse isso?
Assenti com a cabeça enquanto voltava meu foco ao relógio, retirando uma quantidade um pouco maior de energia Fie e a diluindo na minha aura. Lembrei-me de palavras de um mês atrás, quando perguntei à minha mãe qual era a diferença entre impregnar e cobrir algo com energia. Me custou algum tempo e esforço para convencê-la, mas no final descobri o que era, então missão cumprida!
A que custo… foram tantos favores exigidos depois.
Cobrir algo com energia era algo que eu já imaginava, mas queria ter certeza, já que existem muitos termos estranhos no paranormal. Criar uma aura ao redor de algo é cobri-lo ou expandir a nossa aura, isso é simples já que visa apenas ter o objeto ou pessoa dentro da nossa aura de domínio. Impregnar algo com energia é mais complicado por ter que fazer a energia penetrar na estrutura daquilo, sendo basicamente, eu colocando minha energia dentro da estrutura física da moeda.
Comecei a movimentar a aura de energia Fie na palma da minha mão direita, a moeda estava coberta pela nuvem incolor, estando sobre minha aura. Aos poucos, comecei a cutucar a estrutura da moeda, fazendo lentamente a energia entrar no corpo sólido sem muitas resistências. Levou minutos, mas após algumas tentativas descobri que minha energia, mesmo quando diluída na Fie, era fácil de ser deixada mais fina e acabava entrando na estrutura com menos resistência por causa disso.
Olhei para minha mãe, que estava com seu olhar brilhoso grudado no meu rosto ao invés de na moeda como meu tio e avô. Ela acariciou minha cabeça e se aproximou um pouco mais de mim para ter sua mão ao meu redor. Ela finalmente olhou para a moeda com um olhar que ela fazia quando me dava aulas.
— Agora jogue ela, um pouco longe e um pouco perto ao mesmo tempo — ela falou com um tom bobo.
Um riso me escapou ao ver seu rosto em uma feição confusa com a própria fala. Balancei o braço direito com pouca força e, com minha palma aberta, a moeda voou para perto da estante da TV, ficando a duas pernas da beira do sofá onde estávamos. Notei que de certa forma eu sentia a energia da moeda e um caminho até ela, como se fosse um fio de barbante que me leva até a outra ponta amarrada na… moeda.
Minha mãe deve ter percebido algo estranho no meu rosto enquanto encarava a moeda.
— Então, você já percebeu? O fio de energia que te conecta à energia na moeda impregnada? Isso é chamado de corrente de comando, a energia dentro da moeda é sua e, a menos que deixe de ser, o fio de energia vai se formar para te ligar a ela… dependendo da distância. — Ela parecia estar imaginando muitas coisas enquanto explicava. — Por fim, de uma ordem simples ao núcleo de energia que está afastada, a corrente carregará sua vontade até ela e o núcleo de energia diluída dentro da moeda acatará, portanto, que seja simples, ele poderá realizá-lo sem ter que explicar como ele deve realizá-lo, a quantidade de energia depositada será capaz de cumprir.
— E se for complexo? E se eu comandar que ela flutue?
— Então precisará de mais energia e mostrar a ela como fazer isso da forma que você quer que seja feita. Fie é neutra em seu estado natural, porém aprende rápido, a corrente de comando transfere não só sua vontade, mas também comando e conhecimento... Se você ordenar que a moeda flutue, precisa enviar energia constantemente para mantê-la flutuando e isso já envia o conhecimento para, através da conexão, manter o núcleo externo alimentado… A energia ignora regras da física e algumas outras do mundo, mas ela tem sua própria lógica e limitações de funcionamento, lembre-se disso, Sammy — Tio Marcelo falou e minha mãe acenou com a cabeça.
Própria lógica, hm.
Minha atenção foi para o fio que me conectava com a moeda, minha atenção a ele fez com que ficasse mais claro para mim. Com o fluxo, comecei a colocar um pouco de energia Sine nele e isso parecia fortalecer a minha conexão com o núcleo de energia dentro da moeda. Pensei no que minha mãe disse, formei um comando simples para que a moeda retornasse para mim e a enviei através do Sine na corrente de comando.
A moeda se mexeu levemente, mas parou quando se moveu menos que o tamanho de uma mão. Simples… pera, é a energia que eu quero que retorne e ela não sabe o que é uma moeda ou que está em uma, será que… Formei meu pensamento de novo, mas dessa vez tirei a parte da moeda e apenas ordenei que ela retornasse para mim e enviei o comando através da Sine na corrente de comando.
Dessa vez, a moeda saltitou algumas vezes antes de voar em minha direção, por reflexo a peguei antes que caísse sobre meu colo. Então, é apenas a energia que acata a ordem, onde ela está apenas se movendo por efeito colateral dela, cumprindo minha vontade. Olhei para minha mãe e lhe mostrei a moeda. Ela bagunçou meu cabelo enquanto beijava minha bochecha.
— Eu posso fazer o contrário de mandá-la se aproximar de mim? É a mesma ideia, né?
— Tente — Minha mãe respondeu sorrindo.
Sorri enquanto segurava firme a moeda na palma da mão e formava o comando para que ela se afastasse de mim. Era um pouco difícil colocar a ordem na moeda sem a corrente de comando, mas após algum remexendo meu fluxo, eu aprendi a fazer isso sem o caminho direto que a corrente proporcional. Era como se fosse uma pequena parte de minha aura, só que fora do meu corpo e dentro de uma moeda. Entendendo isso, colocar a vontade no núcleo de energia dentro da moeda foi fácil.
A moeda não saltitou como da primeira vez, dessa vez ela apenas pulou da minha palma e foi parar perto de uma janela da sala. Meu vô assobiou enquanto meu tipo se levantou para ir em direção à moeda. Minha atenção ficou dividida em entender o que meu tio foi fazer e ouvir minha mãe que estava falando algo. Meu tio parou ao lado da moeda e pisou nela com os dois pés, ele olhou para mim com um rosto bobo e minha mãe suspirou.
— Mande-a voltar agora, Sam — Tio Marcel disse com uma expressão estranha.
Olhei para minha mãe, que apenas deu de ombros, e meu avô fez o mesmo. Me concentrei na corrente de comando que estava formada entre mim e a moeda e a fortaleci com minha Sine antes de tudo, formei o comando em minha mente e a enviei através da corrente. A moeda nem mesmo se moveu, formei novamente o comando e o enviei com uma maior intensidade.
— Venha — comandei, esticando minha mão em direção à moeda.
A resposta veio da forma que menos esperei, meu corpo começou a ser atraído em direção à moeda, a corrente tencionou e me puxou para fora do sofá. Fui puxado pela força invisível e rolei no chão até parar nos pés do meu tio, sua feição estranha se quebrou quando ele caiu na gargalhada. Olhei de relance para minha mãe e meu avô rindo também enquanto me sentava no chão tentando compreender o que havia dado errado no comando ou por que isso aconteceu.
Minha mãe se levantou do sofá e caminhou em minha direção, contendo pequenas risadas. Ela parou na minha frente e me ofereceu a mão para me ajudar a levantar. Antes de aceitá-la, peguei a moeda do chão e depois aceitei sua ajuda para me levantar. Ela seu braço ao meu redor enquanto parava suas curtas risadas, deixei meu bico descontente se formar enquanto a encarava com o olho bom.
— Vamos para a biblioteca? Vou te ensinar mais sobre a Réquia e o que aconteceu agora. — Ela parou seu riso e sua expressão voltou a seu estado relaxado de sempre.
Concordei com a cabeça enquanto andava ao seu lado, ao passar por meu avô, ele acariciou meu cabelo com um sorriso antes de se virar para o piano. Entrando no hall de entrada após sair da sala, vi meu tio ainda soltando curtas risadas enquanto saia da casa. Seguimos em direção ao lado direito do hall onde ficava a escada para o segundo andar. No canto, um pouco afastado dos pés da escada, havia a porta que dava à biblioteca.
Minha mãe abriu a porta para revelar várias prateleiras de madeira escura guardando mais livros do que sou capaz de contar. Andamos entre as prateleiras para chegar ao meio da biblioteca, uma mesa grande rodeada de cadeiras jazidas no espaço livre rodeado pelas prateleiras. Olhando para cima, havia a entrada e o segundo andar da biblioteca que tinha no segundo andar e algumas outras prateleiras na varanda de cima.
Olhando para a frente da mesa, havia o lugar que eu mais queria acessar. A área protegida com uma grade de metal e uma porta de ferro, a parte proibida da biblioteca, era o lugar onde meu avô guardava os livros com informações mais avançadas sobre o oculto. Tateei meu bolso para sentir a chave que ele havia me dado. Sentei-me na cadeira da mesa de centro, olhando para a minha direita, havia as janelas com as cortinas fechadas, deixando entrar um pouco da luz do sol da manhã.
Minha mãe rodeou a mesa para ficar à minha frente, ela se sentou de frente para mim e colocou um livro grosso sobre a mesa. Ela parecia distraída em pensamento, mas ao invés desse silêncio me trazer uma sensação de espera ou apenas reconhecer o silêncio, fui puxado para um limbo de conspirações que estava tentando evitar. Será que Minstra já falou com ela? Será que ela vai falar comigo sobre isso?
Devo ter deixado transparecer o peso de ideias e preocupações se formando, seus olhos caramelos pareciam se divertir com isso. Notei meus dedos inquietos e abaixei a cabeça para evitar seus olhos. Busquei a coragem que havia surgido em mim no centro espiritual para falar com ela, mas o sentimento motivador também parecia estar acanhado. Respire… você consegue, uma palavra de cada vez.
— Você quer… falar sobre a Minstra? — Sua voz atrapalhou minhas ideias de conversa.
Coloquei minhas mãos sobre a mesa, pensando qual das dúvidas era mais urgente para sanar.
— A senhora… pediu para ela me observar?
Escutei sua risada, relaxada e curta.
— É um pouco mais profundo do que apenas te vigiar, mas vou estar mentindo se disser que isso não é um dos principais focos… Eu.. só quero sentir que você está sempre protegido, eu… — Sua voz, sempre composta, falhou em continuar.
Ergui minha cabeça para vê-la, os olhos pareciam buscar as palavras e quase podia sentir sua pressa em achá-las. Suspirei pelo nariz enquanto organizava os pensamentos recém nascidos. É a primeira vez que ela parece disposta a falar sobre essa parte das nossas vidas. Eu quero saber por que a tantas sombras sobre mim e ela tem as respostas. Mordi meu lábio interno, as palavras sendo montadas como um quebra-cabeça verbal em minha mente.
— Por que… por que parece que eu sou diferente? Parece sempre que há um porém quando se trata de mim, seja quando se trata do paranormal e até mesmo quando eu pergunto sobre coisas do passado… tem algo de errado comigo? — Quando falei, seus olhos vieram em minha direção tão rápido que conseguiram atrapalhar minha visão.
Minha mãe se levantou da cadeira para dar a volta na mesa e se sentar ao meu lado, sua boca se abria e fechava repetidas vezes, mas parecia travar quando queria falar. Um peso surgiu em meus olhos, mesmo o olho debaixo da venda estava ficando úmido, mantive o peso sob controle para que a conversa não fosse interrompida antes da hora. Seus olhos se fecharam por alguns segundos antes de se abrirem, havia mais do que lágrimas contidas neles.
— Não tem nada de errado com você, Sammy… mas você também não é como todos os outros, entre os anormais existem pessoas com capacidades diferentes. Você é especial para mim não só porque é meu filho, meu raio de luz nesse mundo doloroso, mas também porque sempre que olho para você, lembro quanta sorte eu tenho de ter conhecido seu pai e de ter você…
— Não há nada de errado com você, mas você terá que aceitar que é diferente dos diferentes e é por isso que eu preciso deixá-lo forte, para que, sempre que o mundo te quebrar, você volte mais forte e resistente do que antes, sem atalhos, sem barganhas, apenas você e sua força para proteger tudo aquilo que você se importa e que se importa com você… Todos nós somos quebrados, Sammy, mas você completa o que o mundo me tirou e o que eu nunca tive… você é o tesouro mais precioso de toda minha vida. — Sua mão tocou minha bochecha, lágrimas escorriam por seus olhos e pude sentir lágrimas descendo por meu olho bom.
Ela passou seus braços ao meu para um abraço enquanto eu deixava meu rosto afundar em seu ombro. Mais lágrimas desceram meu olho esquerdo e a venda ficava úmida pelas lágrimas saídas do meu olho direito. Suas palavras se repetiram na minha cabeça. Ficamos em silêncio, pequenos soluços saíam de nosso abraço e, mesmo que fosse estranho, não era desconfortável.
Dentre todas as possibilidades que corriam pela minha cabeça para essa conversa, essa foi a que menos cogitei pensar. As coisas pareciam mais leves, o peso que pendia em meus pensamentos desde o centro espiritual foi aliviado. Meus pensamentos estavam limpos, a sensação de suavidade dentro de mim parecia ser um descanso para minha mente.
Ela me liberou do seu abraço após alguns minutos, seus olhos, que possuíam uma marca escura de cansaço abaixo deles, estavam levemente vermelhos pelo choro, mas ainda assim transpareciam suavidade. Minha mãe ergueu minha venda para passar a manga de seu suéter em meu rosto para enxugar as lágrimas caídas. Estiquei minha mão para fazer a mesma coisa, ela sorriu antes de tentar morder minha mão.
— Que tal a mamãe te ensinar a usar a herança e a Minstra te ensinar sobre as Três Visões? Ou apenas fazemos ambos e completamos nossas explicações? E a mamãe não vai mais esconder as coisas de você, nada mais nada que tente nos machucar ficará entre nós… — Ela passou a mão sobre meu cabelo.
Muitas perguntas vieram à minha mente, mas uma me incomodava profundamente.
— Quando a senhora saia com o vovô e me deixava com o tio Marcelo, ele ficava repetindo o nome do papai quando dormia… o que aconteceu… com o papai?
Seus olhos ficaram sombrios por um momento antes que um suspiro saísse e ela abaixasse a cabeça e reergue-se segundos depois. Meu estômago ficou desconfortavelmente gelado e o martelo da culpa caiu repetidas vezes no meu crânio, mas eu preciso calar esse pensamento… de uma vez por todas, calar essa pergunta. A expressão da minha mãe estava suave, mas podia ver uma tristeza palpável em seus olhos.
— Não foi um incêndio criado por um curto circuito como é conhecido hoje em dia, a criatura que fez aquilo queria nos matar e agora seu tio quer fazer o mesmo com ela, custe o que custar… Eu disse que o mundo tem diferentes formas de te quebrar, as pessoas são os principais meios para isso, mas também existem seres que estão em igualdade com a maldade humana.
Ela parou por um momento para respirar.
— Foi isso que tirou seu pai de nós, a simples vontade de algo que não se importava com o quanto ele era amado… Eu gostaria de dizer que o que seu tio está fazendo é estupidez, mas eu estaria mentindo se dissesse que não gostaria de ver aquilo morto pelo que ele fez… Eu não quero que você busque vingança pelo seu pai e nem pelo seu tio se algo de ruim acontecer com ele.
Nisso, olhou-me nos olhos, os lábios numa fina linha.
— Eu quero que você viva antes de tudo e se um dia se deparar com essa criatura, quero que coloque sua vida e daqueles que estão vivos e te importam como a prioridade principal… Você me entendeu, Samuel? — O tom de sua voz, a forma da feição e até mesmo os olhos estavam formados e endurecidos como sempre que ela me dava uma lição.
Assenti com a cabeça, mas seus olhos ainda permaneciam duros.
— Quero que você diga, Samuel, você entendeu?
— Sim, mãe, eu entendi.
Antes que eu pudesse pensar, ela novamente me puxou para um abraço. Consegui me colocar de frente para a mesa enquanto seus braços ainda estavam envoltas em mim, o livro grosso ainda estava em cima da grande mesa de madeira e minha mãe estava balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto a minha cabeça estava entre seu pescoço e seu queixo. Ela me liberou quando comecei a balançar a cabeça de um lado para outro, com minha cabeça encostada em seu pescoço.
Me ajeitei na cadeira e ela fez um bico com sua expressão, se suavizando novamente. Não sei o que dizer a meus pensamentos sobre o encerramento da dúvida sobre o que realmente aconteceu no passado, mas uma verdade era que o desconforto mental semelhante a uma coceira finalmente desapareceu. As peças começaram lentamente a se encaixar quando liguei as longas viagens do meu tio ao que minha mãe tinha acabado de falar.
Ele está caçando o Homem Pálido.
Um calafrio percorreu minha espinha ao notar que as visões e flashes eram reais ao invés de um devaneio causado pela situação. Ao mesmo tempo que uma espécie de admiração nasceu, a realidade do que minha mãe falou também parecia mais lógico para mim. Eu gostaria de saber o que meu pai acharia sobre isso, mas eu apenas lembro dele brincando e mordendo os dedos da minha mão se eu me recusasse a falar “amo o papai”.
Com isso, muitas memórias dele vieram à mente, flashes de sua voz surgiram em minha cabeça. Por alguma razão a ver com a herança, essas memórias pareciam mais claras para mim, mesmo que algumas partes ainda sejam um pouco nebulosas. Me lembro melhor do rosto e da voz depois de reivindicar a herança, lembrar disso afastava os pensamentos obscuros que tentavam surgir. Voltei a atenção para a minha mãe, que estava me olhando da mesma forma fraterna de quando me ensinou o truque.
Ela desviou a atenção para o livro, o próprio começou a escorregar pela mesa até estar na frente dela. Minha atenção foi atraída para o livro como um ímã, notei sua energia nele e observei como o núcleo de energia estava concentrado de uma forma uniforme nele. Focando meus pensamentos, tentei encontrar a corrente de comando que a conectava ao núcleo de energia no livro, mas fui incapaz de vê-lo na primeira tentativa.
— Ainda quer saber por que você foi em direção à moeda ao invés do contrário? — Havia diversão em sua voz enquanto ajustava sua postura.
Acenei com a cabeça um pouco rápido demais, limpando a umidade abaixo dos meus olhos.
— Há uma forma de igualdade na energia, insira a energia em algo e ela se acumula em um ponto maior, criando o núcleo de forma espontânea ou você próprio pode formar um. O problema é que quando a energia, mesmo que seja sua, está dentro de algo, ela toma aquele algo como um corpo individual. Se este corpo é mais leve que você, o núcleo de energia consegue levá-lo até você e empurrá-lo já que o maior valor físico é o seu. Se ele é mais pesado, o núcleo traz você até ela usando uma lógica invertida do valor. Como seu tio disse, Fie é neutra, mas aprende rápido e tem muita inteligência dentro de si que se complementa com um usuário habilidoso. Como seu tio estava prendendo a moeda no chão com o próprio peso e força, a corrente de comando usou a energia para te levar até a moeda, seguindo a lógica inversa, você era mais leve e ela sabia disso antes de você.
— Existi uma forma de burlar isso, né?
— Existem muitas, a mais simples é você simplesmente iniciar um cabo de guerra ao se agarrar em algo mais pesado que você ou o corpo individual, ou simplesmente intensificar a conexão com energia e aumentar seu fluxo interno para compensar a falta de peso físico e mudar a balança com uma trapaça. De qualquer forma, a balança sempre vai pender para o favorecimento do anormal e não para o núcleo de energia no corpo individual — minha mãe explicou ainda com os olhos no livro.
A moeda era mais leve do que eu, mas se houvesse qualquer outra coisa que fosse mais pesada do que eu, prendendo-a, teria o mesmo final. Se aumentar a aura ou intensificar a corrente, faz com que a balança penda para meu lado. A moeda simplesmente escorregaria para fora das solas do sapato do meu tio? Peguei a moeda do meu bolso e a observei, havia resquícios da minha energia nela, mas sem meu controle e atenção constante nesse meio tempo, o núcleo estava se desfazendo.
Levando em consideração a lógica dessa física própria, se eu tentasse empurrá-la, eu que teria sido empurrado? Hm…
— Eu posso apenas empurrá-la e atraí-la com minha energia sem precisar fazer um núcleo, mãe?
— É mais trabalhoso e você se torna dependente unicamente do seu próprio e constante controle, além de que apenas pode fazer tarefas simples com isso… mas se você quiser, posso te ensinar um jeito divertido de fazer isso usando a réquia… Que tal aprender um pouco das disciplinas? Vai te custar cinco beijos na bochecha.
Revirei meu olho enquanto matutava. Olhei a minha réquia para ver que horas são, mas havia esquecido que os ponteiros se movem de forma irracional pelos números, levando em conta que ainda deve ser oito da manhã. O almoço do meu aniversário só vai estar pronto no meio-dia. Coloquei o relógio em cima da mesa, me preparei para barganhar esse novo truque que ela quer me ensinar e já podia sentir o preço a ser pago, mas só conseguia prever o pior e mais caro deles.
Por uma disciplina… vale a pena.