Volume 2
Capítulo 21: Marcas da vida
[Sábado, 10 de Setembro de 2412, 07:15 da manhã]
Samuel Merial
A atmosfera fria contra minha pele parecia diferente de quando cheguei, o poder recém-despertado dentro de mim estava criando raízes em meu espírito. Abri meus olhos para ver a fogueira e os três totens novamente, seus significados estavam mais claros para mim após a introdução que Minstra me deu. Consigo ver agora o que vocês são… de certa forma.
O mistério sobre essas três formas ainda estava incompleto, mas estava muito mais claro do que as duas presenças que habitavam meu espírito. Eles são as formas de poder que herdei dos meus antepassados, obras inatas que foram passadas para mim através da linhagem familiar. Passei meus olhos pelos três totens antes de parar no totem com linhas verdes. Um breve oscilar de descontentamento passou por mim ao saber de quem herdei esse poder.
Minha família materna… os Marvolos.
Sinceramente, sei extremamente pouco sobre eles ou sobre meu avô materno, mas minha mãe o odeia, então devem ser o tipo de pessoa que eu também desgosto. Deixei esse sentimento de lado para limpar minha mente, todos os três guardam uma forma de conhecimento que posso acessar se me concentrar. Os ensinamentos da Minstra ainda estão em seu começo, mas já tenho o suficiente para praticar.
Virei minha cabeça para encontrar a loba sentada ao meu lado, seus olhos estavam fechados em uma forma de meditação enquanto eu a observava. Parando para pensar, quando eu voltar e ela cumprir o nosso acordo, vou ter que conversar com minha mãe sobre o passado… Minha barriga gelou enquanto imaginava possíveis cenários, mas no final, se eu ceder a esses medos e voltar atrás… nada vai mudar.
Que… titica.
— Já se arrependeu? Até que foi um pouco mais rápido do que imaginei — Minstra falou em minha mente.
— Eu só preciso de algum tempo… estou me preparando para isso.
Suas orelhas abanaram antes de me responder.
— Crianças crescem rápido demais, sua inocência se esvai no afluente da maturidade e responsabilidades que você delega a si, talvez sua mãe esteja errada em sempre vê-lo como uma criança… mas você teria coragem de afirmar isso?
Fiquei em silêncio, impedindo que qualquer pensamento tentasse refutar suas palavras sem antes entendê-las.
— Seu tempo como uma criança está se esgotando e logo você terá que escolher o que quer ser, você sabe disso, mas sinceramente… acha que está pronto para essa escolha?
Apoiei minha cabeça sobre meus joelhos, observando a essência do meu espírito queimar na forma de uma simples fogueira. Aprender sobre os círculos do oculto vai me trazer conhecimento sobre o paranormal em primeira mão, ele pode me permitir olhar mais fundo em mim, mas e se eu apenas encontrar uma sala vazia? Eu quero construir algo… encher meu peito com lembranças de pessoas que amo.
É realmente isso que quero?
Minstra também me ensinou um pouco sobre os principais causadores de problemas na nossa sociedade, além dos próprios humanos. Uma fonte de um poder que alimenta grandes males do sobrenatural, ela descreveu a Obscuridade como sendo uma espécie de força ou entidade, mas existem muitas outras representações. Além dela e suas crias, quantos outros males ainda existem ou foram criados? Muitos…
E isso apenas sendo um resumo.
Sinceramente, não quero deixar uma marca como um herói das histórias. Eu ainda tenho tempo para escolher, me conhecer melhor, para saber que tipo de função me faz feliz, mas fazer isso sozinho apenas vai me dar um único ponto de vista… Eu preciso me abrir mais para as coisas. Talvez o encontro com Maya seja uma porta que preciso para abrir meu campo de visão e crescer.
O oscilar da minha mente estava mais calmo agora do que em muito, muito tempo, com as duas presenças dentro de mim ressoando mais intimamente comigo. De certa forma, algo na atmosfera ou minha conexão com a Minstra me dizia que a hora de acordar estava chegando como um pressentimento. Uma dúvida surgiu em minha cabeça, uma curiosidade sobre uma sensação da qual eu gostava, mas só havia visto uma parte dela.
— Minstra.
Seus olhos se abriram ainda com sua cabeça baixa.
— Sim?
— Como é a sensação de… ensinar?
Suas orelhas se ergueram como se me dessem sua total atenção, o anelete em seus olhos brilhou francamente antes de falar.
— É como ter um jardim, cada planta tem seu tempo e jeito de como deve ser cuidada, mas no final, quando elas florescem, me sinto orgulhosa ao saber que posso cuidar e zelar pelo desenvolvimento de algo… me sinto feliz.
Isso é ser um professor?
Mais perguntas se formaram em minha cabeça, mas a sensação do meu despertar se aproximando colocava minhas dúvidas contra o tempo. Eu gosto de aprender, minha busca por livros ou palavras que me ensinem algo nunca termina. Eu gostaria de estar do outro lado da minha busca, ser alguém capaz de ensinar e dar palavras com mensagens gravadas… mas demorará até eu chegar nesse ponto.
— Você vai me encontrar de novo para dar as lições, ao anoitecer?
Ela ergueu sua cabeça para o céu de constelações no meu centro espiritual.
— Agora que sua herança foi reivindicada, posso falar com você até mesmo fora do sonhar… até mais, Samuel.
Sua voz ficou distante à medida que minha consciência era puxada para fora do meu centro espiritual. Abrindo meus olhos novamente, eu estava na ponte do fluxo, um universo cheio de constelações vermelhas ao redor da ponte que conectava o meu corpo ao meu espírito. Segui em direção ao corpo, as sensações lentamente se manifestando com o retorno da minha consciência desperta.
Com os olhos fechados, a primeira coisa que senti foi a familiaridade no ar, além do fato de estar no meu quarto. Os vestígios de uma presença que eu reconheceria em qualquer lugar pairavam na atmosfera, abri meus olhos para encontrar meu quarto sem ninguém além de mim, mas um breve olhar para minha escrivaninha totalmente arrumada apenas confirmou o que eu já sabia.
A mamãe esteve aqui.
Levantei e sentei-me à beira da cama enquanto me concentrava nos vestígios da atmosfera. Havia algo de diferente na energia deixada para trás, em meio à energia da minha mãe, havia algo que também me era familiar, reconheci o mesmo traço de energia de uma das presenças dentro de mim. Volusia… os grãos minúsculos e vermelhos de energia pairavam na atmosfera do quarto, mais especificamente se movendo em minha direção.
Movi meu braço pelos grãos ao meu redor, eles o seguiam e entravam em minha pele como se fossem parte de mim. Isso é incrível. A energia é invisível para os comuns, minha mãe disse que na realidade física a energia só existe dentro dos corpos de seres vivos e algumas outras fontes. A energia do astral precisa ser retirada por pontos de acesso espirituais através de rituais. Eu consigo ver a energia Fie, como se fossem pequenos grãos ou flocos de areia navegando pela atmosfera antes de desaparecerem.
Algo em meu braço chamou minha atenção, minhas cicatrizes estavam diferentes de antes da noite passada. Os traços e texturas como correntes estavam mais escuros, marcas negras as contornavam e formavam símbolos estranhos como pequenas letras pelo meu braço até a mão. Olhei meu outro braço para ver a mesma coisa, as cicatrizes com marcas negras e pequenas letras estranhas.
Coloquei meus pés no chão e fiz meu caminho com uma corrida até o banheiro. Me olhei no espelho acima da pia, as cicatrizes em volta do meu olho direito também estavam diferentes, a cor vermelha predominante agora estava emoldurada por letras e símbolos pretos que contornavam minhas cicatrizes, desde o braço até o olho direito, como se fosse feito por um artista. As letras estranhas também estavam em meio à composição elaborada que emoldurava a cicatriz do meu rosto como vinhas.
— Eu sei que você desgosta das suas cicatrizes e seria difícil mudar, então veja isso como uma forma de aprender a vê-las de outra forma… — A voz de Minstra surgiu em minha mente, olhei ao redor, mas tudo que recebi com isso foi uma risada mental dela.
— Você fez isso… como? — Passei o dedo pelas formas desenhadas no que parecia ser tinta escura, parecia ser mais profundo que tatuagens, como se minha carne fosse marcada.
— A herança deixa sua marca de diferentes formas, muitos de nós hoje em dia preferem ocultar essas marcas de alguma forma para evitar questionamentos das pessoas comuns ou apenas passar despercebidos… Imaginei que você gostaria… gostou?
Tirei minha camisa para ver mais algumas letras marcadas em minhas costelas e… um pouco mais abaixo nas minhas calças. Encarei minhas cicatrizes, suas formas ainda eram iguais, mas as marcas e letras negras que as contornavam e as emolduravam as faziam parecer… diferentes. Olhar para elas agora trazia para mim curiosidade, uma curiosidade forte sobre o que essas letras representam.
— Eu gostei… obrigado, Minstra.
— Fico feliz, elas são permanentes e suas formas são inalteráveis por vontades conscientes, mas podem se adaptar e crescer com o tempo, demoraria muito para colocá-las em partes mais fáceis de esconder em seu corpo.
Preguiçosa.
Após mais um tempo observando as marcas em meu corpo, aproveitei por estar no banheiro para escovar os dentes e tomar banho. Vesti minha calça, camisa e suéter em meu quarto antes de seguir caminho para o primeiro andar. O hall de entrada tinha um pouco de luz solar entrando pela porta da sala de estar. Fiz meu caminho pelo hall para chegar à sala de estar, meu avô estava sentado no piano de cauda e o resto da sala estava vazio.
As três janelas da sala estavam abertas, deixando que uma rara manhã ensolarada iluminasse a sala de estar. Caminhei até meu avô, que estava tocando alguns trechos de músicas, ele começava a tocar antes de parar e começar outra música. Me aproximei da lateral do piano, ele estava sentado no banco acolchoado com uma embalagem de bandagens e a minha venda ao seu lado.
Então você que pegou.
Ele olhou para mim com um sorriso fraterno no rosto. Sua barba, um pouco volumosa e trabalhada junto aos traços de suas feições, o faziam parecer feroz quando estava sério, mas nos raros momentos em que o vi bravo, ele sempre era equilibrado. Os olhos distintos tinham o mesmo anel dourado que crescia de suas pupilas como raízes douradas na forma de um vortice, essa marca que descobri ser um traço deixado nos descendentes Áureos, um traço feito pela conexão com o patrono.
Ele deu tapinhas ao seu lado no banco, me sentei para receber um beijo na testa e para enrolar meus braços em bandagens como de costume. Mas… será que eu preciso? Pensei nas palavras da Minstra, ver minhas cicatrizes de uma forma diferente antes era difícil, mas agora elas estão realmente diferentes. Olhei para meu avô, seu sorriso aumentou um pouco ao ver as marcas no meu rosto.
— Então, agora você já é um homenzinho… — Ele conteve uma pequena risada enquanto acariciava meu olho.
— Essas marcas… o que elas significam? A Minstra deixou isso como uma surpresa — perguntei alheio ao fato de que eu sabia sobre sua conexão com Minstra.
Seu rosto mudou para uma expressão surpresa antes de voltar ao normal com um riso.
— É claro que o pequeno broto descobriria as tramoias malignas do vovô e da mamãe. — Ele me deu um cascudo enquanto ria.
Após o calor do cascudo diminuir, ele colocou minha venda e embalagem de bandagens acima do piano. Seus dedos se moviam com precisão pelas teclas, o som enchia a sala com uma sinfonia harmônica enquanto ele parecia se desligar da realidade pela música. O som atraiu a atenção do meu tio, que entrou pela porta da cozinha na outra ponta da sala.
Meu tio se sentou no sofá, ele estava segurando um tipo de sacola contra o rosto. A música que meu avô estava tocando lentamente foi se tornando lenta até chegar em sua finalização. Ele fechou o protetor das teclas antes de se virar para mim. Ele tinha o mesmo sorriso fraterno de sempre enquanto abria uma embalagem, mas algo em meu olhar o fez parar.
— O Senhor do Sol rege a sabedoria naqueles que se dedicam a ouvi-lo, tais conhecimentos para nós ficam marcados em nossas carnes, uma forma de sempre se lembrar de tudo que você já viu, conseguiu ou… superou.
Ele desabotoou a camisa para mostrar suas próprias marcas, elas formavam padrões e símbolos ainda mais complexos que os que haviam em mim. Ele fechou a camisa antes de pegar minha venda nas mãos, passando seus dedos pela costura dourada.
— Hoje em dia, essas marcas podem ser interpretadas como tatuagens comuns ou até mesmo nos colocar em situações desagradáveis, por isso muitos começaram a movê-las para lugares fáceis de esconder… Veja elas como um lembrete, elas contam sua história, seus saberes e contam que quem te protege é um ser de pura sabedoria e compaixão… com quem a merece.
Pensei por um momento antes de qualquer coisa. Esconder essas marcas para evitar atenção é comum, mas pelo que eu as esconderia? Ver minhas cicatrizes me traz lembranças ruins, mas e se essa for a chance de mudar isso? Eu posso escondê-las para sempre, mas qual será a necessidade disso se eu puder construir uma nova sensação ao vê-las?
Limpei minha mente por um momento para perceber que, desde que acordei, estou sem meu supressor e sem dores de cabeça por isso. O fluxo continuava constante, jorrando energia interminavelmente sobre meu corpo e podia ver as assinaturas das presenças e herança em meio a ela, mas minha cabeça estava… bem. Respirando fundo, forjei um novo desejo em meio ao silêncio da minha cabeça.
— Vovô… o senhor pode… desfazer o supressor para mim?
Ele sorriu por um momento antes de fechar os olhos e cochichar algo. Observei a energia presa nas fibras e letras da costura se agitando antes de se desfazer e cair, grãos dourados caíram da venda como uma chuva de faíscas amarelas logo antes de desaparecerem na atmosfera. Ele estendeu a venda para mim, deixando os vestígios de energia ainda deixando a fibra do pano grosso.
A coloquei ao redor da minha cabeça, isso de alguma forma me trazia conforto sobre a condição do meu fluxo. Meu avô pegou o pacote de bandagens e olhou para mim com uma expressão curiosa. Segurei minha vontade sobre o novo desejo que havia feito. Eu gosto da venda, mas as bandagens pinicavam quando eu as usava por muito tempo.
— Eu vou… observar minhas marcas, eu gostaria de ver elas mudando de forma — disse, sorrindo.
Ele colocou a mão sobre minha cabeça com seu sorriso ainda mais iluminado que antes.
— Você é um menino forte… seu pai ficaria orgulhoso, eu com certeza estou.
— Obrigado, vovô.
Um gemido de dor cortou a sala e segui sua origem que vinha do meu tio, ele ainda estava segurando algo contra a cabeça. Olhei para meu avô e ele deu um sorriso sem graça antes de guardar as bandagens na sacola e colocá-las em cima do piano. Ele ergueu o protetor das teclas do piano e começou a apertar uma a uma com uma expressão analítica.
— Que tal você ir verificar, seu tio… a noite foi pouco gentil com ele.
Beijei sua bochecha antes de me levantar do banco.
— Sammy — Meu avô me chamou.
— Sim, vovô?
Ele mexeu no bolso do peito da camisa, quando ele puxou algo de lá, senti minha surpresa brilhar em meus olhos ao ver o que era. Uma chave gorja, a cor dourada já estava opaca pela idade e alguns pontos da velha chave estavam desgastados pelo uso. Na base da chave havia o símbolo de um sol muito semelhante ao totem no centro espiritual e sua parte de tranca era bem complicada.
— Tenho fé que você será capaz de controlar seus desejos quando entrar na biblioteca, agora que você tem a herança, sei que fará bom uso dos ensinamentos desse presente. — Ele puxou minha mão e colocou a chave sobre minha palma, a fechando em seguida, fiquei apenas observando, ainda perdido.
— O-obrigado, vovô… — Meus olhos começaram a ficar pesados, senti até mesmo o olho sob a venda ficando marejado.
— Não chore, isso vai partir meu velho coraçãozinho. — Ele se ergueu do banco para me abraçar. — Feliz aniversário, Pequena Raposa.
Limpei uma lágrima que escapou enquanto ele se sentava de novo e lhe dei um sorriso enquanto me virava para ir em direção ao Tio Marcel. A felicidade se misturava às lágrimas que estavam se formando, mas as mantive em meus olhos até que sumissem. Ele confia em mim o bastante para me dar acesso à parte proibida da biblioteca, ele vai me deixar ver os livros secretos dele!
Será que minha mãe vai comigo?
Me aproximando do sofá, a felicidade já estava se tornando um cenário mental do que poderia acontecer. Ainda olhando a chave, cogitei ir direto à biblioteca, mas isso pode esperar… tenho que me controlar, mostrar que esta confiança em mim foi com razão. Minha mãe me disse que veríamos isso hoje à noite, então posso esperar até hoje à noite e ir com ela… é, com certeza!
Limpei os pensamentos pessimistas antes que se formassem para me concentrar no meu tio sentado no sofá. Tio Marcelo estava segurando um pano de prato que estava cheio de gelo. Ele pressionava o pano um pouco molhado contra a cabeça enquanto estava deitado de forma preguiçosa no sofá. Seu nariz tinha tufos de papel higiênico sujos de sangue enfiados nos dois orifícios e tinha um rolo de papel higiênico ao seu lado.
Ele virou a cabeça para mim e deu uma joia com a mão junto a um sorriso complicado. Ele se ajeitou no sofá, para abrir espaço para mim sentar na beira do sofá aos seus pés. Ele trocou os tufos de papel sujo do nariz por novos antes de colocar os sujos em cima do sofá. Seu rosto estava com algumas partes um pouco roxas e seus olhos mostravam claramente que ele estava acordado há bastante tempo.
— O que aconteceu com você? — Me aproximei um pouco, cutucando seus pés.
Seus olhos pareciam ter viajado a um lugar sombrio antes de responder.
— Cai da escada…
— Mentiroso.
Tio Marcel soltou um som estranho com a boca antes de se sentar com um gemido. Ele passou seus olhos por mim e eles pararam em minhas mãos, um sorriso pequeno iluminou seu rosto cansado enquanto trocava de novo os tufos de papel de seu nariz. Ele estendeu a mão livre para fazer carinho em minha cabeça, ainda com um sorriso iluminado.
— Feliz aniversário… — Ele enfiou a mão no bolso interno para tirar um embrulho de pano escuro amarrado com uma fita. — Acho que é uma boa hora de você ter uma.
Ele me deu o embrulho de pano amarrado a uma fita escura, logo depois Tio Marcel se ajeitou no sofá com seus olhos fixos em minhas mãos. Puxei o laço da fita para desfazer o embrulho atrapalhado de pano, desfazendo e abrindo cada dobra, cheguei ao centro onde meu presente estava. Um relógio de bolso escuro com uma corrente me aguardava, algo nele distraía minha mente para sua aparência.
É… é uma Réquia!
A corrente dourada se conectava ao relógio em forma de círculo, a cor da corrente parecia levemente desgastada por uso. A cor escura tinha linhas vermelhas pela armação do relógio, a parte do ponteiro era preta com os números em vermelho vibrante e os ponteiros dourados opacos. Um relógio menor estava logo abaixo dos ponteiros principais. Um símbolo pequeno estava gravado em prata opaca na parte de trás do relógio.
Entusiasmo se misturava à energia do fluxo enquanto eu tentava confirmar se o relógio realmente era uma réquia. Uma réquia é ligada ao astral, servindo como uma ponte para retirar energia Fie em uma maior quantidade do que nossos corpos naturalmente conseguem tirar, um objeto de ritual pratico, como os livros chamam. Eu sempre quis uma desde que descobri sobre elas. Olhei para meu tio por um momento antes de pular sobre ele para um abraço.
Ele soltou um chiado agudo doloroso, mas retribuiu o abraço. Me sentei à beira do sofá, me recordando do que havia lido sobre as Réquias, dizia que era preciso conectar elas com seu usuário antes de usar. Tio Marcelo pegou minha mão para segurar meu dedo, antes que eu pudesse reagir, ele passou algo afiado na ponta do meu dedo indicador esquerdo, abrindo um corte.
— Deixei cair sobre ele — ele disse, voltando a se recostar no sofá.
Olhei para o corte em meu dedo antes de colocá-lo acima do relógio, gotas do meu sangue caíram sobre a lente do relógio. As gotas começaram a desaparecer, sendo absorvidas pela lente e se espalhando pela armação. O relógio que estava parado começou a funcionar e senti algo a mais surgindo dentro dele. Colocando meu dedo machucado na boca, observei enquanto os ponteiros se moviam de forma irracional pelos números.
Um fio da minha própria energia se conectou ao relógio, eu podia ver mais claramente o que acontecia nos mecanismos. Como se fosse uma pequena extensão, minha energia se conectava ao relógio através desse pequeno fio, esse fio permitia que eu sentisse o portal para o astral gravado nas estruturas do relógio. Olhei para meu tio em busca de uma iluminação de como usar a réquia.
— Você vai aprender a usar isso comigo… vamos, meu Corvinho. — Me virei para trás para ver minha mãe a menos de um metro de mim.
Ela puxou o dedo que estava na minha boca e já tinha uma pequena atadura em mãos que ela enrolou no corte.
— Pensei que íamos ver isso de noite.
Um olhar surpreso nasceu em seu rosto e logo foi substituído por um sorriso.
— Temos tempo até o almoço do seu aniversário… que tal aprender um truque com a mamãe?
Sorri e olhei para meu tio, ele deu uma joia com seu olhar preguiçoso. Deixei qualquer preocupação ou apreensão de lado para acenar com a cabeça e lhe dar um sorriso. Ela se sentou ao meu lado e ajeitou sua postura enquanto puxava seu colar da camisa. Meus olhos seguiram o pingente dourado e o anel ao lado dele, que estavam presos à corrente.
— Está pronto? — Seus olhos caramelos pareciam ansiosos, mas sua expressão relaxada conseguia disfarçar isso.
— Sim!