Volume 2

Capítulo 18: Criança do Sol

[Sexta-Feira, 09 de setembro de 2412, 23:00 da noite]

 

O silêncio era algo normal para mim em meus sonhos. Alguns de meus sonhos eram compostos principalmente por imagens vívidas de cenários irreais para mim, lugares em que nunca estive, até pessoas que nunca conheci e seres que tenho dúvidas se existem… ou existiram. Mas quando esses sonhos se tornaram ausentes, uma nova forma de percepção se abriu para mim.

 

Essa sensação…

 

Meu supressor age principalmente para meu conforto mental. O fluxo está diretamente ligado à mente, pensamentos e sensações em geral, à forma como vemos e percebemos o mundo à nossa frente com os olhos abertos ou fechados. Sem meu supressor para suprimir meus sentidos e energia, eles crescem a um nível em que dormir se torna impossível. 

 

Ao menos era assim antes.

 

Abri meus olhos para encontrar meu quarto novamente… de uma forma diferente. Minha cama havia desaparecido e eu estava deitado no chão apenas com a roupa do corpo. Ao meu redor, o ar tinha uma tonalidade azulada e pequenas partículas como flocos pairavam. A energia Fie impregnava tudo, acho que um anômalo normal se sentiria sufocado com isso, mas para mim era até que confortável.

 

Minha amiga do sonhar me trouxe aqui mais de uma vez para aprender a controlar meus sentidos sem o supressor. Pelo que entendi, esse lugar é uma realidade conectada à nossa, ela é onde a energia Fie passa para chegar à nossa realidade e, por sua vez, é cheio dela. Estar cercado por tanta energia me ajudou a controlar meus sentidos, mas ainda é complicado fazer isso na realidade física pela mudança do ambiente. 

 

Levantei-me do chão para olhar ao redor. Uma réplica quase perfeita do meu quarto, exceto pela falta de alguns móveis e pela atmosfera umbral deixava claro que era outro lugar… de certa forma. Saí do quarto para o corredor e fui em direção à escada que levava ao primeiro andar, tudo imitava a minha casa na realidade, com exceções para os detalhes menores.

 

Desci a escada para encontrar uma sala de entrada iluminada por flocos brilhantes flutuando no ar por toda a casa. Olhei em direção à sala com o leve desejo de meditar no sofá e encontrar minha amiga do sonhar, como sempre faço, mas, ao virar-me para a porta, minha curiosidade de explorar um pouco mais desse mundo se tornou insuportável. Parei momentaneamente na porta antes de abri-la.

 

Apenas um rápido passeio, ela nem vai ligar.

 

O mundo estava com a tonalidade umbral mais intensa do que dentro de casa. As árvores tinham formas estranhas e suas copas fartas de folhagem eram ainda mais lindas de se ver. O chão do quintal ainda era coberto de folhas que tinham apenas uma cor mais escura. Os flocos luminosos me seguiam para fora de casa, dançando ao meu redor como um véu de luz. 

 

Andei pelo quintal até chegar ao portão de casa, envolto por um fino véu de luz. Segui a estrada baldia em direção à cidade. Na estrada, as copas das árvores cobriam o céu e a escuridão continha silhuetas que se moviam vagarosamente em torno da luz dos flocos. A luz refletia nos olhos das criaturas, e foi quando deixei a parte mais escura do caminho que elas se revelaram para mim.

 

Duas pequenas criaturas pairavam ao meu redor enquanto eu andava. Suas formas eram semelhantes às salamandras, mas seus quatro membros eram como barbatanas sedosas, que absorviam a luz dos flocos ao meu redor e emitiam um brilho branco próprio no processo.

 

Ao andar até o ponto de ônibus, parei e olhei ao redor.

 

A cidade tinha flocos brilhantes vagando pelas ruas e pastos que cercavam o lugar como vaga-lumes prateados e foi olhando para o céu que soltei um suspiro de encanto. 

 

Estrelas, muito mais do que se pode contar, banhavam o céu e formavam constelações. Uma barreira prateada estava erguida pelos arredores, com um feixe de luz da mesma cor saindo da onde ficava a comunidade lunita e erguendo-se para aquela luz. 

 

Penumbra…

 

Eu li muito sobre esse lugar e no processo descobri que se sabe muito pouco sobre ele. A maioria dos livros apenas descreve a Penumbra como uma realidade de passagem, um lugar cheio de criaturas feitas de energia pura... 

 

A descrição delas, contudo, era bem diferente. 

 

Nem tudo aqui quer nos matar, ao menos dentro dessa barreira. 

 

A penumbra é um lugar difícil de se acessar… no senso comum. As pessoas que conseguem fazer isso com mais facilidade ainda precisam passar por um processo, mas para mim é apenas uma questão de concentração… e dormir.

 

Não sei o porquê de ser tão fácil, mas isso pouco importava agora. 

 

Sorri ao ver que podia explorar tudo isso e mais.

 

— Queria poder trazer a mamãe aqui… 

 

Quando falei sobre esse lugar, ela apenas me disse para ficar dentro da barreira. Queria fazê-la entender que aqui tem mais do que espíritos malignos e almas rancorosas, como é descrito nos livros.

 

A beleza daqui é algo que só pode ser percebido se olhar para ele direito… Estendi minha mão para uma das pequenas criaturas que se aproximava mais, ela parecia receosa, mas permitiu que eu encostasse em suas barbatanas.

 

Que sedosas

 

Duas presenças apareceram no céu, atraindo minha atenção por instinto. Olhando para cima, meu encanto cresceu ainda mais enquanto observava duas criaturas muito semelhantes às que me rodeavam dançando na luz prateada da barreira. As quatro barbatanas ao redor do corpo eram como lençóis brancos que ondulavam elegantemente na luz, seu voo era encantador enquanto eles dançavam em sintonia ao redor do véu prateado.

 

Será que estes são os pais?

 

Olhei para as pequenas criaturas ao meu redor e as comparei em aparência com as duas maiores no céu. Com exceção do tamanho, eles são iguais em todos os sentidos físicos… Desde as belas barbatanas até o corpo larval com cara de salamandra, pareciam se alimentar da luz ou no mínimo gostavam de brincar nela. Esses dois pequenos vão crescer tanto assim? 

 

— São criaturas encantadoras, né? — Uma voz tirou minha concentração das criaturas.

 

Uma figura humanoide se aproximava vagarosamente do ponto. As roupas o faziam parecer um monge com a combinação de azul marinho e prata, o cabelo e barba brancos trançados davam um ar de sabedoria junto a sua pele morena enrugada. O senhor idoso se aproximou até a entrada do ponto, seus olhos leitosos pareciam me ler de cima a baixo com um sorriso gentil em seu rosto.

 

Eu lembro de você…

 

Um dos chefes da comunidade lunita. O vi uma vez de relance quando fui para o encontro das pequenas estrelas, mas pensei que ele fosse um comum. O homem sentou na ponta do ponto com uma expressão serena, seu corpo estava envolto em um véu prateado enquanto olhava para frente sem um ponto exato para se notar. Na verdade, o questionamento se ele realmente estava olhando algo brotou. 

 

— Você cresceu bastante, criança do sol, a última vez que o vi, você ainda tentava ensinar as outras crianças sobre as aves e outros animais… eu gostava de ouvir suas explicações estranhas para ensinar as coisas aos outros. — Ele sufocou uma risada. 

 

Criança do sol?

 

Um leve rubor subiu para minhas bochechas enquanto lembranças das minhas explicações para tentar ensinar as outras crianças lunitas sobre as aves que apareciam. A curiosidade crescia a cada segundo em que encarava o senhor, as vestes pareciam confortáveis, além de elegantes e agregavam o seu ar sábio.

 

Como ele consegue acessar a penumbra? O quanto ele sabe sobre esse lugar? E o que quer dizer "criança do sol"? Essas três perguntas incomodavam a minha mente quanto mais ficavam presas nela.

 

— Vejo que estou incomodando você, até mais, Criança do Sol. — Ele se levantou em uma velocidade incrível e estava virando as costas para o ponto. 

 

— Não! — Eu estava pensando!

 

Ele se virou com uma expressão divertida e se sentou novamente. As criaturinhas que haviam se afastado pelo meu grito retornaram em minha direção, senti que o meu silêncio estava incomodando mais a mim do que a ele. Será que posso fazer muitas perguntas? Ele deve saber muito sobre aqui, talvez até coisas sobre o fluxo ou o astral. 

 

— O senhor… tem um nome? — Meus dedos começaram a ficar inquietos.  A melhor forma de iniciar uma conversa é essa, né?

 

— Assim como a maioria das criaturas, sim, e peço perdão pela indelicadeza, me chame de Simão. 

 

— Desculpa por ficar quieto, eu…

 

Ele ergueu sua mão ainda com sua expressão serena no rosto. 

 

— Eu estava apenas brincando com você, as crianças têm seu próprio tempo e o seu é apenas um pouco… devagar. — Pude reconhecer um tom zombeteiro em sua voz. 

 

Seus olhos leitosos ainda me levantavam dúvidas sobre sua visão. Ele se comportava como se tudo estivesse em sua visão, o desejo de perguntar se ele era cego surgiu, mas para meu alívio, foi combatido pelo meu bom senso. Dividi minha atenção entre as pequenas criaturas e o senhor Simão. 

 

— O senhor sabe muito sobre esse lugar? Essas criaturinhas têm um nome? Aliás, meu nome é Samuel. 

 

Riu um pouco, e voltou a olhar para algo além do que podia ver.

 

— Encantado, bem que Maya disse que você era um rapaz curioso… Essas pequenas criaturas são portadores da luz, eles se alimentam da luz e quando pegam o que precisam, eles a liberam e ela se espalha por onde passavam, são realmente magníficos. — Ele estendeu sua mão e o véu prateado se acumulou em sua palma, uma das criaturas foi até a fonte de luz que ele gerou. 

 

— Maya? O senhor é o avô dela? 

 

Sua expressão mudou levemente, mas logo voltou a seu estado sereno. 

 

— Sou o guardião dela, seus pais me confiaram a segurança dela, mas não me atrevo a tomar o lugar deles em sua vida… Ela é especial, assim como você, Samuel. — Ele abaixou a mão estendida e virou para mim a cabeça para mim, seus olhos brilhando fracamente em prata enquanto me encarava.

 

— Eu… gostei da Maya, ela é bem legal. 

 

Ele fechou os olhos com um sorriso e expressão satisfeita. Nesse silêncio, pude pensar sobre suas palavras, um dos livros que li na biblioteca do meu avô diz que os lunitas têm a capacidade de curar as pessoas com os poderes que a Dama da Lua divide com elas. O que um ancião dos lunitas que é capaz de entrar na penumbra consideraria especial em mim?

 

Gostaria de ter inocência e ingenuidade o bastante para pensar em coisas mais simples. A sensação de ser algo a ver com o paranormal era quase uma certeza, minhas capacidades pareciam ser vistas como uma anomalia mesmo para os mais fortes, como meu tio e avô. Já me perguntei muitas vezes quais são as diferenças entre nós, mas as respostas nunca chegam.

 

— Como o senhor consegue vir para cá? Você é um anômalo também? Como a Maya? 

 

Ele soltou uma risada.

 

— Não, nada tão complicado… apenas um homem muito íntimo de seu patrono, e de tal forma posso receber uma passagem paga pela Dama para poder meditar e conhecer este lugar sobre uma nova perspectiva.

 

— A Dama da Lua te traz aqui?! Isso é incrível!

 

Ele fez um bico como uma criança com orgulho e vergonha de uma conquista. Os patronos dão algumas habilidades para quem julgam dignos de tê-las, mas a capacidade de entrar e sair da penumbra pelo presente de um patrono com certeza é algo incrível. Até os comuns podem receber presentes de um patrono, mas pelo que sei são coisas muito mais simples.

 

— Como é ter um patrono? 

 

Sua expressão ficou curiosa. Ele me encarou por alguns minutos antes de olhar para a estrada em direção à minha casa e sua expressão mudar e ficar serena novamente. Ele se levantou do assento e se virou para mim, seu olhar contendo o mesmo brilho prateado único e estranhamente fraternal. 

 

— Você apenas terá que procurar um pouquinho mais dentro de si e prestar mais atenção nos detalhes, mas com certeza sua guardiã poderá te explicar melhor do que eu sobre isso. — Ele olhou novamente para a estrada e segui na direção do seu olhar.

 

O medo e o encanto se misturaram dentro de mim ao ver quem me esperava. Uma linda forma lupina com pelos avermelhados e pretos olhava em direção ao ponto, suas patas finas com pelo negro parecia desfilar enquanto caminhava até nós com elegância. Se alguém a visse na realidade, seria descrito apenas como um lobo guará, mas para mim ela foi uma das minhas primeiras amigas.

 

Minstra… 

 

Seu olhar lupino tinha um encanto sábio ao parar em frente ao ponto. Ela se sentou com suas patas traseiras e olhou para Simão, abaixando-se  em uma reverência, algo que ele retribuiu. Levantei-me e andei em sua direção, após terminar sua reverência ela se levantou e se virou em direção à casa. Antes de segui-la, me virei para Simão. 

 

— Foi legal conversar com você… diga para Maya que estou ansioso para nosso encontro amanhã. — Virei-me para partir. 

 

— Samuel… 

 

Olhei para o senhor Simão, que parecia um pouco mais relaxado com seu ar de sabedoria, tendo elevado-se de algum modo.

 

— Dentro de você, há agentes de mudanças incríveis. Sempre que se sentir perdido ou confuso, basta olhar para o que sua alma faz parte e se lembrar do porquê você é o que é hoje… seu dom é mais profundo do que qualquer um pode imaginar. 

 

Fiquei em silêncio sem saber o que responder. 

 

— Espero vê-lo novamente algum dia, Criança do Sol. — Ele virou as costas para ir em direção à cidade. 

 

— Obrigado… 

 

Fiquei perdido por alguns segundos antes de seguir a Minstra. Olhei para o céu enquanto andava e refletia nas palavras do senhor Simão, o que há dentro de mim que pode trazer mudança? Olhar melhor os detalhes da minha alma? Muitas perguntas se formavam e cada vez mais ficavam mais confusas, tentei separar em partes antes de focar em algo.

 

Por que eu sou o que sou hoje…?

 

Minstra caminhava em silêncio à minha frente. As pequenas criaturas ainda me seguiam e se aproximaram mais quando passamos pela parte obscurecida pelas árvores. Tentei meditar enquanto caminhava, mas os questionamentos ainda me incomodavam. Minha casa logo apareceu após atravessar a parte escura da estrada, notei que havia um véu dourado que formava uma barreira em torno dela. 

 

Olhei para o caminho atrás de nós para ser surpreendido com a visão. O caminho escuro estava cheio de flocos brancos levitando pela atmosfera umbral, mais dos portadores da luz começaram a aparecer e com isso mais flocos de luz surgiam. Os dois que ainda me seguiam e estavam dançando mais animadamente ao meu redor então voaram em direção à minha casa para as concentrações de luz dourada.

 

Os portões abriram para Minstra e eu passarmos e se fecharam atrás de nós. Atravessamos o quintal e chegamos à porta de entrada, ela se abriu para nós também e Minstra subiu a escada para o segundo andar ao invés de irmos para a sala como normalmente fazíamos. A dúvida estava presente, mas apenas a segui em direção ao segundo andar e depois em direção ao meu quarto.

 

A porta se fechou atrás de mim quando entrei no quarto. Ela se sentou onde estaria minha cama na realidade física, sentei-me sobre os calcanhares à sua frente e a contemplei em sua beleza lupina. Seus olhos castanhos tinham um encanto único que me fazia querer apenas olhá-los para sempre, seu corpo atlético coberto de pelos sedosos tinha uma elegância única. 

 

Seu passeio foi divertido? — Sua voz apareceu em minha mente, calma e com um toque de repreensão.

 

— Pensei que seria mais rápido… 

 

Foi algo útil para você de certa forma, Simão é um homem sábio e espero que as palavras dele permaneçam em sua cabeça por muito tempo. 

 

— Sim! Eu… só não as entendi completamente.

 

Seu olhar calmo teve um pico do que parecia diversão. 

 

Faremos algo novo hoje, diferente da meditação, mas igualmente útil para você conhecer melhor… as partes ocultas da sua alma. 

 

Minstra me ensinava como controlar a energia dentro de mim. Como meu fluxo funciona a todo momento e se faz sozinho, tudo que eu precisava aprender era como controlá-lo para meu próprio conforto. Ela sempre parecia dançar em torno de suas lições, como se estivesse ansiosa para chegar em uma parte, mas teria que passar por um outro processo primeiro.

 

Devo admitir que eu também compartilho desse sentimento. As formas de poder sempre foram meus objetivos, as obras da irrealidade são algo que eu quero entender, como elas são feitas e como funcionam. De certa forma, o fluxo é uma obra já que é uma forma de poder único para cada um, mas ele é muito mais visto como um sexto sentido, já que todos os anômalos são capazes de realizá-lo.

 

É errado querer pular as fases para ir direto para a parte interessante. Minstra me ensina como o fluxo funciona simplesmente porque eu pulei essa parte, a forma inconsciente que eu o realizo é única, mas ela me disse que é melhor eu aprender parte por parte desse processo para que minha compreensão se eleve. É estranho sentir que estou vendo algo que inconscientemente já sei, mas ao mesmo tempo é interessante. 

 

— O que vamos fazer? — Quebrei o silêncio. 

 

— Na penumbra, ensinei-te a controlar seu senso astral e a forma teórica do fluxo, mas agora vamos nos aprofundar mais em você e seu espírito para realizar a forma prática… Feche seus olhos, siga a canção da sua própria existência que vem de dentro de você… lembra-se de como te ensinei? 

 

Fiz o que ela mandou ao fechar meus olhos. A forma teórica do fluxo é até que bem simples de se digerir, o fluxo é a conexão de alma e corpo no sentido literal da palavra. Como se ambos ocupassem o mesmo espaço, mas nunca se tocassem a menos que façamos isso de forma manual e consciente… para a maioria dos anômalos. 

 

Quando a alma entra em contato com o corpo, ela amplifica nossos sentidos e corpo para o astral e suas coisas. Isso permite manipular melhor a energia sine já que o fluxo amplifica o senso astral. Com essa conexão, também dá para usar energia Fie diretamente, já que a alma é conectada ao astral. A alma se parece, para mim, como uma esfera incolor vagando sozinha em um espaço sem nada além de estrelas distantes para acompanhá-la. 

 

Afastei os pensamentos irrelevantes para me aprofundar mais em minha consciência. Primeiro veio o silêncio completo de meu espírito e me aprofundei mais até ver a forma que eu visualizo minha alma, o espaço vazio com a esfera incolor flutuando no nada se formou em minha mente. Uma ponte de luz cortava a escuridão, ela parecia ser feita de vidro escuro e seu interior corria uma forma crua de energia.

 

Segui a ponte até a esfera incolor que parecia infinita para mim. A escuridão ao meu redor parecia sussurrar para mim, a ponte de luz era a única coisa que brilhava, sem contar a esfera. Pensar que esse lugar é a representação do fluxo é algo fascinante e assustador. Esse vazio no qual a única coisa que brilha é a nossa alma me faz perguntar onde ficaria esse vazio?

 

De dentro da esfera, a melodia chamava por mim e eu a segui. Colocando minha mão sobre a superfície da esfera, minha consciência foi puxada para dentro enquanto entrava em um estranho estado de dormência. Segundos se passaram no silêncio antes do frio glacial me abraçar de todos os lados enquanto estudava meus arredores no qual fui colocado.

 

Esse lugar…

 

A grama do chão estava coberta por uma fina camada de neve. Os flocos brancos caíam do céu com nuvens cinzas, as árvores ao meu redor tinham troncos intrincados com a aparência de um vidro azul escuro com muitas formas gravadas em suas extensões e galhos. Os galhos eram cobertos por folhas vermelhas de um tom tão intenso quanto o sangue.

 

Uma luz dourada ondulante chamava por mim entre as árvores mais à frente. Segui a sensação enquanto notava as coisas ao meu redor, mesmo com a neve e os ventos, eu não estava com frio, na verdade, é como se eu estivesse… em casa. Segui a luz até encontrar uma fogueira de fogo dourado, ele dançava em sua base com várias pedras em seu contorno. 

 

Ao redor da fogueira, haviam três totens de pedras com detalhes únicos. O totem da esquerda tinha linhas verdes em sua forma semelhante a uma caveira, o totem da direita tinha a forma de duas mãos com uma pedra vermelha pulsando entre elas. O último estava de frente para mim, um totem tinha um círculo com alguns raiamentos em sua circunferência, ele tinha linhas douradas vibrantes. 

 

Sentei-me em frente à fogueira observando as três formas estranhas. Um leve desconforto percorreu meu corpo enquanto observava o fogo, ele cantava para mim, mas lembranças antigas faziam apenas a sensação semelhante de calor parecer desconfortável. Uma presença apareceu para mim, quase instantaneamente reconheci Minstra se aproximando pela frente.

 

Você não precisa ter medo, Samuel, aqui é o lugar mais seguro que existe para você, o local mais íntimo onde tudo que você ama te espera ansiosamente.

 

A Guará apareceu e seu pelo estava carregado com alguns flocos de neve. Ela contornou a fogueira para ficar à minha direita, ela estava olhando para o fogo à nossa frente com encanto em suas feições lupinas. Segui seu exemplo para observar a chama, a cor dourada tinha faíscas vermelhas e negras que saltavam para a atmosfera e contornavam  as pontas da fogueira.

 

É lindo… 

 

Que lugar é esse, Minstra?

 

Ela olhou para mim. Seus olhos eram muito mais humanos do que qualquer outra coisa, o anel dourado ao redor de suas pupilas mostrava que, de alguma forma, ela era conectada a mim. Ela parecia satisfeita, como se um momento muito aguardado chegasse… mas parecia estar ponderando antes de falar.

 

Essa é sua alma. 

 



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