Aspecto da Penumbra Brasileira

Autor(a): Jhen Faber


Volume 1

Capítulo 8: Perigos a Espreita

Na hora mais escura da noite, barulhos de batidas e choros são ouvidos em uma casa pequena e pobre.

O isolamento acústico da casa não é bom o suficiente para esconder o som, mas ela ficava em uma região perigosa de Plíris.

Mesmo no lugar governado por um dos picos entre os mortais, a violência não deixa de existir.

Em um mundo que em menos de três décadas teve que lidar com novas raças, a taxa de criminalidade cresceu junto com a desconfiança.

Em um quarto, uma mulher magra segurando um bebê trêmulo de frente com um homem sujo com o rosto vermelho e o cheiro de álcool esbraveja com os olhos tempestuosos.

— QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA ME MANDAR PARAR DE BEBER?! QUEM VOCÊ ACHA QUE COLOCA DINHEIRO AQUI!

Uma voz completamente alterada, sem se importar com o medo de sua esposa doente. Se ele foi um bom marido algum dia, deve ter sido muito no passado. Ele que caiu para a miséria em jogos e álcool agora deixou de ser um marido ou pai.

Não existe mão de obra para cuidar de todas as pessoas, mesmo com magia. Enquanto os superiores se concentram em grandes males, os pequenos se proliferam como uma praga.

Se eles forem encontrados por soldados eles serão freados, mas…

“Eu prefiro obliterar a praga com um toque de diversão.”

Olhos cinzas brilham no céu, como se fosse um predador que encontrou sua presa. No escuro da noite seu corpo se mistura com o ambiente, o tornando imperceptível para os leigos, mas se houvesse alguém que visse isso, ele se assustaria.

Um sorriso no rosto seu corpo desce ao chão, e de volta no seu território natural ele abre a boca.

Centelha Anímica!

Com a declaração do nome da habilidade, a potência dela aumenta significativamente, criando raios brancos que iluminam seu corpo. Inclinando para o seu alvo e comprimindo ao máximo seus músculos.

Essa não é uma habilidade que criei pensando em disparar, foi mais uma que criei com a mentalidade de superar as limitações naturais impulsionando meus sinais elétricos, em troca de abandonar a capacidade total de disparar raios.

Bem, consegui uma brecha controlando meus sinais elétricos, enviando eles por meio do contato que frequentemente uso para acordar quem dorme demais ou para fazer uma entrada interessante como “um ataque invisível, como uma fúria divina para aqueles que sofrem”.

Para mim, salvar ou não é uma brincadeira. Em todos os lugares que estou escuto aqueles que clamam por ajuda, mas eu só tenho um corpo. A decisão da vida é escolher entre muitos.

Escolhi vir aqui em detrimento de outros lugares. Mesmo enquanto treino as duas crianças, percebo vidas cessando. No entanto, quando eu deixar de viver a minha vida, tudo não tem sentido.

A minha melhor decisão foi viver na floresta, sentir a natureza que é a existência mais pura do que tudo que eu vi. Sem sentimentos envolvidos, ela pode trazer desastres como providenciar a vida.

Como a natureza, os desastres que eu trago não são por raiva e podem abrir possibilidades. A culpa é daqueles que entraram no meu território despreparados, sem conhecerem as consequências que vão pagar.

Aliás, meu território é tudo dentro da minha percepção, mas eu dou liberdade de expressão para todos. Acho que se eu vivesse mais, poderia ser um democrata.

Agora só acabar com a praga que bagunça meu território, eu sou democrata messias. Bagunçou vai levar soco.

“Bem, bem. Um golpe é suficiente.”

Usando minha capacidade máxima, disparo como um raio em direção à frágil casa. Um toque descuidado vai demolir a casa, portanto preciso reforçar tudo aquilo que eu tocar com poder mágico para impedir o colapso.

A trilha de raios entra pela janela e chega ao teto, mas nenhum deles consegue reagir à aparição. Ainda que se possa sentir as flutuações de mana quando ela gera um efeito, se algo que supera sua capacidade de reação, tudo se torna inútil.

Além disso, não é porque se pode sentir a flutuação, que alguém despreparado vai entender o que está acontecendo. Por isso que é fácil alguém que realmente sabe usar mana pode caçar pessoas aleatórias, mas tem dificuldade em enfrentar aqueles com conhecimento.

Claro que existem aqueles que são tão habilidosos em manipular a mana, que mesmo as flutuações não são expostas, mas eu ainda não sou um deles. No máximo eu consigo fazer exercícios de mana sem mostrar.

Os soldados próximos a muralhas me pareceram esquisitos na primeira vez que vi. Depois de estudar a cidade descobri que são os professores da Academia que estão protegendo as muralhas.

O ano letivo está começando e eles estão focados em impedir problemas nas muralhas.

É uma pena pensar que eles não impediram a invasão de uma única pessoa. Eu só tentei usar mana dentro das muralhas e em um nível bem baixo porque não sabia o que eles fariam.

Entrando na residência, eu fico de cabeça para baixo com os pés no teto, eu começo a pensar:

“Se eu der um golpe muito profundo, vai simplesmente explodir tudo.”

Olhando para a sua garganta que está proeminente pelos gritos que ele soltou, eu abro minha mão esquerda simulando uma espada e decido usar a ponta dos meus dedos para perfurar.

Vendo a mulher e a criança, eles não vão sobreviver muito mais, mesmo que eles fujam, eu sinto que ele vai perseguir ambas com uma faca, e dificilmente erro nesses assuntos.

“Vocês duas têm sorte, alegressem.”

Pulando do teto em direção ao homem, eu estico o braço fazendo meus dedos transpassar sua garganta e antes que o sangramento saia eu uso a Centelha Anímica para gerar uma queimadura elétrica.

De volta no chão, eu tiro quatro moedas de ouro que consegui como mercenário com minha mão direita e as coloco no chão, e salto em direção a janela fugindo do lugar.

Alguns dos professores que estão de vigia na muralha sentiram meu poder mágico, mas só preciso parar de usar e correr para a casa. Entretanto é melhor usar uma distração.

Reforço meu espírito, gerando a minha aura cinza que jogo em direção a um clube ilegal e corro para os becos.

“Não se preocupem, o sacrifício de vocês não será em vão.”

— A-aah!

Enquanto me distancio escuto uma voz fraca que expressa o susto que ela tomou. Bem, com duas moedas de ouro ela pode se tratar no templo e uma é o suficiente para ela sobreviver por um mês sem trabalhar.

Ela recebeu melhores chances de sobreviver, se ela falhar a culpa é dela. Não que ela vai sobreviver ao fim do mundo, mas eu não vou estar lá para ver. 

“O pirralho acordou para ir para o banheiro?”

Ainda faltam horas para o sol nascer, entretanto parece que tenho que voltar para casa. Eles se mostraram mais divertidos do que imaginei ontem. Eu estava principalmente fora da cidade fazendo missões de invasão que são mais divertidas.

Minhas saídas noturnas nunca foram pegas nesses dias. Porém parece que posso ser pego por um descuido. Mas ainda tenho uma carta na manga que pode tirar as dúvidas.

Percebendo a minha ausência ele começa a revirar a casa, e sua voz fica cada vez mais agitada. Contudo, não satisfeito com a bagunça o pirralho invade o quarto da fedelha com fala uma voz agitada.

— Acorda Ana! Frey sumiu. A gente fez algo errado?

— Hum?... Como assim?

Escuto a menina responder com uma voz cansada, ela está com problemas para processar a informação, pois acabou de acordar.

“Foda-se. Menos um ponto como marido, quem acorda a esposa com tanta violência?”

Já estou bem distante dos professores, portanto começo a me reforçar e corro em alta velocidade. Sem tempo para mais brincadeiras eu pulo a janela de uma vez com a suavidade de uma pena e vejo a cena de ambos desarrumados e com uma respiração desestabilizada.

— Aonde você foi?!

— …… O que aconteceu?

O menino com uma voz alta e a menina com uma voz cansada perguntam. Eu com o meu melhor sorriso digo:

— Eu também sou homem, vocês são muitos novos para me entender.

Eu minto com tanta convicção que até mesmo eu acredito no que disse. O garoto inclina a cabeça com uma expressão de dúvidas, mas a menina que olha para o meu rosto fica com o rosto vermelho.

Ela fala com um tom envergonhado:

— Não ensina isso para o Alisson.

Acariciando o próprio queixo e com um sorriso sábio eu falo:

— Hohoho! Ele vai precisar conhecer algum dia.

“Foda-se. Mas deu certo, ainda bem que criei esse plano de contingência.”

— ……?

Com dúvidas maiores com a nossa reação, o garoto inclina ainda mais a cabeça. Decido mudar de assunto para aliviar a tensão da menina que tem olhos questionadores.

— O que acha da gente sair para comer? Você pode chamar os seus pais, eu pago.

Guardei algumas moedas para casos de emergência. A segunda melhor coisa para unir as pessoas e aliviar o estresse, a comida. Ela só fica atrás de uma briga, mas se eu brigasse com todos os quatro, não seria uma briga.

A menina que recebe as minhas palavras abre os olhos como se o sono desaparecesse. Até o garoto que a muito tempo se perdeu em nossa conversa fica radiante.

Não acredito que eles vão conseguir dormir, então me aproximo rapidamente de ambos e os toco apagando suas consciências.

Eu olho em direção a Academia Plíris. O isolamento acústico deles é impressionante, então ainda não consigo ouvir em alguns lugares. Mas a parte comum é está toda sobre meu território, e sinto que algo está vindo.

***

Sentado em sua poltrona, Alden coça sua barba proeminente com uma expressão complexa.

Poucos dias se passaram desde a mensagem que Frey chegou na cidade, mas ele nunca deu um sinal de que iria aparecer. Tudo que ele sabe é que Frey está na trabalhando como mercenário e treina dois jovens.

Ainda que a vida de Frey seja bem produtiva, os seus recordes na guilda de mercenários é impressionante. Ele está trabalhando sozinho e aceita principalmente missões de invasão, investigação e aniquilação.

Eu gostaria de conhecê-lo pessoalmente, mesmo com os rumores esquisitos, como de ele ser um exibicionista que anda com poucas roupas, e que ele é inconstante.

“…… Deve ser um equívoco. Quanto mais forte alguém, mais o seu espírito floresce.

Ele está pensando em Frey por um motivo bem simples. Alden acabou de receber informações que podem ser necessárias a ajuda do homem e tem muito haver com ele.

Forjadores de Essência, um grupo de ferreiros lunáticos apareceu na cidade.

Embora o nome ferreiro não seja imponente este grupo em específico são adoradores de demônios que podem ser considerados moderados e além disso recebem apoio externo, os tornando um estorvo.

O objetivo principal deles é criar armas, algo que Alden aceitaria de bom grado se não fossem os métodos deles que desafiam a ética e moral.

“Artefatos feitos de seres vivos.”

Artefatos são criados quando o espírito de um ser vivo faz algo não vivo com o mesmo atributo inato reagir. No entanto existe um jeito mais fácil de ser feito, eles são feitos com restos mortais o que não garante sua criação.

Refinando seus corpos enquanto ainda estão vivos, eles criam armas. Quanto melhor a matéria prima, melhor a arma. Artefatos estão sempre em demanda, e eles vão onde existem compradores. 

Muitos cativos de Avalon eram transformados em armas, e eles parecem ter conexão com nobres e comerciantes. Apenas por pensar nisso sua cabeça fica quente de raiva.

Sua chegada só quer dizer algo. Vingança contra Frey que destruiu a sua melhor mina e eles querem usar jovens talentosos com potencial não desenvolvido são alvos perfeitos.

Nunca fui um apoiador de um banho de sangue como o de Avalon, mas nunca permitiria que alguém profanasse esses jovens que estão sob minha proteção. Pelo menos para fazer eles saírem da cidade.

Os professores não conseguirem impedir que os Forjadores de Essência entrassem enquanto eles estão nos muros é estranho. Eles devem ter alguma mão dentro da Academia…



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