Volume 1
Capítulo 10: Devaneio
A força é progressista, o passado serve como pilar e apenas. Viver pensando no passado é um retrocesso, que está em desacordo com o significado de transcender.
Quanto mais forte alguém é, menos instável ele é. Nós não fomos criados ao molde de um castelo de areia. A partir do momento que nós nos estabilizamos, subimos de Rank.
Alguém só transcende ao se tornar inflexível ao passado. Por consequência, a índole deste alguém se torna firme. Uma essência podre dificilmente seria reparável.
Aliás, o Rank mais alto que temos registrado, é o comandante geral dos anjos da deusa Seira, um Rank 13. O criador do voto de silêncio que impede de divulgar sobre o Telos Panton.
Se a informação vazasse, uma confusão nunca antes vista aconteceria. Não sabendo o que vamos enfrentar, atiçar os ânimos é contraproducente.
É irreal que muitas raças diferentes se unam verdadeiramente para o bem maior. 25 anos é muito curto para desenvolvermos uma amizade genuína. O preconceito e opressão existem dentro da mesma espécie e sempre vão existir.
Bem, isso é o que me deixa curioso. Enquanto existir conflitos não iremos ser forçados a evoluir pela sobrevivência. Quanto pior a situação, mais dramática terá que ser essa evolução.
Na era do advento, com anjos surgiram fisicamente a primeira vez registrada. A primeira deusa a aparecer na nossa dimensão foi Seira, a deusa da ordem, luz e cura.
Em meio as suas relíquias que entraram em colapso, os mensageiros de Seira chegaram. As palavras que estão registradas nos livros de história são:
“Vocês alcançaram o próximo estágio.”
Aquela foi a primeira e última vez das aparições dos anjos na história dos humanos até a grande fusão. Eles não fizeram grandes movimentos além de dar a notícia no advento da mana, mas na grande fusão eles começaram a dar muito apoio.
Provavelmente se não existissem restrições que impedissem de Transcendentes de alto grau interferir intensamente com inferiores, os anjos de Rank 8 e superiores fariam questão de fazer isso.
Devido a restrição de não interferência, dificilmente haveria interações diretas destes seres, e a fé acabou ganhando muitos padrões, mesmo que seja um fato a existência de deuses.
No nosso mundo como exemplo, uma guerra aconteceu após o advento da mana. Se eu puder fazer um palpite, foi pela soberania. Ironicamente, eles perderam mais do que ganharam.
Naquela época a mana era algo novo, eles tinham perdido suas relíquias mais fortes, portanto eles recorreram a espadas, escudos, etc. Mas isso não muda o fato que eles foram precoces e arrogantes.
As bestas de sua época também podiam usar mana e os humanos estavam exaustos com as guerras. Aquele deve ter sido o momento mais sombrio da humanidade, no entanto também foi o que mais os proporcionou uma evolução.
Para evoluirmos necessitamos de potencial, necessidade e tempo. Potencial sem necessidade gera a atrofia, necessidade sem potencial a extinção e o tempo o fator determinante. Mas haverá muitas falhas no caminho.
Contemplando para o presente, não é incomum que indivíduos pulem dezenas de metros apenas com força física, imagine usando a mana. Isso causa medo nos eruditos e alguns clãs.
É ingênuo confiar em quem você não conhece, a não ser que você tenha certeza que eles não poderão escapar. Não que me importe, achei os dois interessantes e qualquer problema que possa acontecer eu vou resolver.
Ainda assim, fico curioso com o desenrolar de tudo isso. Como seria um mundo que superou o que foi previsto como o fim?
Abrindo meus olhos enxergo mais claramente o lugar. Ainda que eu veja com os olhos fechados, é uma visão enfraquecida comparada com os olhos abertos.
A casa é bem arquitetada, e revestida com madeira dando, que pessoalmente me agrada. Comparado a castelos, ele pode ser chamado de miserável, mas para viver é o suficiente. Os castelos são símbolos de poder, que mesmo como a minha o usam para impor respeito.
Mesmo não sendo grandioso, é um lugar reconfortante. Não são muitas as casas tão bem organizadas entre os plebeus, mas eu havia encontrado algumas ferramentas de construção desgastadas.
Nunca parei para ouvir sobre a história dos dois, não que eu precise. Se eles forem somente mais dois que passaram por minha vida, não vou precisar nem do nome, muito menos da história.
— …… Eu vou provar que não sou idiota
Caramba… Esse pirralho fala muito durante o sono. Ele parece que está pensando em mim. Decido olhar para ele e o vejo deitado no sofá com o cobertor no chão. Inconscientemente palavras saem levemente de minha boca.
— Somente idiotas escolhem confiar nos outros para sua vida.
Sim que a fedelha é esperta, no entanto é realmente certo crescer confiando nos outros? Seus problemas vão simplesmente se enraizar e um dia você não poderá mais crescer.
Ver ele apenas tremendo de frio em uma noite me faz pensar como é incrível que alguém assim tenha uma sorte divina de chegar até aqui com tamanha tolice.
Nesses poucos dias aproveitei para conhecer as espécies que são mistificadas pelas pessoas e eles são decepcionantes. 25 anos não é o suficiente para surgir confiança.
Não exijo nada de ninguém, mas eles são normais. Ou talvez eu seja muito caprichoso?
Felizmente meus alunos são apenas estas duas crianças que são folhas em branco. Tentar ensinar com eles seria desgostoso.
No entanto, nem tudo é bom. Por serem folhas em branco tem bastante facilidade para corrigir seus problemas, mas preciso escolher minuciosamente por onde começar.
A sorte não é constante, e a intuição pode falhar. Não existem garantias que tudo vai continuar dando certo. No máximo, eu posso dar as cartas que podem ajudar.
Se eu os treinar eles não morrerão tão fácil, mas é improvável que eles sobrevivam. Se o Telos Panton é o fim destinado, os dois não conseguiriam sobreviver.
Olhando para o menino que fica se mexendo durante o sono, uma ideia me vem à mente. Foi uma utilização que pensei assim que criei a Voz do Devaneio, mas não faz sentido para mim usar este método.
Não existe risco de danos físicos, e qualquer coisa estou aqui para observar. Se acontecer algum problema grave eu conserto.
Primeiro preciso usar a habilidade o mais silenciosamente possível, pois as ruas estão em caos. Nunca vou esconder algo que não precise, visto que é mais interessante desse jeito.
A habilidade usada é “Voz do Devaneio”. Eu sou um dos maiores conhecedores da “Mana”, para conhecer ela, nada melhor que saber seu advento, e sua repercussão.
Ela está integrada a tudo. Este tudo existe sem mana, mas ela abre possibilidades para fazer coisas que são irreal de serem feitas sozinho.
Por existir em tudo, toda vez que a mana se move de maneira não natural, há uma reação. Atributos são uma espécie de intermédio que possibilita a utilização de formas mais complexas que são muito mais desnaturais que a utilização pura.
Tudo possui atributos, mas como cada um reage é diferente. Armas feitas com dois materiais resistentes de atributos diferentes podem quebrar na fabricação ou virar uma arma de Rank superior. E ervas que deveriam virar um antídoto podem se tornar um veneno por causa de seus atributos.
A flutuação de mana ocorre quando tipos diferentes de mana interagem. As opções possíveis são três.
Reduzir a quantidade de mana usada que por consequência diminui a reação, porém para ser viável tem que ter uma ótima manipulação. A eficiência.
Criar uma semelhança com a mana externa para que a flutuação de mana seja menos brusca, mas exige muito do usuário. A filtração.
Determinar a área da reação, e administrar ela. Dentro da área predeterminada a flutuações de mana vão acontecer normalmente. A delimitação.
Usar os três igualmente seria o ideal, contudo focar é mais produtivo. Tudo que vamos construir necessita dos materiais que tem à disposição, imagem do que quer e o plano para chegar do melhor jeito possível.
Fazer muitas coisas de uma vez igualmente pode atrapalhar o crescimento, e se esforçar sem planos causam prejuízos a não ser que seja um monstro. Apesar disto um crescimento eficiente pede um planejamento.
Respirando fundo começo a fazer os cálculos mentais. A fedelha é a única dos dois que consegue entender as flutuações, mas eu duvidas se ela acordaria enquanto ela está cansada. Por garantia vou esconder dela.
Se tudo der certo, vai ser o curso de treinamento escondido até eu conseguir mudar minha habilidade inata. 20 dias de treino intensivo durante os sonhos. Não deve haver um professor que se preocupe com seus alunos como eu!
Apesar de dizer isso, um sorriso brincalhão forma-se em minha boca. Apesar disso, eu fico algumas horas fazendo os cálculos, eu chego a uma estimativa, portanto eu declamo:
— Voz do Devaneio!
Como é a primeira vez que uso este método, é melhor ter certeza. Eu não uso tanto por causa da penalidade, mas vale a pena. Me concentrando, eu imagino 5 pontos coloridos e mais atrás um opaco.
Em ordem são um ponto cinza pálido, um com as cores do arco-íris, um roxa ofuscante, um branco cintilante e um translúcido que é iluminado pelos outros.
Liberação: Irrealidade!
***
De frente de casa, Alisson vê o mundo muito maior que o normal, o deixando confuso. Sua casa é muito mais nova, e ela é barulhenta por ele. Será que Frey consertou?
Nos poucos dias que nos conhecemos, não duvido que ele faria isso por capricho. Uma vez eu acordei e vi ele dormindo agarrado no teto. Outra ele voltou com muitas moedas e ele disse que roubou um ladrão.
O problema são as vozes. Ele sente alguma coisa esquisita, mas não consegue se lembrar de nenhuma delas. Então todos ali devem ser desconhecidos.
Enquanto ele se preocupava, ele decide olhar ao redor, mas antes disso uma cabeça verde aparece na sua frente, fazendo seu coração pulsar. Ele reconhece a cor, então ele sente seu mundo esquentar.
Longos cabelos verdes que parecem reconfortar o seu coração. Olhos azuis parecem conter uma sabedoria que ele instintivamente quer confiar. Contudo, ele sente uma estranheza, ela parece mais fria.
— Vamos Alisson, nós devemos ver seus pais.
A voz entra pelos seus ouvidos, no entanto ele ainda não consegue entender. Parece com a Ana no dia que eles se conheceram. Naquela época ela tinha esses cabelos, mas não me lembro porque ela cortou.
Talvez por seus pais serem cabeleireiros, ela cuida muito bem deles, mas ele não pode deixar de ficar deslumbrado com seus cabelos reluzentes. Se ele pudesse, ele ficaria mais tempo olhando para ela, mas a menina que percebe a atenção dele fala friamente:
— O que foi? Não foi você que disse que meus cabelos eram feios?
— Eu nunca diria…
Alisson fica extremamente revoltado com as palavras de Ana, portanto ele responde imediatamente. Contudo algo vem à sua mente.
“Espera, essas memórias…”
Quando seus pais morreram, Alisson que só queria ficar sozinho tentou expulsar a menina de cabelos verdes que havia aparecido na sua casa. Ele tentou espantá-la com palavras, mas no dia seguinte ela voltou com cabelos curtos.
Seu corpo perdeu as forças, e a menina segura a sua mão e o puxa para a porta de casa. Sem se importar com sua paralisia, Ana grita:
— Senhor e senhora, podem por favor abrir?
Passos são ouvidos descendo e a porta abre, e uma mulher de cabelos castanhos aparece. Alisson não consegue ver o rosto dela, mas ela fala como se o reconhecesse.
— Você não disse que iria brincar e voltava tarde? Temos um convidado importante agora. E você… Pequena Ana?! Você cresceu, como andam seus pais?
— A quanto tempo senhora…
O confuso Alisson, não consegue entender o decorrer dos eventos. Uma mulher sem rosto que o conhece, uma Ana mais nova que o trata friamente, alguém importante visitando. Um sonho?
A conversa deixou de ser importante, Alisson que tenta acordar, aperta a sua coxa com força.
— AAI!
Uma dor excruciante nasce o fazendo berrar. Muito mais doloroso que o normal. Seus olhos lacrimejam pela dor inesperada, como também atrapalha a conversa. Entretanto, a sua voz causou um efeito em cadeia que fez sua cabeça começar a doer agudamente.
Perdendo o controle do corpo, ele cai no chão duro. Sua mente começa a falhar com tamanha dor. A sua visão que está alterada pelas lágrimas começa a voltar rapidamente. Cada momento que passava seus sentidos aumentavam.
Os cheiros pútridos da rua que fazem inconscientemente ele sentir o gosto imundo. Os sons dos arredores estão produzindo ecos que trazem informações que ele não entende. O mundo parece estar mais lento.
“Não é um sonho?”
“O que é isso?”
“Quanto tempo se passou?”
“Porque estou aqui?”
Apesar de tantas perguntas, nenhuma delas foi respondida. Passos são ouvidos como estrondos dentro de casa. Sua cabeça doi tanto que ele fecha os olhos e , mas antes que ele se desse conta, ele conseguia enxergar mesmo que fechasse os olhos.
Saindo da porta, havia dois homens, um deles com o rosto turvo como o da mulher, mas ele tem um corpo robusto que contrasta com o outro homem. Usando um capuz que não esconde o rosto bonito, porém seu rosto é pálido ao ponto de ser mórbido.
O homem encapuzado tinha olhos cinzas como um céu nublado que era acompanhado por enormes olheiras azuladas. O formato do seu rosto lembra Frey, mas o corpo é tão magro que nunca poderia ser parecido com ele.
Deve ser um parente, mas porque ele apareceu agora?
Enquanto ele começava a duvidar de tudo, o homem dar passos lentos e levanta a sua voz:
— E-eu sou…
Doente e quebradiço. Calafrios tomam o seu corpo, ouvindo uma voz que não deveria vir de um ser vivo. Alisson tenta virar a cabeça, mas algo segura sua cabeça.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA…
O susto o faz tentar gritar, mas uma espada negra é colocada sobre seu pescoço. E uma risada que ele não sabe quando apareceu começa a ser ouvida retumbantemente pelo mundo.
Luas brilhantes aparecem no céu, e o céu escurece rapidamente. Seu coração para de bater o sua consciência é engolido por uma praia com areia branca e um mar vermelho. Refletidos nas luas, números escuros e algo irreconhecível são refletidos.
[184] [?¿?]
“O que é isso?!”
— AAAAAAAAAAAAAH!
Alisson pula da cama com toda a força e o cobertor cai de cima dele. Seu olhar confuso inspeciona os tudo e ele vê a escuridão e sente um cheiro pungente. Ainda em devaneios, Alisson começa a se mover violentamente, mas uma voz grave o desperta.
— Parece que você teve um sonho incrível.
Era uma voz que emanava confiança, fazendo Alisson pular em direção a ela por instinto enquanto gritava.
— Pai!!