Volume 1
Capítulo 3: Irmandade do Fogo
— Então o lendário mercenário Eroan realmente vive nessa praia escondida — disse o loiro, seus olhos azuis afiados.
— Ex-mercenário — corrigiu Eroan. — O que as novas concubinas de Buttfed querem aqui? Acho que é evidente que não tenho interesse em voltar a companhia.
O jovem loiro levantou as sobrancelhas. O de cabelo castanho se mantinha afastado, com o rosto tensionado, como se estivesse preparado para correr se precisasse.
— Felizmente o mundo não gira ao seu redor, grande Eroan.
O ex-mercenário cerrou os olhos.
O jovem medroso deu um sobressalto ao ouvir a ousadia do colega.
— E essa adaga? — Continuou ele, percebendo que Eroan segurava uma.
— São para visitas inconvenientes. Espero que vocês não se enquadrem nessa categoria.
O loiro sorriu para seu colega, seu amigo não achava nada daquilo engraçado.
— Estamos procurando uma demônio azul fugitiva — começou —, algumas testemunhas disseram ter visto ela descer a praia.
— Não sei nada sobre nenhuma demônio azul.
— Ah é? — O garoto tentou olhar para dentro da cabana sobre o ombro de Eroan, que tampou sua visão. — Ela tem pernas inconfundíveis. Não viu nenhum par correndo por sua praia não?
Eroan bufou.
— Acabou o passeio. — Disse, então fechou a porta.
Mas o moleque a segurou antes que fechasse totalmente. Seu colega ficou branco como giz.
— Ei, ei… — disse o castanho segurando o ombro do colega — eu não acho que tem ninguém aí, vamos embora.
Eroan abriu a porta lentamente com o olhar de dois mil diabos. Esse moleque pensava ser muito mais do que realmente era, um recruta. O garoto de cabelos castanho tremia as pernas como um proto recém-nascido.
— Você não está acima da lei, seu velho.
Agora o pobre garoto castanho hiperventilava como se tivesse asma.
— Vamos embora — dizia ele, com seus olhos lacrimejando em meio aos pingos de chuva — não há nada o que fazer aqui.
A adrenalina de Eroan rugia. Memórias… memórias… sangue, membros dilacerados… traições. No fim, lembrou-se do porque queria ser deixado em paz. Encarou os dois moleques com seu olhar perturbado, eles se contiveram. Até o mais corajoso engoliu em seco.
— Sejam rápidos se não quiserem ser o motivo de eu ir parar na forca.
O mais dedicado ao trabalho ajeitou sua postura e entrou. O medroso o seguiu sempre vigiando Eroan com os olhos.
O ex-mercenário pegou o balde de peixes, que havia deixado ao lado da porta, e o colocou sobre a mesa, então seguiu os rapazes.
— Sua casa é bem pequena — disse o loiro — apenas dois cômodos. Onde você caga?
O seu colega dava risada nervosas sempre que o amigo falava e checava a reação de Eroan.
Eles olharam o cômodo de entrada, onde havia a lareira. Por onde eles andavam, criava-se uma poça. Eroan pensou que podia fazê-los enxugar tudo, mas agora apenas queria se livrar deles.
Eles seguiram para o quarto e viram como o lugar estava cheio de pegadas molhadas.
— São suas pegadas?
— Não consegui fugir da chuva — disse Eroan com um sorriso de ódio, exibindo seu visual encharcado. — Mas alguma coisa?
O loiro se abaixou em frente ao baú, que ficava aos pés da cama. Quando tocou a fechadura, Eroan, logo atrás, sussurrou em seu ouvido:
— Você realmente acha que tem alguém escondido aí?
O garoto tomou um susto e se afastou. Se colocou de pé e pigarreou.
Tendo se recomposto, bateu o pé no chão. Não havia porão e nem um fundo oco que desse para esconder alguém. Sacou sua espada e cutucou o teto. Se tivesse alguém no teto, teria dado para ver do lado de fora. Ele se aproximou do armário e puxou a porta sem pensar duas vezes. Eroan bloqueou e ela voltou a se fechar com um baque.
— O que eu disse sobre demorar demais?
O garoto levantou os olhos para Eroan.
— O que foi, não quer que vejam suas calcinhas?
Eroan impôs o seu tamanho sobre o garoto, que apenas ia até seu ombro. Seu punho direito girando a adaga. O de cabelos castanhos puxou o braço do colega e falou com a voz fina, assustada:
— Va-va-vamos, não há nada para se ver aqui…
Ele se livrou do aperto do colega e não parou de encarar Eroan.
— Agora estou curioso para ver o que você esconde aí.
— Por quê!? Por quê!? Pelos deuses! — Dizia seu colega.
Eroan chegou a um impasse. Não teria como escondê-la. Rangeu os dentes. Se os impedisse de olhar, poderia estar cometendo um crime. Se eles a achassem ali dentro, seria outro crime. Seria o jeito ele mesmo entregá-la e exigir uma recompensa por isso. Ele suspirou.
— Tudo bem, eu vou mostrar a vocês quem… o que está aqui dentro. Se afastem.
Os garotos se afastaram.
O loiro com um olhar suspeito, a mão sobre a espada.
Que se dane, eu queria conversar com ela sobre um assunto em particular mas... que se dane.
Ele abriu a porta.
Os rostos deles assumiram um ar de confusão, inclusive o de Eroan, mas conseguiu disfarçar rapidamente. Não havia ninguém ali. Apenas suas roupas, e alguns objetos pessoais.
— Quanto suspense para nada! — Falou o garoto loiro.
— Vamos, agora vamos! — Puxava seu colega.
— Aí, que seja… vamos.
Eroan acompanhou eles até a porta, pensativo.
O garoto loiro ainda falou, no lado de fora:
— Você deveria voltar a companhia…
Mas Eroan fechou a porta na sua cara.
Ele foi até o quarto e abriu a porta do fundo. Havia um rochedo a poucos metros. Ela poderia ter facilmente contornado a casa enquanto eles conversavam e então ter subido a praia para fugir. Ele olhou ao redor… e lá estava ela. Sentada numa poça d’água, abraçando os joelhos, sendo banhada pela chuva, sua respiração fora de ritmo.
Não fugiu.
Eroan disse:
— Entre, vamos conversar.