Volume 2
Capítulo 79: Bella (1)
— Vamos, Docinho.
— Sim, senhor Gênio.
Estacionamos o carro e fomos para a entrada do aeroporto de Incheon. Estávamos perto do portão de desembarque, por onde as pessoas saíam da área de bagagem. Muitas estavam se reunindo e abraçando familiares e amigos, foi uma visão e tanto.
— Nós não deveríamos estar segurando uma placa ou algo do tipo?
— Não sei.
— Com ela vai nos reconhecer?
— Ele disse que a filha dele era a garota loira mais linda.
— … isso é uma informação confiável?
— Que seja. Já é hora. Vamos dar uma olhada.
Era verdade que Odin era um cara loiro bonito. Portanto, se ela fosse como ele, poderia ser muito linda.
Já eram quase 9 horas da manhã e as pessoas começaram a sair pela porta de novo. Logo, um grupo apareceu e, no meio dele, havia uma garotinha loira acompanhada de uma mulher estrangeira em roupas formais.
— Minha nossa! Ela é mesmo muito bonitinha!
Min-jeong e eu estávamos maravilhados. Ela era muito fofa!
Cabelo loiro, pele clara e delicada, olhos grandes. Como Odin havia dito, ela era linda e se destacava com facilidade. Dava até medo.
Min-jeong acenou como uma louca. A mulher de meia idade deve ter notado a gente também, porque estava vindo em nossa direção.
— Kim?
— Sim.
Ainda bem que ela falou no idioma local. Estava com medo dela falar algum idioma estrangeiro desconhecido para mim. Ela me entregou uma grande mala de viagem.
Olhei para a garotinha.
— Bella?
Ela deu um sorrisinho e assentiu.
— Ai, meu coração!
Com o sorriso fatal dela, Min-jeong mais uma vez foi atingida em cheio. Olhei para Bella e me apresentei.
— Kim Hyun-ho.
— Hi-no.
— Hyun-ho.
— Hi-no.
— Hyun, Ho!
— Hi, no!
— Pare com isso!
Min-jeong me deu um tapa nas costas. A mulher de meia idade, vendo isso, sorriu.
— Oi! Eu sou a Min-jeong. Min-jeong.
— Min-jeong.
— Por que esse saiu tão certinho? — questionei, irritado, e Min-jeong me deu outro tapa.
Bella levantou um pouco a saia e nos cumprimentou.
— Aiii, minha nossa! — Pensei ver os olhos da minha “Esposa Adorável” virarem corações.
De repente, Bella estava envolvida nos braços da Min-jeong. E eu virei o serviçal responsável por carregar a bagagem.
A mulher de meia idade deu um beijo na menina, se despediu e partiu para algum lugar, enquanto seguimos para o estacionamento.
Min-jeong se sentou nos assentos traseiros com Bella e eu fui deixado sozinho na parte da frente. Num instante eu era como um recém-casado, agora surgiu uma criança e eu me tornei um marido que não era prioridade no relacionamento.
Pelo que entendi, Bella tinha nove anos. Bem inteligente e sem nenhuma timidez, ela não teve problemas para se dar bem com Min-jeong.
Chegamos ao prédio em Bucheon e subimos pelo elevador, quando, de repente, Bella vacilou e só não caiu porque Min-jeong a pegou.
— Minha nossa, você está bem?
Mesmo com a barreira linguística, a menina captou a mensagem e assentiu. Minha expressão ficou rígida. Não era uma queda normal, como um tropeço, foi estranho ela ter caído de repente enquanto parada. Essa podia ser a doença que o Odin comentou.
Levamos Bella para o quarto que havíamos preparado para visitas.
— Vamos desfazer a sua mala juntas.
Min-jeong tirou as coisas da mala e começou a arrumar no closet, pendurando as roupas em cabides e guardando as roupas de baixo e meias nas gavetas. Ela colocou o par de livros dinamarqueses ilustrados na penteadeira. Então, algo inesperado apareceu na mala.
— Violino? — Min-jeong perguntou, surpresa.
Bella sorriu e assentiu. Aquele era um modelo pequeno, do tamanho certo para uma criança.
— Você pode tocar um pouco? Hmm?
Min-jeong tentou entregar o violino para ela, implorando para que tocasse, mas Bella não quis, balançando a cabeça para lá e pra cá. Eu parei Min-jeong.
— Ela quase caiu agora a pouco, acho que está um pouco cansada da viagem.
— Ah, é mesmo, desculpe.
Min-jeong deu um beijinho na bochecha da Bella. Foi quando as duas desfaziam as malas juntas e interagiam entre si que eu recebi uma ligação do Odin.
Saí para o terraço para falar.
— Alô.
— A Bella chegou?
— Sim. E como você disse, é muito bonita.
— Eu não minto.
— …
— De qualquer forma, como está a condição da Bella?
— Ela quase caiu, mas conseguimos segurá-la.
— … é mesmo?
— Qual a doença dela?
— É a doença de Lou Gehrig.
— Hã?
Conforme ouvi o nome da doença, congelei. Era muito assustadora. O mais famoso portador dessa doença nos tempos atuais foi Stephen Hawking. E, embora não soubesse muito, eu tinha noção que era responsável por fazer os músculos pararem de responder de forma progressiva, deixando o paciente incapacitade até que, finalmente, fosse incapaz de respirar e…
— Essa é uma doença genética?
— Cerca de 5-10% dos pacientes possuem esclerose lateral amiotrófica (ELA) hereditária, e, destes, 20% estão associados a uma mutação no 21º cromossomo.
O conhecimento médico que fluiu na hora da boca dele. O quão complicado era o problema nas mãos de Odin e essa era apenas uma forma dele demonstrar isso.
— Até pouco tempo, os sintomas ainda não haviam aparecido. Mas, um tempo atrás, Bella chorou. Eu perguntei o porquê e ela disse que os dedos não estavam se movendo muito bem e que ela não podia tocar o violino…
A voz dele parecia tão miserável e desolada que eu logo mudei de assunto.
— Eu vou tentar curar ela, não se preocupe.
— Obrigado.
Terminada a ligação, fui para o quarto onde estavam Min-jeong e Bella.
— Min-jeong, não é hora de comer?
— Ainda são 10 horas…
— Sério? Então por que me sinto tão faminto?
— Bella está com fome também?
Min-jeong passou a mão na barriga e simulou comer alguma coisa. Bella deu o seu especial sorriso fofo e assentiu.
— Certo, espero só um pouquinho.
Min-jeong saiu zunindo para a cozinha. Agora era o momento perfeito.
Fiz uma “chama da vida” e os olhos de Bella aumentaram quando ela viu a labareda aparecer na minha mão. Como pode, até a expressão de surpresa dela era fofa demais.
Empurrei a chama no corpo dela. No começo, ela ainda estava desconfiada, mas conforme as chamas entraram no seu corpo, a sua expressão mudou.
— Isso é bom, né?
Sorri para ela, que achou interessante e seguiu com um sorriso. Entreguei o violino mais uma vez, insistindo que as suas mãos hesitantes pegassem o instrumento.
O rosto dela mostrou uma expressão de surpresa e então a performance começou. Monótona, mas incrível. Era uma melodia que pensei já ter ouvido em algum lugar. Nossos olhos se cruzaram. Ela sorriu de novo, e eu sorri de volta.
O tesouro de Odin era a sua filha. Isabella era mesmo uma criança adorável e amável. Min-jeong correu de volta para vê-la tocar.
— Querida Bella, você é tão boa!
Com o fim da performance, Min-jeong abraçou Bella e esfregou as bochechas com as dela. Bella sorriu, feliz.
Diferente de antes, a menina que recebeu a chama da vida estava muito mais animada. Mesmo a fadiga por viajar longas horas de voo havia desaparecido por completo.
Min-jeong estava trabalhando duro em algo na cozinha por um bom tempo.
— Quer que eu vá ajudar?
— Já está tudo pronto.
O que ela havia preparado era um doce coreano chamado maejakgwa. Farinha, trigo, gengibre, mel, coloca tudo junto e mexe, depois molda como quiser e frita como um biscoito.
— Você, você sabe fazer esse tipo de coisa também?
— Aprendi um tempo atrás. É bem trabalhoso, esteja ciente de que está sendo mimado hoje.
— Uau, é graças a minha fofíssima mulher que eu estou vivendo na mordomia.
— Hehehe.
De forma gentil eu abracei ela por trás e ela gostou bastante. No mesmo instante, escutamos o som do violino de Bella de novo. As mãos dela deviam ter voltado ao normal, deixando-a animada para tocar bastante.
Que excelente música de fundo era. Graças a essa linda melodia, uma atmosfera peculiar brotou. Eu podia escutar as batidas do coração da Min-jeong com os meus ouvidos.
Numa atmosfera como essa, eu não pude deixar de falar algo romântico.
“Como assim? Como de repente ficou desse jeito?”
Do nada, imerso em pressão, resmunguei por dentro pensando no que dizer, não pude deixar de falar: — Acho que vou ter que te recompensar de noite.
Com toda sua força, Min-jeong deu um pisão no meu pé.
— O que é isso!? Eu disse ou eu não disse que meu quadril tá doendo?
— Vo-você falou. Mas eu pensei que você só disse isso por…
— Esses dias, a noitada tem sido assustadora! Você ficou muito bom do nada e sua disposição é monstruosa!
O sentimento romântico sumiu. Ao que parecia, o que eu havia entendido não era o caso.
Min-jeong empurrou o quadril de volta em minha direção e disse.
— Comece de novo do começo, a música ainda não parou.
— Uh, certo.
Ela não era mesmo uma garota comum. Claro que era amiga da Hyun-ji.
Abracei-a por trás de novo e sussurrei.
— Eu te amo.
— … repita.
— Eu te amo.
— Com o meu nome nisso.
— Min-jeong, eu te amo.
— De novo.
— Eu te amo, Yoo Min-jeong.
— De novo…
Olhei para os olhos dela e pude ver as lágrimas brotando. Com gentileza, segurei o rosto dela e a beijei.
— Eu te amo.
Bella gostou muito de comer o maejakwa. Crocante, macio e doce, o gosto que ficava na boca era o melhor.
O tempo todo enquanto comíamos olhamos uns para os outros. Por conta das tantas vezes que nos olhamos, começamos a rir cada vez que isso acontecia.
Podíamos chamar isso de “efeito Bella”.
Depois daquele dia, nossa relação mudou se comparada ao que era antes. Contudo, colocar em palavras seria difícil. A partir dalí, a ousada, descarada e animada Min-jeong era como uma adolescente e tinha ficado bem tímida.
Ela estava cuidadosa comigo, acanhada, até mesmo tinha vergonha de trocar de roupa na minha frente.
Mesmo quando usava meu braço como travesseiro para dormir, momentos depois, caso o meu braço viesse a doer, me cobria até o pescoço com o cobertor de um jeito sutil. Estávamos acostumados a ficar nos olhando, mas, agora, gostava quando ela me olhava enquanto me distraía.
Algo havia tido uma grande mudança. Se era uma coisa boa ou ruim, não tinha como saber.
***
Todo dia eu dava duas “chamas da vida” para Bella. Eram as chamas que haviam tratado a grande Árvore da Vida que alcançava os céus.
Bella havia ficado bem mais animada. Considerando que os primeiros sinais da doença de Lou Gehrig haviam aparecido para essa criança, ela ainda era bem arteira.
“Essa é a verdadeira personalidade dela.”
Uma personalidade brilhante, que sorria bastante, não era acanhada, e fazia amizade fácil. Tinha certeza que ela era na verdade uma criança alegre como nenhuma outra.
Um dia, Bella me deu o violino.
— Você quer que eu tente?
Não podíamos conversar, mas ela assentiu e simulou tocar o violino.
— Certo, vou tentar aprender.
Coloquei o violino no meu ombro e coloquei o arco nas cordas para fazer o som.
“É assim que se faz isso?”
Keek.
Bella riu em êxtase.
“Certo, dessa vez eu não vou falhar.”
Tentei tocar de novo.
Keek!
Bella colocou as mãos nos ouvidos. Depois de algumas tentativas, enfim fui capaz de fazer um som.
Jiiiing-
Bella olhou surpresa, eu estava surpreso também.
“Se for parar pra pensar, a minha ‘capacidade física’ está no nível intermediário 1.”
Eu tinha sido capaz até de seguir os treinos com o boneco de madeira. Mas, fazer sair o som correto no violino não era fácil, esse era um instrumento muito difícil de se usar.
“Portanto, não sendo fácil… isso quer dizer que conta como treino?”
Olhei fixamente para o violino infantil da Bella.
“Encontrei uma nova forma de evoluir minha habilidade ‘capacidade física’!”