Volume 1
Capítulo 9: É maior por dentro
Sabe a sensação que temos, quando estamos em um lugar que parece bem maior por dentro do que por fora?
Sentimos exatamente isso ao entrarmos no trem 76-WB. Mas não foi apenas uma sensação em si; o local era realmente, muito, muito maior por dentro! Um saguão, recepção, sofás, uma lareira enorme e uma escada que subia para outro andar. Estávamos em um hotel!
— Uau… — Estava abismado com tal visão.
— Como algo assim é possível?
O local estava cheio de pessoas, jovens, para ser mais exato. A grande maioria parecia ter saído diretamente da idade média, com roupas extravagantes, cheias de brilhos e frufrus. Me lembravam o modo como o Gustav e o Rafael se vestiam.
Soldados com suas armaduras reluzentes; alguns muito altos, outros muito baixos. Todos pararam quando nos viram entrar, não… Seus olhos estavam sobre a Elizabeth.
— Neri… — Ela agarrou o meu braço, estava constrangida com tantos olhares.
Antes que eu pudesse dizer qualquer palavra, fomos barrados por um cara grandalhão e musculoso.
— Bilhetes. Por favor.
Sua voz era tão grave que fez o meu ser estremecer.
Ele deveria ser um dos homens mais altos que já havia visto na minha vida. Com certeza tinha mais de dois metros. Sua pele era negra e cheia de escamas, enquanto a sua careca reluzia com a luz ambiente.
Parecia um cosplayer de RPG. Sua armadura era tão grande quanto seu corpo, composta por couro e um metal escuro. Em suas costas, pendurada, havia uma espada tão grande que sua ponta parecia tocar o chão. Contudo, o mais estranho no grandalhão, era o aparato que estava em torno do seu pescoço; parecia ter água dentro de pequenas bolas de vidro, que borbulhava conforme respirava.
— Bilhetes. Por favor.
— Eu posso… tocar? — perguntei, estendendo a mão até ao aparelho em volta do seu pescoço.
— Neri! — Elizabeth chacoalhou o meu braço, me fazendo voltar a si.
— Neri Hofirman? — o grandalhão perguntou.
— Ah, sim! Sou eu!
— Venham comigo.
O seguimos até a recepção. Os olhares permaneciam fixos em nós, até mesmo ouvi burburinhos onde o meu nome e o da Elizabeth eram mencionados.
— Isso é desconcertante — sussurrou.
— Tenho a impressão de que vamos precisar nos acostumar com isso — respondi.
— Quarto 51. — O grandalhão parou em frente ao balcão, se dirigindo a recepcionista.
— Neri Hofirman e Elizabeth Snow? — questionou, sem tirar os olhos do livro que lia.
— Sim.
Ela se levantou, foi até o quadro que havia logo atrás e pegou uma chave torta e enferrujada.
— O quarto é composto por um guarda-roupas, duas camas de solteiro, banheiro individual e uma janela para ventilação. — a recepcionista começou a falar. Colocou a chave sobre o balcão e pegou uma prancheta, com vários papéis e uma caneta. — Não coloquem a cabeça para fora da janela. O uso de todo e qualquer tipo de poder ou dom, dentro da locomotiva, é estritamente proibido. Qualquer acidente envolvendo o descumprimento dessas regras, não é de responsabilidade da Companhia Transportes dos Irmãos Blue. Assinem aqui, aqui, aqui e aqui.
— É para nós assinamos? — questionei. Ela não respondeu, sua expressão indiferente dizia por si só.
Olhei para a Elizabeth, que deu de ombros. Assinamos exatamente aonde havia pedido e nos informou que; para chegar ao quarto, deveríamos subir as escadas e virar a direita. O nosso quarto ficava no meio do corredor.
Assim o fizemos, sendo seguidos pelo grandalhão escamoso. “Talvez ele vá para outro lugar” pensei; mas não foi isso que aconteceu. Ele nos acompanhou até a porta do quarto.
— Podemos ajudar? — perguntei, me virando em sua direção.
— O seu pai. Jack Snow. E Alex Hofirman. Me contrataram. Para protegê-los.
— Os nossos pais? — questionou Elizabeth.
— Exatamente.
— E qual seria o seu nome? — Esperei pela resposta. Sem resposta. — Você não tem nome?
Elizabeth parecia tão confusa e receosa quanto eu. Mas não era para menos; os nossos pais nem mesmo haviam mencionado uma única palavra a respeito dele. Como confiar no que falava?
Olhei ao redor. O corredor era bem iluminado. Várias e várias portas se estendiam quase que infinitamente pelo local, com diversos soldados parados à frente. Pareciam ser algum tipo de guarda-costas.
— Olha, Elizabeth. Parece ser verdade o que ele diz! Tem soldados nas portas de muitos quartos.
Ela acabou reparando, por fim, no que eu havia dito.
— Bom, se os nossos pais estão pagando.
Peguei a chave e enfiei na fechadura. Ela era tão antiga. Parecia que, a qualquer instante, quebraria com a mínima pressão. Girei e o som da tranca destravando soou.
Abri a porta e, diferente do que esperava; o quarto era chique, bem iluminado e limpo.
— Aí sim, em! — Comemorei ao me jogar em uma das camas, ela era alta e extremamente confortável.
Elizabeth entrou com calma; mas logo se jogou na outra, estava tão animada quanto eu. Respirou fundo e disse que seu corpo parecia ter sido feito para aquele colchão.
— Espero que os da escola sejam assim também! — complementou.
Direcionei os olhos para a porta, procurando o grandalhão; ele não estava lá. Corri para fora. O gigante permaneceu parado ao lado do batente.
— Sou só. Um guarda-costas. Não entrarei. No quarto de vocês. A menos. Que sinta. Uma ameaça próxima. — respondeu. Parecia até mesmo ter lido a minha mente.
— Você é igual a Mary? — perguntei, estreitando os olhos desconfiado.
— Por que você fala assim? — Elizabeth questionou, colocando a cabeça no espaço que havia entre o batente da porta e eu.
— Uma maldição.
— Você também?! — Ela parecia estranhamente animada com aquela resposta.
— Não liga para ela — interrompi, empurrando a sua cabeça para baixo. — Você não nos disse o seu nome! A minha mãe diria que isso é falta de educação.
— Ei! — ela retrucou. Me empurrou para o lado e se levantando em seguida. — Mas ele tem razão. Não podemos te chamar de grandalhão de armadura!
O grandalhão nos olhava indiferente quanto a tudo aquilo.
— Afonso… — balbuciei de repente.
— O que?!
— O nome dele vai ser Afonso…
— Por que diabos o nome dele seria Afonso?!
— Estou aberto a sugestões.
Ela me fuzilou com o olhar; mas não parecia disposta a brigar por aquilo. Só desistiu e entrou novamente para o quarto, bufando e batendo os pés.
Fiz um sinal de beleza para ele, perguntando se estava de acordo com aquele nome. Novamente sua reação foi de pura indiferença.
— Então tá.
Entrei no quarto e fechei a porta. Percebi, então, diante da tranquilidade do ambiente, os detalhes daquele cômodo. As paredes eram brancas, dando contraste com o teto escuro. O tapete grande e felpudo, cobrindo o assoalho, parecia tão confortável quanto qualquer uma das camas. O guarda-roupas ocupava uma parede inteira, com um espelho tão grande quanto em uma das portas. Uma escrivaninha na lateral, com diversas canetas, lápis, cadernos e um manual com o título “WallBright para iniciantes” organizados em cima dela. Ao lado de uma das camas tinha uma porta de alumínio, deduzi ser o banheiro.
— Nos demos bem, pelo visto! — comemorei, me jogando novamente na cama.
— Será que foram os nossos pais que pagaram por esse quarto, ou é o mesmo para todos?
— Quem sabe… O importante é que estamos bem. — Suspirei. — Mas o que será que nos espera em WallBright?
Elizabeth ficou em silêncio. Parecia não ter a menor idéia, assim como eu.
— Pelo menos vamos estar juntos… — respondeu por fim.
Olhei para ela. Observava o teto, perdida nos próprios pensamentos.
— Está preocupada com algo?
— Acho que… só não entendi como essa coisa da maldição funciona.
— Independente de ser amaldiçoada ou não, a Mary estava certa. Você não pode permitir que meras palavras de terceiros sejam capazes de te dizer o que sentir.
Ela se manteve em silêncio, afundada em sua mente. Teria sido correto aquilo que eu disse? Não me parece tão fácil assim desfazer uma maldição… O Sr. Snow tentou por quinze anos e não conseguiu.
— Esse mundo novo parece tão confuso — afirmou. — Uma pessoa que simplesmente amaldiçoou uma mulher grávida só porque sim. Guerras que estão matando a séculos… e mesmo que a sua família seja cheia de seres poderosos, ela ainda continua? Tudo isso simplesmente não faz sentido!
— Eu também estou com medo. — Me sentei na cama. — É um pouco cômico o fato de que eu queria ser como os herois que via na televisão, quando mais novo! E agora eu até posso ser, mas parece tão confuso e aterrorizante… — Soltei uma risada abafada, penteando os cabelos com os dedos. — Nós só temos quinze anos, por que não pode…
A minha fala foi interrompida pelo som de uma campainha, que ecoou pelo quarto todo.