Arcanum Brasileira

Autor(a): Gabriel Barrenha


Volume 1

Capítulo 7: Novos Hofirman's (I)

Quem sabe até onde aquela conversa iria; nós mesmos não saberíamos. Afinal, foi interrompida pelo estranho comportamento da minha irmã e pai.

Levantaram repentinamente, estavam apreensivos. Mary estava como um gato arisco, meu pai, porém mais calmo que ela. Olhavam em direção a porta.

— Alex? — a minha mãe o chamou. — O que houve?

— Estão vindo… — a Mary respondeu, quase sem abrir a boca. Uma gota de suor escorreu pelo seu rosto. — Os Hofirman's do norte, do primeiro grupo.

— O que?! Por que não podemos sentí-los?! — o Sr. Snow resmungou.

— Rafael está junto — o meu pai afirmou tranquilamente.

— Rafa… — O pai da Elizabeth parecia chocado. — Deveria imaginar que o Gustav não moveria um músculo sem o seu cachorrinho do lado!

— Hofirman’s do norte? Rafael? Do que vocês estão falando?! — questionei.

— Você é um Hofirman, e ainda assim não sente essa pressão assombrosa?!

Mary suava como se estivesse debaixo de um sol escaldante.

— Os instintos do Neri não estão apurados, não vai sentí-los. — A fala do meu pai demonstrava confiança, mas sua expressão era de receio pelo que estava por vir.

A minha irmã caiu de joelhos, levando as mãos até a boca. Iria vomitar. Minha mãe correu até ela, sua feição era de espanto e terror.

— Por que eles estão fazendo isso, Alex?! Mande-os parar! Alex!

Da porta soou a campainha. Uma, duas, três vezes. Quem quer que estivesse lá fora, parecia impaciente.

A maçaneta girou e ela abriu lentamente. Elizabeth segurou no meu braço, estava assustada; eu também… O meu coração batia forte. Embora nenhum de nós entendesse exatamente o que estava acontecendo, sabíamos que aquilo não era normal.

Passos vieram do corredor, ecoando como trovões numa noite silenciosa, anunciando a chegada de uma tempestade.

Duas pessoas chegaram até a sala de estar: um senhor, com uma grande túnica vermelha sobre os ombros. Parecia um nobre de um reino longínquo. Sua face revelava um sorriso doce e amigável; contrastando com as cicatrizes aparentes.

O segundo, um rapaz alto e forte, não parecia muito mais velho que a Mary. Semelhante a um cavalheiro com sua armadura reluzente. Ou ele era extremamente musculoso, ou sua armadura exageradamente grande. Expressava clara indiferença em sua feição.

— Olá, Alex — o senhor falou em tom cordial. — Quanto tempo, não?

— O que querem aqui, Gustav?

— Estávamos num evento social, com algumas famílias importantes; evento esse que você deveria estar presente… — Observava com calma e cuidado a casa, pegando umas coisas aqui e outras ali. — Até que sentimos uma leve perturbação de poder em sua região. — Olhou para mim. — Gostaria de saber se está tudo certo por aqui… 

— O que estão fazendo com a Mary?! — Minha mãe parecia estressada. — Ordeno que parem agora!

O senhor olhou com incredulidade para ela.

— Ordena? — Uma veia saltou em sua testa. Embora estivesse claramente irritado, o sorriso em seu rosto não desapareceu, dando um passo em sua direção. — Ordena?! O matrimônio não faz de você uma de nós, Lily… Não me faça lembrá-la do seu lugar na sociedade.

O Sr. Snow e ela caíram de joelhos, sofrendo como Mary.

Gustav foi a passos largos até a minha mãe, sendo barrado pelo meu pai.

— Chegam sem serem convidados no meu território, expandindo a sua aura sobre nós, e esperam ser bem recebidos? — A casa começou a tremer, ao ponto dos livros caírem da estante e jarros se partirem no chão. — Eu vou te dar dois segundos, Rafael, para anular a sua aura sobre este lugar… Antes que eu mesmo faça isso.

Rafael olhou para Gustav, que suspirou, fazendo um sinal para que seguisse aquilo que foi dito.

Os três inspiraram de alívio instantaneamente. O Sr. Snow se recompôs rapidamente, junto da minha mãe, que ajudava Mary a se levantar.

— Pelo visto, começamos com o pé esquerdo, não é? — Gustav se curvou, com a mão sobre o peito. — Nos perdoe pela nossa grosseria, Alex.

— O que querem aqui?! — Mary perguntou ofegante. 

— Já falei. — Ele sentou na poltrona mais próxima, parecia se sentir em casa. — Sentimos uma perturbação no equilíbrio de poder da região, e viemos ver se estava tudo bem.

Um sorriso amigável enfeitava o seu rosto, até certa curiosidade o desfazer, ao olhar para a Elizabeth e eu.

— Mas parece que já descobrimos o que causou isso. Pela aura, ele é seu filho mais novo, e ela… a pequena Princesinha de Gelo. Estou certo, Jack?

O Sr. Snow permaneceu paralisado, com os olhos fixos no chão. 

— Isso mesmo, Gustav…

— Não pude deixar de notar que, em alguns momentos, a coloração dos olhos dela oscilou. Isso significa o que eu acho que significa?

— Elizabeth é um Snow perfeito…

— Interessante. — Levou a mão até o queixo, cruzando as pernas. — E por que ela não está no campo de batalha? Por que esconderam esses dois jovens de nós?

O clima e tensão no ar eram perturbadores, quase nos esmagavam.

— Não queríamos os nossos filhos envolvidos nisso. — o meu pai respondeu.

— Poxa, Alex… Estou decepcionado com essa decisão. — Balançou a cabeça negativamente. — Um Hofirman e um Snow perfeito! Eles são fundamentais para essa guerra! Estamos quase vencendo!

— Vocês dizem que estamos quase vencendo há séculos — Mary interrompeu, se pondo de pé. — Me pergunto até quando isso vai durar. Até quando os filhos dos filhos vão ter que lutar uma guerra, que eles nem mesmo sabem como começou?

— Se os Hofirman's são tão poderosos, por que não vencemos ainda, Gustav? — minha mãe perguntou.

O velho não parecia confortável com tais perguntas. Seu rosto se distorceu numa careta mal humorada.

— Bom, aparentemente está tudo sob controle. — Ele se pôs de pé. — Vocês mesmos vão ensiná-los? Já estão na idade de aprenderem a controlar os poderes. Se bem que o garoto já deve saber, não é mesmo?

Engoli em seco. Qual seria sua reação ao descobrir que um Hofirman nem mesmo sabia que tinha poderes?

— Vamos mandá-los para WallBright. Pode ficar tranquilo quanto a isso, Gustav.

Meu pai parecia arisco, já impaciente com sua estadia em casa.

— WallBright? Uma boa escolha. Uma pena… mas uma boa escolha. Qual o poder do pequeno Hofirman, Alex?

— O poder do meu filho diz respeito apenas a mim, Gustav. Você saberá, no momento certo.

— Hum… — Ele não parecia ter aceitado aquela resposta tão bem. — Aguardarei ansioso por isso. Vamos, Rafael!

O senhor e o rapaz saíram em direção a porta. Ele se virou e, de canto de olho, me perguntou o meu nome.

— É Neri.

Seu olhar se perdeu por um instante, como se estivesse em transe, enquanto o seu rosto se distorcia em confusão.

— Neri Hofirman… — repetiu. — Espero encontrá-lo em breve.

Ambos saíram da casa, sumindo segundos depois, sem deixar rastros de sua breve aparição.

O Sr. Snow suspirou aliviado. Se jogou no sofá, com as mãos trêmulas cobrindo o rosto.

— Nem nos campos de batalha eu via tamanha pressão…

— O que… O que aconteceu aqui? — Elizabeth parecia ainda estar num estado de choque com tudo que ocorreu.

— Gustav Hofirman, e o seu primogênito, Rafael. — A resposta veio do meu pai. — O velho é o atual líder dos Hofirman's do primeiro grupo; principal força de combate da nossa família. Enquanto o Rafael é tido como o Hofirman mais forte.

— O clima não parecia nada bom entre ele o senhor, pai.

— Gustav me detesta. Não sou como os outros Hofirman's, que se curvam diante de tudo que ele fala. O fato de eu ter escolhido uma não Hofirman para casar, e me desvencilhar do restante da família e sua tradição nojenta, faz com que eu seja considerado um apóstata por ele.

— Uma não Hofirman para casar? Quer dizer que o casamento dos Hofirman's… é intrafamiliar?

Podia sentir o meu estômago revirar simplesmente por pensar em algo como aquilo. Não é possível que considerassem isso como algo normal!

— Sei bem como se sente. Mas é a forma mais fácil de monopolizar o poder em uma família com tanta autoridade e complexa como a nossa.

— O velho em si não é poderoso — Mary interrompeu, sentada no chão. Ainda parecia abalada. — Mas o Rafael… Aquele cara é um monstro! Se não fosse por ele, eu conseguiria sobrepujar a pressão da aura do Gustav tranquilamente!

— Você realmente acredita na justificativa que ele deu? — O olhar da minha mãe revelava a sua aflição.

— Nem um pouco. Foi tudo rápido demais. Ele não passou aqui porque sentiu uma alteração no poder, tem algo a mais nisso.

— Gustav já vem desconfiando de nós a tempos, Alex. — O Sr. Snow se pôs de pé. — Precisamos nos apressar e descobrir o que ele esconde!

— Não podemos ficar afobados por causa disso, Jack. Se mal nos movimentamos e ele já desconfia de algo, imagina se nos apressarmos.

Meu pai ergueu a mão em direção a um dos jarros que caíram no chão e quebraram. Os cacos flutuavam em sua direção, se unindo novamente, sem trincas ou rachaduras; como se nada houvesse acontecido, pousando, em seguida, na palma de sua mão. O colocou cuidadosamente sobre a mesa de centro.

— Neri e Elizabeth, preparem as suas malas. Amanhã cedo vocês embarcarão no trem 76-WB.



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