Arcanum Brasileira

Autor(a): Gbarrenha


Volume 1

Capítulo 4: A Mary é tão...

Ponto de vista de Elizabeth Snow

 

Eu estava sentada num banco, na varanda dos Hofirman's. A rua estava vazia, o que fazia daquela uma tarde silenciosa. Silenciosa e angustiante, Neri dormia a 28 horas seguidas.

Peguei uma pequena pedra a enfeitar o vaso que havia ao lado do banco e mirei numa árvore. Joguei e… Droga, passou de raspão! Bufei. Joguei mais uma e dessa vez acertei!

— Isso! — Ergui os braços, comemorando.

Ouvia as vozes do meu pai e do senhor e senhora Hofirman. Eles conversavam freneticamente sobre o mundo sobrenatural. Comentaram pouquíssimas coisas comigo ao acordar.

Aparentemente eu tinha poderes, sendo a capacidade de criar e controlar gelo e neve.

Os sobrenaturais são divididos por famílias, cada uma com sua especialidade. No caso da  minha, assim como as demais, a mesma é representada pelo nosso sobrenome. Apenas poucas, como os Hofirman’s, não tem um poder específico. Um deles pode criar e controlar fogo, outro pode fazer isso com água, e outros como a Mary, com poderes psíquicos.

Disseram-me que quando o Neri acordasse, eles nos explicariam algumas coisas sobre esse mundo do qual fazemos parte.

Me encolhi no banco enquanto abraçava os joelhos. O Neri não havia acordado ainda e, aparentemente, tudo que vivemos e aprendemos até hoje não valerá de nada.

Suspirei. Pela primeira vez em muito tempo eu estava sem ele ao meu lado, e não sabia o que fazer.

— Está preocupada? — Mary apareceu ao meu lado, parada na porta da frente.

— Mais ou menos… Um pouco pelo Neri, um pouco pelo que nos espera, um pouco por mim...

Ela sentou ao meu lado e cruzou as pernas. Parecia tranquila e indiferente, como sempre.

— Não posso dizer que sei como se sente ou que já passei por isso, pois não seria verdade.

— Como assim?

— Diferente de vocês, eu sempre estive inserida nesse meio, então tudo isso é normal para mim. — Ela riu. — Na verdade, é estranho te ver preocupada com algo assim.

— Por que… eles esconderam essas coisas de nós? Sabe, não é como se não pudéssemos lidar com isso.

Mary suspirou e ficou em silêncio; parecia procurar as palavras certas.

— Eles não queriam envolver vocês  nessa coisa toda. Queriam agilizar ao máximo o fim da guerra; ou amenizar as coisas, para que os dois não fossem tão afetados por ela. Não queriam que fossem puxados para um conflito do qual não são responsáveis.

— Mas esconder que temos poderes não é perigoso? E se entrarmos em colapso por não sabermos controlar?

— É exatamente por isso que decidiram finalmente revelar. Os dois estão na idade certa para ir a uma escola especializada no treinamento de habilidades sobrenaturais. Aparentemente irão mandá-los para WallBright.

WallBright?! — Gargalhei. — Que nome mais estranho.

— É estranho mesmo! — Mary me acompanhou na risada — Porém é quase um consenso na comunidade sobrenatural que ela é a melhor escola de todas; embora eu tenha as minhas dúvidas. Wallbright não ensina combate com armas brancas melhor do que Cavalaria, ou magia melhor que a Acadêmia das Bruxas, por exemplo. Mas enfim — Ela se espreguiçou. —, isso não quer dizer que não estarão sob bons cuidados.

— Você estudou lá?

— Eu? Não, não. — Balançou a cabeça. — Não precisei ir a uma escola como aquela. Tudo que aprendi foi com os meus pais ou sozinha; o meu poder não é tão difícil de se controlar, afinal sou um Hofirman. Somos prodígios desde que nascemos! — Mary mostrou um sorriso confiante.

Ela me olhou por uns instantes em silêncio.

— O que foi? — Estava ficando sem graça com seu olhar.

— Você gosta dessa vida aqui fora?

— Bom… A minha vida é comum, sabe? Não tenho do que reclamar, embora o Neri seja o meu único amigo. — Sorrio, lembrando dos nossos dias juntos. Um calor aconchegante me trouxe paz naquele instante. — Eu gosto dos nossos momentos pacatos aqui.

— Então seja forte, Elizabeth — Mary afirmou de forma quase que grosseira.

— Forte?

Ela pegou uma pedra daquele mesmo vaso que eu havia pego anteriormente.

— Forte — repetiu, enquanto a pedra girava numa velocidade assustadora sobre a palma da sua mão, até se desfazer e virar uma poeira flutuante. — Até que ninguém possa lhe dizer o que fazer. Quando isso acontecer, poderá viver essa vida que tanto gosta.

A pequena nuvem de poeira voltou novamente a ser uma pedra, pousando suavemente sobre sua mão.

— Uau — falei abismada. — Então quer dizer que você é forte?

— Muito mais do que imagina. — Se gabou orgulhosa. — Mas me esforcei muito para me tornar o que sou hoje! Sou como você, sabia? Por isso me tornei forte.

— Como eu? — questionei confusa.

— Sim! Eu gosto do mundo sobrenatural, afinal, faço parte dele; mas quero viver bem longe da loucura que ele é… — Ela não me olhava ao dizer essas palavras. Parecia contemplar o céu enquanto os seus olhos se perdiam na imensidão azul. — Por mais que eu seja um Hofirman, isso não é para mim, é tudo tão complicado e rígido... Enquanto os comuns… são tão simples e frágeis, como conseguem desfrutar de uma vida tão instável que a qualquer instante lhe pode ser tirada? É essa vontade de sentir o que eles sentem, ter o que eles tem… que me faz fugir do nosso mundo… enquanto abro os meus braços para abraçar o deles.

A olhava impressionada. Como ela poderia ser tão poderosa e tão simples ao mesmo tempo?! Sempre a admirei muito, sempre a vi como uma irmã mais velha, mas naquele momento, aquelas palavras em específico, fizeram-me entender o porquê de sempre olhá-la como uma das pessoas mais fortes que conhecia.

— Opa! — Ela largou repentinamente a pedra que segurava. — Ele acordou.

— O Neri?!

— Ele mesmo.

Levantei num pulo e corri para dentro da casa, subi as escadas o mais rápido que pude, tropeçando uma ou duas vezes. Atravessei o corredor como um raio e cheguei ao quarto dele.

Ele estava sentado à beira da cama, parecia atordoado e confuso. Me olhou de cima a baixo ao perceber que eu estava parada na porta, sorrindo.

— Neri…

— Oi, Elizabeth.



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