Arcanum Brasileira

Autor(a): Gabriel Barrenha


Volume 1

Capítulo 2: Os nossos pais estão loucos!

Era de manhã. Elizabeth e eu acordamos com a luz do sol atravessando as frestas da janela. Os raios dourados invadiam o quarto, tornando impossível continuar fingindo que dormíamos.

Nos levantamos devagar e fomos até a cozinha. Meus pais estavam lá, terminando de preparar a refeição. Um aroma delicioso de café fresco se espalhava pelo ambiente, fazendo minha fome crescer a cada segundo.

— Ovos mexidos! — exclamei, com água na boca. Meus olhos brilharam ao ver a frigideira repousando no centro da mesa.

Corri para pegar uma colher, mas fui puxado bruscamente pela orelha.

— Nem pense nisso — disse minha mãe, me arrastando para trás. — Espere sua irmã!

— Vou morrer de fome se a gente for tomar café ao meio-dia... — murmurei, torcendo para que ela não tivesse ouvido.

Não demorou muito. Lá estava Mary, descabelada e com os olhos inchados.

Aquela era uma manhã comum. Meu pai criticava o time de futebol que tinha perdido dois dias antes, e Mary — como fazia todo dia — tentava realizar truques de mágica. Tentava, porque todos falhavam. Aquela manhã, ela insistia em adivinhar qual carta eu havia pegado; e, mais uma vez, errou.

Risadas, conversas e brincadeiras. Tudo corria normalmente… até a campainha tocar.

O som ecoou pela casa como um disparo.

Engoli em seco, sabia bem quem era. Jack Snow.

Era estranho; ele nem havia entrado e já havia mudado o ambiente. O ar ficou mais denso, frio. Aquela sensação de que algo ruim estava prestes a acontecer tomou conta de mim. De nós dois.

— Droga... — murmurei, olhando para Elizabeth.

Ela também me encarou. Seus olhos denunciavam o nervosismo; sua expressão estava dura, o maxilar contraído.

— Deixa que eu atendo — disse minha mãe, se levantando com um sorriso aparentemente tranquilo.

Elizabeth soltou um suspiro longo.

— Está tudo bem? — perguntei em voz baixa.

— Foram dois anos, Neri. Sem uma única notícia... Não é como se tivesse sido só uma semana, sabe?

— Entendo...

Mentira. Eu não fazia ideia de como ela estava se sentindo. Mas queria que soubesse que não estava sozinha, não importava o que fosse dito naquele dia.

O som da porta sendo destrancada e aberta explodia em meus ouvidos como granadas.

— Olá, Jack! — a voz da minha mãe saiu calorosa. — Elizabeth? Sim, ela está aqui conosco, tomando café... Claro, pode entrar! Estão na cozinha. Aceita um café ou chá? Nada? Tudo bem.

Os passos que se seguiram carregavam uma tensão absurda. Cada som parecia um golpe seco no chão. O meu pai e a Mary estavam despreocupados. Será que só Elizabeth e eu sentíamos aquilo?

Ela cerrou os punhos sobre a mesa.

Antes que eu pudesse dizer algo, ele apareceu.

Jack Snow estava parado na entrada da cozinha, olhando diretamente para nós. Seus olhos eram acinzentados e sem brilho. O contraste entre seu terno escuro e os cabelos e pele extremamente claros fazia com que parecesse uma figura angelical. Mas... havia algo errado.

A expressão dele parecia exausta, abatida; como se não tivesse dormido pelos dois anos em que esteve sumido.

— Olá, Elizabeth — disse por fim. Sua voz era grave e fria, condizente com a aparência desgastada.


Mais tarde, estávamos na sala de estar. Elizabeth e eu sentados no sofá; meus pais e Jack se espalhavam pelas poltronas, a Mary sentada aos pés da minha mãe.

Elizabeth apertava tanto meu braço que pensei em amputá-lo. O sangue já não circulava direito.

— Bem — começou Jack —, imagino que esteja surpresa com a minha visita repentina.

— O senhor sumiu por dois anos — ela o interrompeu, os olhos fixos no chão — e aparece agora... só pra fazer uma “visita”?

— Entendo sua indignação, minha filha. Mas foi por segurança. Sua segurança.

— Minha segurança?! — ela finalmente ergueu o olhar. Uma lágrima escorreu. — Me proteger do quê?! Dos perigos da adolescência? Hormônios? Espinhas?! Se era isso... lamento informar, mas essa ausência não adiantou nada.

Ela enxugou o rosto e cruzou os braços, desviando os olhos.

Jack respirou fundo, recostando na poltrona. Levou a mão à testa, claramente tentando organizar os pensamentos.

— Crianças — disse meu pai, sério como nunca o vi —, precisamos contar algo a vocês.

— Tem certeza disso, Alex? — minha mãe perguntou, hesitante.

— Eu não sei por que estão fazendo tanto drama — disse Mary com indiferença. — Não é como se eles pudessem fugir disso.

Um silêncio pesado caiu. Elizabeth estava tão confusa quanto eu.

Mary espreguiçou-se antes de continuar:

— O Neri é um Hofirman. A Elizabeth é uma Snow. Não tem como negar o peso desses sobrenomes. Mesmo que tenham tentado criá-los longe de toda essa maldita confusão... não adianta. Eles são uma peça-chave para a próxima geração de sobrenaturais.

Ela olhou para minha mãe, que permaneceu calada.

— Alguém pode me explicar do que vocês estão falando? — perguntei.

Eles se entreolharam. Pareciam prestes a revelar um segredo milenar.

Meu pai foi o primeiro a falar:

— Vocês nunca se sentiram... diferentes?

— O senhor quer dizer em que sentido? — Elizabeth foi quem respondeu.

Antes que ele dissesse algo, Mary se adiantou:

— Temos poderes. É isso que eles querem dizer.

Silêncio.

Olhei para Elizabeth. Ela parecia atordoada. Seu rosto se contorcia, como se a cabeça estivesse girando num turbilhão de emoções.

Eu, por outro lado, achava que estavam tirando sarro da gente.

— Ah, claro... poderes... Uhum. Tá bom — disse com sarcasmo.

Minha mãe se aproximou e pousou a mão no meu rosto.

— Eu sei que é assustador, meu amor. No começo é confuso. Mas vocês vão se acostumar.

— Mãe — Mary chamou, com um sorriso debochado —, a gente vive numa era de quadrinhos, filmes e desenhos com super-heróis. Acha mesmo que dois adolescentes iam achar ruim ter poderes?

Minha mãe olhou pra nós de novo. Estava aflita.

Elizabeth, ainda ao meu lado, balançou a cabeça, apontando para a porta. Eu entendi na hora.

Precisávamos sair dali. O ar estava sufocante. Precisávamos pensar.

— Elizabeth e eu vamos dar uma volta — anunciei, me levantando com ela. — Precisamos de ar. Precisamos processar isso.

— Mas...

— Tudo bem, querida — disse meu pai, tentando acalmar minha mãe.

Mas assim que viramos as costas, tudo começou a mudar.

O mundo desacelerou. Meu estômago se revirou. Achei que ia vomitar. Um suor frio escorreu pelo meu rosto enquanto meu coração disparava como se quisesse sair do peito; senti a respiração falhar.

Elizabeth também cambaleou.

Tentei firmar os pés no chão. Foi um erro. Eu mesmo mal conseguia me manter de pé.

— Neri... eu... eu não estou me sentindo bem... — ela sussurrou.

— Mas o que... o que está acontecendo? — perguntei, já sem forças.

— Vai com calma, Mariane — disse meu pai. Virei-me com dificuldade.

Vi, em meio à visão turva, Mary se aproximando. Um vulto.

Ela tocou nossas cabeças.

O cansaço veio como uma avalanche.

Caímos. Elizabeth desmaiou ao meu lado. Eu tentei resistir. Tentei me mover; mas meu corpo pesava como pedra.

A escuridão me engoliu.

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