Volume 1
Capítulo 2: Os nossos pais estão loucos!
Era manhã, e nós dois havíamos sido acordados pela luz do Sol que entrava pela janela. Nos colocamos de pé e fomos até a cozinha, onde os meus pais terminavam de preparar a refeição. Um aroma de café tomou conta do ambiente, aumentando cada vez mais a minha fome.
— Ovos mexidos! — falei com água na boca. Os meus olhos se encheram com a frigideira pousada sobre a mesa.
Peguei uma colher e iria tomar um pedaço para mim, mas fui interrompido por um puxão de orelha dado pela minha mãe.
— Nem pense nisso — ela advertiu, me puxando para trás. — Espere a sua irmã!
— Vou morrer de fome se formos tomar café às 12:00… — murmurei, torcendo para que ela não tenha escutado.
Não demorou muito e lá estava ela, toda descabelada e olhos inchados.
Aquela era uma manhã comum. Meu pai criticava o seu time favorito que havia perdido um jogo de futebol dois dias atrás, enquanto a Mary — assim como em todas as manhãs — tentava, com várias falhas, realizar truques de mágica; como a trágica tentativa de descobrir qual carta eu havia pego.
Risadas, conversas e brincadeiras, tudo isso foi interrompido abruptamente quando o som da campainha ecoou pela casa.
Instintivamente olhei em direção ao corredor que dava para a porta da entrada. Engoli em seco ao saber que era Jack Snow quem estava do lado de fora. Uma tensão estava no ar. Como alguém era capaz de transmitir sensações tão estranhas sem nem mesmo estar no lugar?! O ambiente estranhamente ficava frio e melancólico quando Jack Snow estava por perto, como se fosse o mensageiro de um prelúdio nada bom.
— Droga... — Direcionei o olhar para a Elizabeth, que fez o mesmo para mim. Sua aflição era quase palpável.
— Deixa que eu abro — minha mãe disse ao se pôr de pé e ir até a porta, com um sorriso convidativo no rosto.
Elizabeth suspirou lentamente.
— Está tudo bem? — perguntei.
— São dois anos sem uma única notícia... Não é como se fosse uma semana, sabe? — respondeu de maneira quase inaudível.
— Entendo…
Era mentira, não tinha a menor ideia de como ela estava se sentindo. Mas queria mostrar que não estava sozinha, independente do que falassem para nós naquele dia.
Ouvi com clareza a porta sendo destrancada e aberta.
— Olá, Jack! — A voz da minha mãe soava calorosa. — Elizabeth? Sim, ela está aqui conosco, tomando café. — Não conseguia ouvir o que o Sr. Snow dizia. — Claro, pode entrar! Estão todos na cozinha. Aceita um café ou chá? Nada? Tudo bem.
O som dos passos trazia consigo uma sensação mortal de aflição. Meu pai e a Mary pareciam tranquilos, será que apenas a Elizabeth e eu estávamos tendo aquela sensação?! Ela cerrou os punhos sobre a mesa, estava nervosa.
Iria dizer algo, mas quando me dei conta, aquele homem estava parado na porta da cozinha, com os olhos fitados sobre nós… Olhos acinzentados e sem vida. O terno escuro fazia um contraste com a sua pele e cabelos tão claros que pareciam brilhar. Realmente, era quase um anjo. Contudo, o desconforto que sentia sumiu ao olhar em seu rosto.
A sua expressão… Ela estava cansada e abatida,como se nos últimos dois anos, ele não tivesse tido uma única noite de sono decente.
— Olá, Elizabeth. — Sua voz estava grave e fria, reforçando o cansaço evidente em sua face.
Estávamos na sala de estar. Elizabeth e eu sentamos no sofá, os demais nas poltronas espalhadas pelo cômodo, exceto a Mary, que ficou no chão; aos pés da minha mãe. Elizabeth apertava tão forte o meu braço que pensei em amputá-lo pela falta da circulação de sangue.
— Bom — disse o Sr. Snow por fim. — Creio que esteja surpresa com a minha visita repentina…
— O senhor sumiu por dois anos — ela o interrompeu, sem tirar os olhos do chão. — E ainda veio fazer só uma "visita"?
— Compreendo a sua indignação, minha filha. Mas preciso que entenda, foi para a sua segurança.
— Minha segurança?! — Finalmente conseguiu olhá-lo nos olhos. Uma lágrima escorreu por seu rosto já vermelho. — Me manter segura do quê?! Dos perigos da adolescência? Das espinhas e hormônios?! Porquê se for isso eu lamento, não serviu de nada essa ausência toda…
Ela enxugou as lágrimas antes de cruzar os braços e desviar o olhar.
Sr. Snow respirou fundo ao recostar na poltrona. Colocou a mão sobre a testa, como se tentasse processar o que ela falava ou achar a maneira certa para dizer aquilo que queria.
— Crianças — meu pai nos chamou, nunca o vi tão sério antes. — Existe algo que precisamos contar a vocês.
— Tem… Tem certeza disso, Alex? — Minha mãe parecia preocupada com algo.
— Eu não sei porquê estão alvoroçadas — falou Mary, com indiferença no rosto. — Não é como se eles pudessem escapar disso.
Se fez um silêncio mortal. Os olhos da Elizabeth mostravam que ela compartilhava da mesma confusão que eu.
Minha irmã se espreguiçou antes de continuar:
— O Neri é um Hofirman e a Elizabeth um Snow, não podem negar o peso que esses sobrenomes carregam; mesmo que quisessem criá-los longe dessa maldita confusão que nos persegue a séculos. Afinal... eles são peças importantes da próxima geração de sobrenaturais, não é mesmo?
Ela se virou para a minha mãe, que se manteve em silêncio. Parecia reflexiva.
— Alguém pode explicar do que estão falando? — questionei.
Eles entreolharam-se, como se escondessem a real localização da Arca da Aliança ou soubessem a fórmula da pedra filosofal.
Meu pai foi o primeiro a irromper com sua voz grave.
— Até hoje vocês nunca se sentiram especiais?
— O senhor diz em qual sentido? — Foi a vez da Elizabeth perguntar.
Antes que ele pudesse abrir a boca, Mary o interrompeu.
— Nós temos poderes! É isso que eles querem dizer!
Não se ouvia uma única palavra no local. Olhei para a Elizabeth, seu rosto se distorceu de maneira estranha, claramente sua mente se encontrava num turbilhão de emoções e sentimentos. Comigo era diferente, tinha certeza que eles estavam zombando de nós!
— É... Poderes.... Aham, sei... — respondi com um ar de incredulidade e sarcasmo.
— Eu sei que pode ser assustador, meu amor. — Minha mãe se aproximou e colocou a mão no meu rosto. — No começo pode ser estranho e confuso, mas logo vão se acostumar.
— Mãe — Mary a chamou. — Vivemos numa era onde existem quadrinhos, filmes e desenhos de super-heróis. Acha mesmo que dois adolescentes considerariam ter poderes como algo ruim?
Ela virou-se para nós dois novamente, seu olhar era de preocupação. Parecia aflita.
Elizabeth permanecia ao meu lado e estava tão incrédula quanto eu. Fez um sinal com a cabeça, em direção a porta de saída, sabia exatamente o que queria.
Precisávamos sair dali, mal conseguíamos respirar. O clima estava sufocante. Pensar melhor no que falavam e tentar achar sentido; talvez estivessem usando alguma metáfora para mudanças no corpo ou algo do tipo?
— Elizabeth e eu vamos sair um pouco — falei ao nos levantarmos e ir em direção a porta, ainda virado para eles. — Vamos pegar um ar e refletir sobre o que estão dizendo.
— Mas…
— Tudo bem, querida — meu pai a tranquilizou logo após nos virarmos.
Em instantes, as coisas começaram a ficar embaçadas. O mundo em câmera lenta enquanto o meu estômago se revirava; pensei que iria colocar para fora o café da manhã. Senti um suor frio escorrer pelo meu rosto conforme meu coração disparava forte, parecia que iria explodir em meu peito. Dessa vez realmente estava ficando sem ar.
Elizabeth não parecia sofrer da mesma forma, embora tenha vacilado de um lado para o outro. Se agarrou em mim. Firmei os meus pés no chão ao segurá-la para não cair; o que foi um erro, eu mesmo mal conseguia ficar em pé.
— Eu não estou me sentindo bem, Neri... - grasnou ao agarrar a minha camisa.
— Mas o que... está acontecendo? - perguntei, já sem forças.
— Vai com calma, Mariane - o meu pai disse antes de me virar para eles.
Pude ver; com a visão turva, Mary vindo até nós, como um vulto. Tocou em nossas cabeças e fomos tomados por um cansaço, fazendo Elizabeth e eu cairmos no chão, com ela desacordada ao meu lado. Minha vista escura e meu corpo pesado, fiz força para me colocar de pé, ou ao menos me mover… mas de nada adiantou.