Arcanum Brasileira

Autor(a): Gabriel Barrenha


Volume 1

Capítulo 1: Jack Snow está voltando?!

Ponto de vista de Neri Hofirman — 25 de janeiro de 2025, em um pequeno país no hemisfério norte do planeta.

 

— Vamos, Neri! — exclamou Elizabeth, segurando um pequeno caderno nas mãos, repleto de anotações.

Elizabeth Snow, a minha melhor — e única — amiga. Sua aparência era peculiar, mas isso não anulava o fato de ser, de longe, a garota mais linda que já vi. Seus cabelos eram longos e totalmente brancos, quase reluzentes.

— Elizabeth — respondi, pausando o filme que assistia —, estamos no final das férias. E nunca dá certo quando tentamos seguir um cronograma. Alguma coisa sempre dá errado.

— Tá! Eu sei, mas...

— Nunca...

— Talvez...

— Dá...

— A gente pode...

— Certo...

— E se...

— Nunca...

— Cala a boca e me escuta! — explodiu, pondo-se entre a televisão e mim. — Eu sinto que dessa vez vai dar certo!

— Você disse a mesma coisa nas últimas cinco vezes — retruquei, lembrando bem dos desastres anteriores.

Elizabeth grunhiu e se jogou ao meu lado no sofá, largando o caderno.

— Por que você é sempre assim?

Não respondi. Já ia voltar ao filme quando minha mãe, Lily, entrou na sala. Uma mulher de 45 anos, baixa, com cabelos lisos e negros. Sua pele era clara e os olhos escuros como os cabelos. Nossa fisionomia era muito parecida.

— O que está acontecendo? — perguntou, pegando o controle e desligando a televisão.

— Nada, senhora Hofirman — disse Elizabeth, abraçando uma almofada. — Só o seu filho sendo um chato, como sempre.

— Ei!

— Tenta convencer ele a acampar! — pediu ela, indo até minha mãe e segurando sua mão. — Por favor!

— Acampar? — repetiu minha mãe, pensativa. — Parece uma boa ideia, não?

— Não!

— Isso! — comemorou Elizabeth, erguendo os braços como se tivesse vencido uma disputa.

— Quando pretendem ir?

— Provavelmente na semana que vem! — respondeu animada.

— Semana que vem? — minha mãe franziu o cenho. — Não vai dar, Elizabeth.

Suspirei. Elizabeth estava claramente desapontada, e o brilho em seus olhos desapareceu.

— Desculpa, querida — disse minha mãe, passando a mão em seus cabelos. — Depois conversamos sobre isso, tudo bem?

— Está tudo bem, senhora Hofirman — respondeu ela, com um sorriso discreto.

Ela dava um jeito de ver o lado bom; isso era admirável.

— Eu só vim avisar que o jantar já está pronto — completou minha mãe, voltando para a cozinha. — Espero vocês na mesa em cinco minutos. E chame a sua irmã, Neri!

— Mary! — gritei. — O jantar tá pronto!

Ouvi passos apressados vindos do andar de cima. Minha irmã desceu as escadas feito um raio, mas parou ao ver a Elizabeth.

— Elizabeth! — exclamou, indo abraçá-la. — O que faz aqui?!

Mary — ou Mariane — minha irmã mais velha. Tinha 22 anos, era negra e alta. Eu puxei minha mãe, e ela, nosso pai. Cabelos crespos presos por tranças, olhos escuros e grandes. Apesar do olhar doce, sua personalidade era ácida.

— Vim tentar convencer o Neri a acampar, mas ele não quer. E a sua mãe disse que também não vai dar.

Ela suspirou. Mesmo aceitando a negativa, era visível sua frustração.

— Fica tranquila! O Neri é um idiota que prefere passar o dia num shopping ao invés de curtir a natureza. E tenho certeza de que a mamãe tem um bom motivo. — Completou sorrindo.

— Eu sei que ele é um idiota, mas... — olhou para mim com seriedade. — Ainda não desisti.

— Isso é uma ameaça? — perguntei, arqueando a sobrancelha.

— Tá... beleza... — murmurou Mary, espreguiçando-se enquanto ia para a cozinha. — Vocês dois são muito estranhos.


O jantar seguia bem, com conversas leves e risadas. Até meu pai soltar a seguinte frase:

— Amanhã o Jack estará de volta.

Um silêncio absoluto tomou conta de todos — menos de mim, que engasguei com o arroz — e assim ficou pelos próximos dois minutos.

Jack Snow. Pai da Elizabeth. Fazia dois anos que não tínhamos notícias dele. E de repente...

— O meu... pai? — Elizabeth parecia atônita.

— O pai dela?! — exclamei, ainda tossindo.

— É melhor falarmos sobre isso amanhã, quando ele chegar — disse minha mãe, encerrando o assunto. — Vocês vão ter bastante coisa pra conversar. É bom descansarem.

Ela se levantou e começou a recolher os pratos da mesa.

— Se ele vem, então é melhor eu voltar pra minha casa — disse Elizabeth, num tom que raramente usava.

— Nem pensar, mocinha — respondeu meu pai, também se levantando. — Você dorme aqui hoje.

— De novo — murmurou Mary, espreguiçando-se. Meu pai lançou um olhar fulminante. — Claro… não tô dizendo que isso é ruim.

— Vai para casa e prepara as coisas para a chegada do seu pai. Depois do café da manhã, tudo bem?

— Ok — respondeu Elizabeth, com um sorriso um tanto sem graça. Ia pegar o prato, mas minha mãe a impediu.

— Pode deixar. O Alex e eu lavamos a louça hoje.


Elizabeth e eu morávamos na mesma rua, então não levou tanto tempo até ela ir lá e já voltar com o seu pijama de bolinhas. Ela deitou na minha cama e eu, no chão, sobre algumas almofadas. Já estava acostumado, então era confortável o suficiente.

O quarto estaria totalmente escuro, se não fosse pela luz do luar entrando pela janela. Os cabelos da Elizabeth brilhavam como prata sob o reflexo suave.

— Neri? — ela sussurrou, achando que eu estivesse dormindo.

— Tô ouvindo.

— O que você acha que o meu pai vai dizer amanhã?

A preocupação era evidente na voz. Respirei fundo.

— Não faço ideia. Provavelmente sobre a escola onde vamos cursar o ensino médio.

— E se os nossos pais não nos deixarem na mesma escola?

— E quem disse que não estou? Nós nos conhecemos há muito tempo. Estamos juntos desde sempre, pensar que podemos ficar distantes é meio... — Suspirei. — Enfim. Lembro bem da primeira vez em que te vi. Você era tão pequena ao lado do seu pai, parecia uma bonequinha de porcelana. Tínhamos uns seis anos.

— Pelo que me lembro, a primeira vez que nos vimos foi na escola. No meu primeiro dia.

— Foi quando você me viu pela primeira vez. Eu te vi antes disso. Da janela do meu quarto, quando o caminhão da mudança chegou. Você estava de mãos dadas com o seu pai e o Meufrin saiu da casa com a cara emburrada.

Soltei uma risada ao lembrar.

— Corri até a minha mãe, dizendo que três anjos tinham acabado de se mudar pra nossa rua. Ela riu e disse pra eu me acalmar — quem sabe eu fizesse novos amiguinhos. No dia seguinte, nos falamos na escola, e percebi que você era tão bonita e tímida quanto parecia.

O silêncio dominou o quarto. Mesmo com pouca luz, era visível que seu rosto estava corado.

— Enfim, não é como se eu não estivesse preocupado. Estou sim. Mas ficar ansioso não muda nada. A decisão não depende da gente.

— E se eles realmente quiserem nos separar? Talvez pensem que somos dependentes demais um do outro... Afinal, não temos muitos amigos.

— Nós dois somos simpáticos e de boa índole. Tentamos fazer amigos, lembra?

Ela riu. Provavelmente se lembrou dos fiascos que foram nossas tentativas.

— Melhor dormirmos. Se der errado, é só fazer aquela sua carinha de cão sem dono. Ninguém resiste. Você é especialista nisso.

Um travesseiro voou e me acertou em cheio.

— Vou te mostrar quem é o cão sem dono!

Três batidas secas vieram da parede ao lado.

— Vão dormir! — era a voz da minha mãe.

Nos acomodamos em silêncio, e pouco a pouco, com a luz da lua cobrindo o quarto, veio o sono.

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