Volume 1
Capítulo 1: Jack Snow está de volta?!
Ponto de vista de Neri Hofirman - 25 de Janeiro de 2025, num pequeno país, no hemisfério norte do planeta.
— Vamos, Neri! — Elizabeth exclamou, segurando um pequeno caderno. Havia feito um cronograma de atividades para as próximas semanas. — Você tem que concordar comigo que esse é o melhor jeito de passar o final das férias!
Elizabeth Snow, minha melhor — e única — amiga. Quase não lembro da minha infância antes de conhecê-la. A vi pela primeira vez quando tinha seis anos. Ela era peculiar em sua aparência, mas isso não anula o fato de ser a garota mais bonita que já vi.
Os seus cabelos eram longos e totalmente brancos, quase reluzentes. Olhos de um azul tão claro que, olhá-los, era como observar o céu ensolarado, sem nuvens. A pele rosada, parecida com porcelana, e a voz suave e angelical.
— Elizabeth — respondi, ao pausar o filme que assistia e olhá-la. — Estamos no fim das férias, não vamos fazer tudo o que pensou. E nunca dá certo quando tentamos alguma coisa que planejamos. Algo sempre sai do controle.
— Ta! Eu sei, mas…
— Nunca...
— Talvez…
— Da...
— A gente pode…
— Certo...
— E se…
— Nunca...
— Cala a boca e me escuta! — reclamou, se colocando à frente da televisão. — Eu sinto que dessa vez dará certo.
— Você disse a mesma coisa nas últimas 5 vezes — afirmei, lembrando dos últimos casos.
Elizabeth grunhiu e se jogou ao meu lado, no sofá.
— Por que você é sempre assim?
Não respondi. Iria tornar ao filme quando a minha mãe, Lily, entrou na sala. Uma mulher de 45 anos, estatura baixa, cabelos lisos e negros, sua pele era branca e os olhos tão escuros quanto os cabelos. Nossa fisionomia era semelhante.
— O que está acontecendo? — questionou ao tomar o controle e desligar a televisão.
— Nada, senhora Hofirman. — Elizabeth abraçou uma almofada. — Só o seu filho, sendo um chato como sempre.
— Ei!
— Tenta convencê-lo a acampar! — Ela se colocou em pé e foi até a minha mãe, segurando a sua mão. — Por favor.
— Acampar? — repetiu — Parece uma boa ideia, não?
— Não!
— Isso! — Elizabeth comemorou, erguendo os braços em sinal de vitória.
— Que dia pretendem ir?
— Provavelmente semana que vem — Elizabeth respondeu.
— Semana que vem? — minha mãe não parecia confortável agora. — Não vai dar, Elizabeth.
Suspirei. Elizabeth estava desapontada no momento, seus olhos já não mostravam o brilho de antes.
— Desculpe, querida — ela lamentou enquanto alisava os seus cabelos. — Depois falamos disso, está bem?
— Está tudo bem, senhora Hofirman — Elizabeth afirmou, enquanto sorria de volta.
Ela não murmurou. Mesmo quando as não iam conforme o planejado, Elizabeth nunca abria sua boca para reclamar, pelo contrário; sempre dava um jeito de ver o lado bom.
— Eu só vim avisar que o jantar já está pronto — minha mãe nos informou, voltando à cozinha. — Esperamos vocês na mesa em cinco minutos. E chame a sua irmã, Neri!
— Mary — gritei de onde estava. — O jantar está pronto!
Ouvi passos apressados no segundo piso. Minha irmã desceu as escadas e passou por nós como um raio; mas parou quando viu a Elizabeth.
— Elizabeth! — exclamou enquanto a abraçava. — O que faz aqui?!
Mary — ou Mariane — a minha irmã mais velha. Tinha 22 anos, era negra e alta. Eu sendo uma cópia da minha mãe, e ela, do meu pai. Cabelos crespos presos por tranças, olhos escuros e grandes. Embora seu olhar fosse doce; sua personalidade era ácida.
— Vim tentar convencer o Neri a acampar, porém ele não quer. E a sua mãe disse que de qualquer forma não daria.
Ela suspirou. Embora houvesse aceitado que não iríamos acampar, era nítida sua frustração.
— Fica tranquila! O Neri é um idiota que prefere um dia no shopping ao inves da natureza. E tenho certeza que a minha mãe tem bons motivos. — Completou sorrindo.
— Eu sei que ele é um idiota, mas… — Olhou para mim com uma expressão séria. — Eu não desisti ainda.
— Isso é uma ameaça? — questionei.
— Tá... Beleza… — Mary falou enquanto se afastava lentamente em direção a cozinha. — Vocês dois são estranhos.
Tudo ia bem durante o jantar. Conversas bem-humoradas e divertidas; exceto quanto o meu pai falava sobre jogos e política.
— Amanhã o Jack estará de volta — ele disse repentinamente.
A frase fez qualquer outro assunto ser trocado por um silêncio desconfortável; enquanto eu me engasgava com um bocado que havia engolido.
Jack Snow, pai da Elizabeth. Fazia cerca de dois anos que não tínhamos notícias dele! E de repente…
— O meu... pai?
Elizabeth parecia desnorteada com a informação.
— O pai dela?! — questionei, finalmente consegui respirar.
— É melhor falar sobre isso amanhã quando ele chegar, não é? — minha mãe interrompeu. — Vocês terão muito o que conversar, então é bom descansar.
Ela colocou-se de pé e recolheu os pratos vazios sobre a mesa.
— Se ele vem, então é melhor eu voltar para a minha casa — disse Elizabeth, num tom que raramente ouvia da sua boca.
— Nem pensar, mocinha — meu pai respondeu ao se pôr de pé, ao seu lado. — Você dorme aqui hoje.
— Novamente — Mary balbuciou se espreguiçando. Meu pai a fuzilou com o olhar. — Claro… não estou dizendo que isso é ruim.
— Enfim — ele tornou a falar. — Vai dormir aqui hoje. Após o café, você volta para a casa e prepara o local para receber o seu pai, tudo bem?
— Ok. — Elizabeth sorriu de maneira desajeitada. Iria pegar o prato e se levantar quando foi barrada pela minha mãe, que o pegou em seu lugar.
— Pode deixar, Alex e eu lavamos a louça hoje.
Elizabeth e eu morávamos na mesma rua, a apenas alguns metros de distância. Não levou muito tempo entre ela ir buscar algumas roupas e voltar. Rapidamente já estávamos prontos para dormir, ambos no meu quarto.
Elizabeth como de costume, deitada na minha cama e eu, no chão sobre as almofadas do sofá. Já estava tão acostumado que era como dormir num colchão.
Estaria completamente escuro, se não fosse pela luz do luar que entrava pela janela e iluminava o ambiente. Os cabelos da Elizabeth resplandeciam de forma mística devido a luz.
— Neri? — sussurrou. Deve ter pensado que eu havia adormecido.
— Estou te ouvindo.
— O que você acha que o meu pai vai falar amanhã?
Era nítida a preocupação em sua voz. Respirei fundo antes de responder.
— Não faço a menor ideia. Talvez sobre a escola onde faremos o ensino médio.
— Mas... — ela silenciou por um momento. — E se os nossos pais não nos deixarem na mesma escola?
— Você sabe que eles não vão fazer isso.
Tentei parecer confiante em minha afirmação, mas o meu peito era atormentado com tal hipótese. Estou ao lado da Elizabeth praticamente a minha vida toda! Não tenho a menor ideia de como seria sem ela comigo, e um pensamento como aquele era aterrorizante para mim.
Ela sentou-se na cama e olhou para mim por quase um minuto. Aquilo era estranho.
— O que você quer me falar?
Suspirou enquanto colocava a mão sobre a testa e puxava os cabelos para trás, tirando-os do rosto.
— Por que você não parece preocupado com isso?
— Como eu não estaria? Nos conhecemos a tanto tempo… Lembro bem da primeira vez em que te vi. Era tão pequena perto do seu pai, parecia uma bonequinha de porcelana. Tínhamos cerca de seis anos na época.
— Pelo que me lembro, a primeira vez que nos vimos foi na escola, no meu primeiro dia.
— Você me viu lá pela primeira vez. — Um sorriso se formou em meu rosto ao lembrar daquele dia. Talvez com as memórias levemente distorcidas pelo fato de ser a tanto tempo e não passar de uma criança na época; ainda assim, eram fiéis o suficiente para me alegrar e trazer à tona uma nostalgia que ardia em meu coração como um turbilhão. — Eu te vi pela janela do quarto, enquanto o caminhão da mudança era descarregado. Você estava segurando a mão do seu pai e o Meufrin saiu de dentro da casa, ele não parecia animado com a mudança.
Soltei uma risada antes de prosseguir.
— Lembro que fui correndo até a minha mãe, avisar que três anjos haviam acabado de se mudar para a nossa rua! Ela sorriu e disse para eu me acalmar; quem sabe não fizesse novos amiguinhos. Voltei para o quarto e observei a mudança. No dia seguinte, nos falamos na escola, e percebi que era tão bonita e tímida quanto havia transparecido naquela situação que vi da janela.
Um silêncio tomou conta do ambiente. Olhei para a Elizabeth e pude ver, mesmo com pouca luz, que o seu rosto estava vermelho. Provavelmente continuar nesse assunto só causaria mais constrangimento.
— Enfim, não é como se eu não estivesse preocupado. Estou, mas se preocupar não irá resolver nada; a escolha não depende de nós.
— E se eles realmente quiserem nos deixar em escolas diferentes? — ela perguntou deitando novamente. — Talvez pensem que somos dependentes demais um do outro. Afinal de contas, não é como se tivéssemos dezenas de amigos.
— Nós dois somos simpáticos e pessoas de bem. Não é culpa nossa que até hoje ninguém quis se aproximar de nós. Tentamos, lembra?
Ela riu, deve ter lembrado dos fiascos que ocorriam todas as vezes que tentávamos fazer novos amigos.
— Bom, vamos dormir. Qualquer coisa, é só fazer uma cara de cão sem dono para eles, assim mudam de ideia rapidinho. Você é expert nisso — conclui ao deitar.
Um travesseiro me acertou em cheio.
— Vou te mostrar quem é o cão sem dono!
Três batidas ecoaram da parede ao lado.
— Vão dormir! — Era a voz da minha mãe.
Rapidamente nos acomodamos novamente, esperando pelo sono, em silêncio.