Arcanum Brasileira

Autor(a): Gbarrenha


Volume 1

Capitulo 0: Um futuro além da minha visão

Ponto de vista desconhecido — 14 de Dezembro de 2010, em algum lugar numa vila remota. "O grande continente, Arcanum.”

 

A fumaça negra que cobria o céu já escuro pela noite, dava para aquele campo de batalha... não, para aquela pequena vila que estava a ser destruída; por uma minúscula parte do meu exército, um charme sem igual. Charme esse que se destacava conforme os gritos de desespero inundavam os meus ouvidos.

Era incrível. Eu estava no topo de um penhasco, com a vila logo abaixo. Deveria ser cerca de uns 90 metros de pura queda até chegar lá; ainda assim, conseguia ouvi-los. Estavam realmente desesperados. Árvores, casas de barro, tijolos e palha… tudo queimava num vermelho incandescente. Aquela era uma noite bem iluminada.

Vi então, uma fêmea que fugiu pela espreita da vila e carregava consigo seu filhote. Ouvia com clareza o choro estridente.

Senti um frenesi acelerar o meu coração. Ver as minhas bestas destruírem vidas de seres inferiores era bom, mas fazer isso com as minhas próprias mãos era indescritível! Como reflexo, devido às milhares de vezes que o fiz, ergui minha mão em sua direção. Uma pequena esfera de luz se formou.

Esbocei um sorriso ao imaginar o que viria a seguir. Milhares de anos e o sentimento ainda permanecia. Mas… até mesmo alguém como eu pode ser misericordioso.

Boom. — Disparei então o meu ataque contra a pobre criatura e sua prole. 

A explosão gerada dizimou tudo num raio de dez metros. O choro insuportável do bebê havia cessado. Ao menos assim, não sentirá dor por ter seus membros dilacerados pelas bestas.

Apreciei aquele momento, respirando fundo. A sensação da brisa gélida se misturando ao ar quente que subia era confortante. Podia sentir os meus músculos relaxarem ao pensar que tudo ia conforme o planejado.

— Meu Senhor. — Ouvi a voz da Fox, a minha mais leal súdita, ecoar detrás de mim. — Trago notícias que podem ser de seu interesse.

— E o que seria?

— Os Hofirman's do Sul, do segundo grupo, tiveram mais um filho. Um garoto chamado Neri.

Era bom demais para ser verdade! Como assim, mais um filho dos Hofirman's?! Senti o coração bater forte e uma leve ansiedade correr em minhas veias. Naquele instante, cada célula do meu ser dizia que algo estava errado.

— Mais uma criança dos Hofirman's? Isso não estava nas minhas previsões. — Me virei para ela, estava ajoelhada. — O que mais sabem sobre o garoto?

— Aparentemente ele não tem poderes.

— Uhm... mais um Hofirman sem poderes? Este já é o segundo caso.

— Exatamente, mas...

— Mas? — repeti. Percebi que a Fox havia paralisado diante da minha indagação.

— Perdoe-me, meu Senhor! — Ela tocou com a testa no chão. — Mas um Hofirman ainda é um Hofirman… Mesmo sem poderes, eles representam uma ameaça.

Olhei para o céu escuro. Aquela afirmação era verdadeira. 

Um Hofirman não precisava usar seus poderes para derrotar um batalhão com os meus soldados de classe média. Quando se trata de combate, eles eram verdadeiros monstros. Mas é claro que eram tão poderosos… é a natureza deles!

Estranho... por algum motivo, eu não consegui prever essa criança com o oráculo.

Que tipo de ameaça ele poderia simbolizar para o meu plano? Ainda assim, ele não tem poderes, e alguém sem poderes, mesmo um Hofirman; não derrotaria os meus soldados mais poderosos. Não faria um único arranhão na armadura da Fox.

— Peça para a Cherry enviar um grupo de vigilância. Observem a  criança, pelo menos até os três anos. Provavelmente os poderes não despertaram ainda.

— Sim, meu Senhor!

Olhei para o espetáculo que acontecia abaixo. Os civis estavam mortos, ou encarcerados para futuras experiências. As bestas se alimentavam dos corpos frios e espalhados pelo chão. Mesmo após milhares de anos, não deixava de admirar cenas como aquela. Inspirei fundo.

— Fox, e quanto a família Snow? Sua maldição se concretizou?

Pude vê-la tremer; claramente uma excitação explosiva invadiu o seu ser. Não passava de uma maníaca que traz sofrimento com suas palavras e poder.

— A princesinha de gelo vai crescer sem a sua mamãe por perto. — Um sorriso maquiavélico distorceu o seu rosto.

Uma gargalhada estrondosa saiu dos meus lábios, cobrindo quase que totalmente as lamentações da vila. 

— Quer dizer que nem mesmo uma das famílias mais influentes dos sobrenaturais conseguiu arranjar um jeito de quebrar a maldição?

— Não, meu Senhor! Foi maravilhoso ver eles sofrendo; enquanto desesperadamente, aquele verme do Jack Snow, tentava salvar as vidas da esposa e filha!

A expressão da Fox seria assustadora para mim, se eu já não estivesse acostumado com aquilo. Ainda assim, não conseguia dizer o que ela pensava naquele instante.

Suspirei, aliviado ao saber que ela não havia mudado nada em duzentos e cinquenta anos.

— Isso é bom — falei por fim. — Vá dar as ordens a Cherry, e aproveite para ver como o Ofir anda no extremo oriente. Não creio que ele esteja tendo problemas; mas é bom prevenir. As famílias Tesla e Behemoth podem ser problemáticas.

— Sim, meu Senhor!

Rapidamente, Fox desapareceu, me deixando à deriva em meus pensamentos. 

— Um Hofirman que eu não previ? — sussurrei.

Senti um leve aperto no peito, conforme a cicatriz em meu rosto queimava a minha pele. Como poderia esquecer da noite em que quase conheci a morte? Quando, pela primeira vez em milênios, vi o meu sangue cobrir minha face.

Pensar que um único mortal foi capaz disso era aterrorizante! O homem que tinha o Espaço em suas mãos! Mas… ele havia desaparecido há cinco décadas, se voltasse agora não seria capaz de me ferir. Então por quê?! Será que essa criança… Não, não é possível! Não pode ser possível!

— Neri Hofirman — balbuciei, quase cerrando os dentes. — Vamos ver do que ele é capaz.



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