Volume 1
Capítulo 14: A cerimônia dos clãs (I)
— Calma, garota! — Um ser pequenino escorregou pelo pescoço do dragão. — Sei que você gostou dos novos alunos, mas não podemos assustá-los!
A criaturinha pulou de cima do titã e pousou na minha frente. Era um anão, de longos cabelos grisalhos e ressecados. Seu nariz era torto e comprido; e os seus olhos se camuflavam diante das rugas que tomavam o seu rosto.
— Sou a Madame Meg! — A voz era estridente e aguda. — A professora de poções e feitiços desta escola! E essa… — Deu dois tapas no colosso. — É a Grande Guardiã! Qualquer aluno que aprontar ou quebrar as regras desta instituição de ensino, será convidado a passar uma noite com a nossa querida protetora!
Os alunos estremeceram diante da afirmação da professora, eu incluso.
— O intuito era causar medo nos alunos, Madame Meg? — o Sr. Fera questionou.
— Apenas me empolguei um pouco!
Ela soltou uma gargalhada rouca e engasgada, antes de virar em direção ao portão da escola. A Grande Guardiã alçou voo e sumiu acima das árvores.
— Vamos lá, galera! Hora de conhecerem o interior do castelo! — gritou ao passar pelos portões.
O Sr. Fera e o diretor Merlim se entreolharam. Pude ver um sorriso se formar no rosto do diretor, que balançou a cabeça. Fizeram um sinal para os seguirmos.
— Graças a Deus… — Elizabeth balbuciou. Uma gota de suor escorreu pelo seu rosto. — Achei que fossemos morrer.
Ri diante de tal situação. Não havia companhia melhor para me acompanhar nesse mundo novo. Adentramos os muros do castelo. Em seu interior havia um grande jardim, como uma extensão da floresta no exterior; com incontáveis árvores e arbustos espalhados por todos os lados.
Um par de grandes portas nos separava daquele que de fato era o interior da construção. Em suas laterais se encontravam duas estátuas gigantescas, reluzindo num tom dourado quase cegante. Uma raposa a esquerda e um lobo a direita; acima, fundida com as pedras da parede, uma coruja parecia voar de maneira imponente.
Os detalhes nas três estátuas eram magníficos. Os pelos, penas e até mesmos os olhos… Elas pareciam vivas, protegendo a entrada da escola como cães de guarda.
Ouvi um bater de asas aproximando-se de nós, a Grande Guardiã passou acima das nossas cabeças e pousou novamente na muralha. Os alunos já não pareciam se incomodar com ela ali; contudo, algo me incomodava naquele dragão… Os seus olhos direcionaram-se a mim, aqueles grandes e escuros olhos…
Vi uma fumaça negra vazar por entre os seus dentes. Ouvi, ao longe, gritos desesperados e repletos de angústia; olhei em volta. Alguém mais ouviu isso? Não, eles entravam no castelo despreocupados com algo assim. Observei a criatura, com seus olhos ainda vidrados em mim.
— O que é você? — sussurrei.
— Neri! — a Elizabeth chamou-me. Ela já estava com os demais, eu havia ficado para trás. — Vem logo!
Corri e passamos pelas portas, deparando-nos com um ambiente arcaico. O teto era tão alto que mal se podiam ver os detalhes das pinturas, representando diversas batalhas e conquistas; imensas colunas pareciam o impedia de cair sobre os alunos. Os corredores eram decorados com quadros vivos que acenavam para nós e estátuas de mármore cumprimentavam-nos com suas mãos rígidas e frias. Escadas e mais escadas surgiam ao andarmos; boa parte do piso era de madeira, outra, de rocha.
Então percebi, o Afonso havia desaparecido; não só ele, mas todos os guarda-costas e alunos que não eram do primeiro ano sumiram. Como ninguém parecia preocupado com a situação, não achei que seria ideal ser o único a questionar; apenas segui em frente.
Chegamos ao fim de um dos corredores, nos deparando mais uma vez com um grande par de portas.
— Mais portas? — questionei.
— Está reclamando das portas? — Elizabeth me respondeu. — Já viu o tanto de escadas e corredores que esse lugar tem?!
Me esforcei para não gargalhar.
— Isso porque só andamos num único corredor. Imagina as escadas e corredores que os outros corredores escondem!
Se a Elizabeth iria rir ou não, não sei, já que todo o murmurinho que os alunos faziam foi interrompido pelo som das grandes portas, que se abriram num rangido alto e agudo. Foi-nos revelado um extenso salão, iluminado por tochas flutuantes e candelabros dispersos sobre três mesas que se estendiam de uma extremidade a outra do cômodo.
Cada uma delas estava forrada por panos de cores diferentes; a do centro era cinza, a da direita num tom azul e a da esquerda, roxa. Não havia nada servido nas mesas, o que era estranho, já que centenas e centenas de alunos estavam assentados; os mesmos que desembarcaram do trem conosco e sumiram minutos antes de chegarmos naquele salão, agora vestidos com túnicas brancas, onde a única diferença eram alguns bordados na coloração das mesas em que estavam assentados.
Assim que entramos no local, todos se colocaram de pé. Seguimos os docentes pela lateral esquerda, até o final do salão; onde uma mesa estava sobre um palanque horizontal, de maneira que permitia as pessoas assentadas observarem o ambiente. O diretor sentou-se e Madame Meg solicitou auxílio a um homem carrancudo, que a colocou sobre um assento. Duas cadeiras ficaram sem uso.
Pequenos seres de madeira se aproximaram de nós; tinham a forma de ursos bípedes e os olhos brilhavam numa coloração amarelada. Dois deles empilharam-se e esticaram a mão — ou seria a pata? — para mim, como se pedisse algo. Olhei em volta e percebi que levavam consigo as malas dos alunos; tirei, então, a minha mochila e os entreguei.
— Eles são os mors — falou um rapaz na minha retaguarda, após colocar a mão em meu ombro. — São como pequenos servos, só que de madeira.
Ele era alto, possuía olhos azuis e cabelos loiros brilhantes, aparentando ser um jovem burguês do século XIX. Não parecia nem de longe ter a mesma idade que a Elizabeth e eu. O sorriso em seu rosto era gentil, mas tão… estranho.
— Obrigado por nos avisar — Elizabeth interveio, como um sorriso simpático, como sempre. — Somos a Elizabeth e o Neri, e você? — Ela estendeu a mão para ele.
Ele segurou-a, aproximou do seu rosto e a beijou.
— Excalibur… Oliver Excalibur.
Elizabeth puxou a mão de maneira brusca, o seu rosto estava corado; senti um reboliço no estômago. Ela desviou o olhar, e deu um passo para trás, quase escondendo-se atrás de mim.
Olhei para o rapaz, que apenas sorriu e passou a mão no cabelo.
— Oliver, não é? — Forcei o sorriso mais simpático que podia naquele momento.
Todos voltaram a atenção para o Sr. fera.
— Muito bem, jovens do primeiro ano de WallBright. Presentemente, vocês participarão da cerimônia dos clãs, o momento que decidirá vosso futuro pelos próximos 5 anos!
Os alunos assentados começaram a uivar, gritar, bater com as mãos na mesa e os pés no chão; estavam animados para aquele momento.
O Sr. Fera fez um sinal e todos se calaram.
— Tragam a chama remanescente da Fênix Nêmesis!
— Fênix Nêmesis! Fênix Nêmesis! Fênix Nêmesis!
Os alunos repetiam sem parar, enquanto inúmeros mors entravam pela lateral do salão, formando uma fila que ia até o Sr. Fera. Foram passando a cada um, um pedestal onde foi posto um vaso dourado. Era nítido que dentro dele queimava uma chama num tom avermelhado, quase incandescente.
Os alunos gritaram e vociferaram até calarem e o professor tornar a falar.
— Dentro deste vaso está a última fagulha da Fênix Nêmesis, um fogo capaz de sondar o íntimo e profundo de cada ser! Ele nos revelará a qual clã pertencem! Seja Whitorn, o destino de todos que são fortes de espírito e corpo, corajosos e valentes! Estes terão o prazer de serem instruídos pela professora Lux! No momento ela está ausente, mas em breve se unirá a nós.
A mesa de cor cinza explodiu em gritos, todos eles batiam palmas e agitavam-se diante das suas palavras.
— Ou, também, podem ser direcionados para Infirt; o lugar onde habitam os sábios e excêntricos. Um clã focado na formação de grandes e brilhantes mentes! Ali, vocês serão acolhidos e direcionados pela Dona B e eu!
Uma mulher de longos cabelos castanhos, olhos verdes e vestido vermelho pôs-se em pé. A mesa azul a ovacionou; seria ela a Dona B?
— Ou quem sabe sejam incluídos num lugar repleto de pessoas determinadas e ambiciosas? Se tiverem a força de vontade para ir além e alcançar os objetivos, vocês farão parte de Ghollfried! Rejeitado ou esquecido? Abandonado ou negligenciado? Não se preocupem! A Senhora das Trapaças; professora Íris, lhes mostrará o caminho para se fortalecerem!
Uma mulher, com tapa-olho e o rosto de cheio de cicatrizes, cabelos curtos e grisalhos, levantou-se. A mesa roxa urrou de alegria.
— Eles são animados, hein — Elizabeth balbuciou, dando-me um cutucão.
Os nossos próximos cinco anos serem decididos por uma chama era uma ideia que soava um tanto quanto estranha. Confesso estar curioso para saber que fim daria tudo aquilo.
Um mors aproximou-se do Sr. Fera e lhe entregou um pergaminho, que foi aberto e desenrolou até tocar o chão. Aquela era visão engraçada; perto do Sr. Fera, a criaturinha parecia um bebê recém-nascido.
— Alessandra Haver! — o professor chamou.
A garota que estava no final da fila levantou a mão, dirigindo-se até o palanque. Os seus cabelos eram longos e extremamente escuros; a expressão em seu rosto revelava a sua confiança. Não pude deixar de notar alguns burburinhos dos alunos nas mesas enquanto ela se aproximava.
Subiu a pequena escada e parou em frente ao pedestal. O Sr. Fera fez um sinal e ela colocou o antebraço no vaso. Levei a mão a boca num reflexo diante daquela cena; pensei que a garota correria pelo salão com o punho em chamas, mas nada aconteceu… Não com ela.
O fogo no recipiente agitou-se e saiu de um vermelho incandescente para um cinza brilhante, quase prateado! A mesa de Whitorn explodiu em gritos e comemoração, estavam felizes com a sua nova companheira.
— Alessandra Haver, bem-vinda a Whitorn! — o Sr. Fera comemorou.
No instante em que recolheu a mão, suas roupas foram envoltas por um brilho de cima a baixo, mudando o aspecto das vestes da garota. Quando o brilho desapareceu, ela vestia a mesmíssima roupa que os alunos de seu novo clã.
Olhei para a Elizabeth, pude ver em seus olhos um brilho que com certeza estava nos meus também. A animação começou a tomar conta de nós; o meu coração vibrava com aquela cena. Nos contemos para não sair pulando por aí.
Esse sentimento permaneceu até ouvir um nome familiar ser chamado.
— Alex Wastly!