Volume 1
Capítulo 13: Chegando em WallBright
Acordei num pulo! Eu estava novamente no meu quarto e a Elizabeth dormia tranquilamente na cama ao lado; por quanto tempo eu havia apagado?
— Elizabeth? — a chamei. Ela se mexeu um pouco e logo despertou.
— Neri? Já acordou? — Sentou-se lentamente. — Do jeito que estava ontem, eu achei que dormiria por uma semana.
— Olha quem fala. Você estava colocando para fora até o que já não tinha mais na barriga.
Ela gemeu e deitou-se novamente.
— Não me lembre disso, por favor… Achei que eu fosse morrer.
A mesma voz de antes soou pelo quarto.
“Atenção, passageiros.”
— A não… De novo, não… — ela lamentou.
“Estamos chegando em WallBright! Peço, por gentileza, que peguem as suas malas e se direcionem para fora dos aposentos. A modificação física da locomotiva já foi realizada, facilitando o desembarque de todos na plataforma. Alguns dos docentes de WallBright estarão aguardando por cada um dos alunos.”
— Graças a Deus… — agradeceu. Realmente deve ter ficado muito ruim depois de ontem.
— Tive um sonho estranho… — comentei.
— Um sonho estranho?
— Sim. Acho que vi algumas das pessoas que os nossos pais comentaram; inclusive… a Fox…
Elizabeth levantou lentamente e me olhou nos olhos. Seu olhar estava abatido, talvez pelo mal-estar de ontem; mas não pude deixar de notar o pequeno feixe de angústia que refletiu neles por um instante.
Três batidas fortes quase derrubaram a porta, fazendo com que pulássemos de susto. Fui até lá e a abri. Uma onda forte de ar passou por mim, quase me lançando ao chão, e uma luz forte vinha do lado de fora.
— Jovem Hofirman. — Afonso me chamou. Eu quase não conseguia ouvir a sua voz devido ao barulho do vento. — Está na hora. Do desembarque.
— Obrigado! — gritei, fechando a porta devagar.
Olhei para a Elizabeth, que parecia surpresa com aquilo. Abri um grande sorriso e ela me acompanhou. Rapidamente pegamos as malas e vestimos as nossas blusas; estávamos animados com tudo aquilo.
— Pronta?! — perguntei ao colocar a mão sobre a maçaneta.
— Você primeiro. — Ela sorriu.
Girei a maçaneta da porta e a abri novamente. Fomos surpreendidos com a mesma ventania de antes. Demos um passo para fora e percebemos… O trem estava voando!
Pessoas e mais pessoas passavam por um corredor estreito que nos levava a algumas saídas ao longo do caminho. Era como uma longa varanda na beirada do trem. Para onde fora o restante do trem?! Os quartos, a recepção e tudo mais?! Só havia aquele corredor!
Afonso estava parado ao lado da porta, como de costume. Aquele vento forte não parecia incomodá-lo; nada havia mudado para o grandalhão. Elizabeth e eu nos aproximamos do parapeito e os nossos olhos contemplaram uma vista magnífica.
Um mar estendia-se infinitamente abaixo de nós. Mais adiante, uma vasta ilha flutuava solitária sobre as águas profundas; uma montanha, que subia de sua borda, servia de repouso para um castelo colossal cercado por uma muralha altíssima. O trem começou a descer em direção ao castelo, conforme um cais submergia ao redor da ilha, circundando-a quase que completamente.
— Eu não paro de me surpreender com essas coisas… — Elizabeth balbuciou.
Seu olhar brilhava de uma maneira esperançosa e animada. Seus cabelos brancos, esvoaçados pelo vento e reluzindo com a luz do Sol, davam um ar quase divino a ela.
— Uau… — sussurrei.
— Acredito que o. Melhor a se. Fazer. É seguir os. Demais.
Afonso estava certo. Não podíamos ficar ali parados, deveríamos acompanhar o fluxo dos alunos. Seguimos calmamente a onda de pessoas que andavam pelo corredor até pararmos em frente a um pórtico de metal trancado.
O trem foi desacelerando cada vez mais, até, por fim, parar ao lado do cais. O pórtico abriu com um rangido agudo e nós desembarcamos; tive de tomar cuidado para não escorregar, já que a madeira da ponte estava cheia de algas e limo. Até mesmo alguns peixes se debatiam sobre o cais, antes de virarem o lanche dos pássaros que nos sobrevoavam.
Fomos recebidos por alguns adultos vestidos com mantas das mais diversas cores e modelos; alguns pareciam magos, outros, guerreiros. Eles nos direcionaram a seguir até o fim do cais, onde o diretor da escola estaria nos aguardando.
Caminhamos por cerca de cinco minutos antes de chegar ao fim. Avistamos, não muito longe de nós, os irmãos Wastly, que pareciam não terem nos visto. Afonso seguia conosco, logo atrás, com os seus passos pesados que faziam a madeira ranger. Havia muitos adolescentes naquele lugar, a maioria com idades próximas à nossa; outros eram claramente mais velhos.
Chegamos ao fim da plataforma de madeira, ao pé da ilha. Uma trilha estendia-se floresta adentro, com pequenos totens de iluminação; embora estivesse claro e eles não fossem tão úteis naquele momento.
— Sejam bem-vindos, alunos! — Fomos recebidos por um senhor barbudo e esguio, vestindo uma túnica num tom vermelho-escuro, com um longo chapéu pontudo; claramente era um mago! — Aos futuros componentes do primeiro ano… Sintam-se em casa; e aos demais, espero que tenham curtido as suas férias!
Ele estava acompanhado de uma fera, ou seria um homem? Era um ser estranho, semelhante a um lobisomem. Uma criatura bípede, peluda e alta; mas vestida de forma tão elegante, que se não fossem os pelos e o focinho, seria facilmente confundida com um nobre.
— Sou Merlin, o diretor da afamada escola WallBright, local onde passarão os próximos cinco anos, sendo treinados e ensinados até tornarem-se a melhor versão de si! Este comigo é o Sr. Fera! Ele e a sua esposa, dona B, são os responsáveis pelo clã de Infirt e seus alunos.
— É um prazer rever os nossos alunos do ano passado — o Sr. Fera falou. Sua voz era grave e forte, me lembrava até mesmo o rugido de um leão. — E também conhecer aqueles que farão parte do futuro de Arcanum!
Ele se curvou para nós.
— Estamos recebendo, neste ano, alguns nomes de extrema importância para a nossa sociedade! — O diretor abriu os braços, como se nos abraçasse. — Quem sabe eles não sejam os vossos colegas de classe?! Por isso, sem mais delongas, peço que nos acompanhem! Afinal de contas, a Cerimônia dos Clãs nos aguarda!
Ambos viraram e seguiram pela trilha que levava ao castelo; éramos escoltados pelos professores que nos receberam no cais. Não pude deixar de notar que, desde que desembarcamos, olhares nos cercavam e murmurinhos eram ouvidos quando passávamos perto de alguns alunos. Percebi logo que não se tratava de mim, afinal, alguém além da Mical, Alex, Elizabeth e Afonso sabia quem eu era? O foco estava sobre a Elizabeth, com os seus cabelos brancos se destacando em meio à multidão; mas não parecia ter percebido a situação, já que estava encantada com tudo o que via.
Aquela era uma ilha vasta, então era de se imaginar que a flora e fauna do lugar fosse bem viva e agitada. Pequenos primatas de três caldas saltavam por entre os galhos das árvores, não deixando de brincar com os alunos.
Alguns pareciam aflitos com eles ali, já outros, se divertiam com os mesmos. Algumas aves com duas asas, outras com quatro. Insetos razoavelmente grandes, mas que não se aproximavam de nós. Serpentes passeavam pelo chão, enrolavam-se nas pernas dos alunos e logo saíam. Era como se toda a natureza estivesse em harmonia com as pessoas que ali estavam.
Elizabeth e eu não conseguimos deixar de admirar e nos maravilhar com tudo aquilo; era como um safári!
— Eles te deixarão em paz, desde que não mexa com eles. — Um rapaz moreno aproximou-se. Os seus cabelos eram ondulados e curtos. Seus olhos têm um tom castanho-claro. Levava consigo apenas uma pequena mochila; ele era claramente mais velho do que nós.
— Acho que no mundo dos comuns funcionaria assim também, se eles entendessem isso — comentei.
Ele riu.
— Acredite, a única diferença entre os sobrenaturais e os comuns são os poderes. No demais, somos exatamente iguais. Afinal, todos somos humanos!
Refleti naquilo por um instante.
— Não sei ao certo… Essa coisa de poderes e um lugar chamado Arcanum é nova para mim e para a minha amiga. — Apontei para a Elizabeth. — Crescemos no mundo comum, então tudo parece absurdamente mágico!
— Você vai perceber que não é tudo isso. Talvez os poderes façam de nós pessoas piores que os comuns, ainda mais quando se trata daqueles que estão no topo do mundo.
— Como os Hofirman’s, você diz?
Ele calou-se por um instante; parecia pensar com cuidado no que iria dizer.
— A questão referente aos Hofirman’s é complicada… É muito mais uma questão de ponto de vista, eu diria.
— Você fala como se estivesse pisando em ovos — brinquei, ele ficou claramente desconfortável com a minha fala.
— Enfim — mudou de assunto. — A sua amiga não é uma Snow? Como ela pode ter crescido longe de Arcanum?
— Os nossos pais não queriam nos envolver em toda a confusão das guerras e tudo mais — Elizabeth respondeu. — Então, optaram por esconder a existência desse mundo e dos poderes de nós. Bom… foi o que eles disseram.
— Mas pelo que sei, só existe um único núcleo da família Snow, Jack, Meufrin e…
— Elizabeth — ela concluiu.
— Nossa…
— Chocado com a notícia? Nós também ficamos. — Ela riu.
— Eu não diria chocado… Estou incrédulo porque é um potencial desperdiçado! Você já viu o seu irmão em batalha? Ou ouviu as histórias que envolvem o seu pai? Fico arrepiado só de pensar!
Se animação tivesse um cheiro, esse cara estaria impregnado com o odor.
— Acho que encontramos um fã — sussurrei para ela.
Chegamos frente a uma muralha colossal, conectada por um portão de carvalho tão grande quanto.
— Ah! Acabei nem me apresentando, que grosseria da minha parte! Sou Jacob Fin-Hol, primogênito da família Fin-Hol e o aluno inspetor do clã de Infirt! E você, jovem estudante do primeiro ano, quem seria?
— Sou Neri Ho…
A minha fala foi interrompida por uma brisa forte que sacudia as árvores. Os seres da mata se agitavam, fugindo por entre os troncos e galhos; escondendo-se em suas tocas. De repente, o céu escureceu e vi, passando acima das árvores, uma criatura de proporções titânicas! Um enorme dragão vermelho batia as suas asas imponentemente.
Ele pousou sobre a muralha, que nem mesmo tremeu com o seu peso. As suas escamas reluziam com a luz do Sol, fazendo parecer que o seu corpo ardia numa cor carmesim.
A cauda da criatura caiu do lado de dentro dos muros, barrando a passagem pelo portão. O dragão esticou o pescoço até nós e soltou uma baforada em nossa cara; seu hálito era terrível! O meu estômago revirou com o cheiro podre. A Elizabeth apertava o meu braço com tanta força, que talvez eu tivesse de amputá-lo pela falta de circulação do sangue.
— Neri… — ela me chamou.
Olhei para os seus olhos, ela estava quase chorando e tremendo. Como julgar, se eu mesmo estava apavorado? Mal conseguia me sustentar de pé. Aquele ser nos observava individualmente; mas, por um instante, vi os seus olhos se fixarem em mim. O dragão mostrou os dentes, como se rosnasse.
O titã veio lentamente na minha direção, ao tocar com as patas dianteiras no solo, pude sentir o chão estremecer sob os meus pés. De repente, me vi cara a cara com ele. Os seus olhos eram negros e profundos; senti como se eu caísse num poço sem fundo.