Arcanum Brasileira

Autor(a): Gabriel Barrenha


Volume 1

Capítulo 11: Fazendo as pazes! Ou quase... (I)

Entramos no quarto e, de praxe, Afonso ficou parado ao lado da porta.

Elizabeth se jogou na cama, espreguiçando-se, e eu sentei na minha; ainda pensativo quanto a tudo aquilo que ouvira do Alex. O que a minha família... não. O que os Hofirman's haviam feito com o clã Wastly?

—  Afonso! —  o chamei. Não foi de imediato, mas logo apareceu na porta. —  Pode vir aqui, por favor?

Se espremeu por entre os batentes da porta e, com um pouco de esforço, conseguiu entrar. Como ele havia passado tão facilmente pela porta do quarto dos Wastly?

—  O que você sabe sobre os Hofirman's?

Afonso parou por um instante, me olhando com a sua expressão de indiferença. Sei que procurava as palavras corretas para me dizer o que quer que fosse.

—  Você tem certeza. Jovem Hofirman. Que deseja ouvir. De mim. Aquilo que sei. Sobre o sangue. Hofirman?

Suspirei. A curiosidade era grande; mas estremecia só de pensar no que poderia acabar ouvindo.

—  Acredito que o. Melhor a se. Fazer. É buscar a. Resposta por si. Só. Afinal. Só assim você. Poderá tirar as. Próprias conclusões.

Ele tinha razão. Me preocupar com aquilo, no momento, não seria o ideal, e ouvir de terceiros o que envolvia a minha família poderia só gerar mais dúvidas; ao invés de sanar as que pairavam pelo ar. Perguntaria ao meu pai quando voltasse para a casa. Ou, quem sabe, eu não esbarrasse em outro Hofirman em WallBright.

—  Pode nos dizer como é a escola para onde estamos indo? —  Elizabeth perguntou.

—  WallBright é tida. Como uma das. Maiores escolas de. Arcanum... Diversos sobrenaturais. Muito conhecidos são. Professores lá. O Mago Milenar. Merlim. É o diretor.

Eu realmente gostaria de ouvir algumas coisas a respeito da escola antes de chegar e começar a estudar. Mas o modo como o Afonso falava era... estranho.

—  Eu acho que já está bom de informações por hoje, não? —  falei ao deitar na cama.

—  Com sua licença.

O grandalhão saiu do quarto e fechou a porta, nos deixando a sós, novamente.

—  O jeito que ele fala é estranho, não é? —  Elizabeth disse por fim.

—  Nem me fale. Ele parece um cara bacana; mas o que pode ter levado alguém a amaldiçoá-lo?

—  Eu sou um exemplo de que não precisamos fazer nada, para alguém tentar o mal contra o outro. Basta apenas ser mais fraco. —  Ela parou por um instante. —  Nós realmente vamos entrar num mundo, onde o mais forte domina com braço de ferro sobre o mais fraco?

—  Sempre foi assim, Elizabeth. Essa é a natureza do ser humano; seja sobrenatural ou comum... Todos temos um pouco de maldade dentro de si.

—  Eu discordo! —  Ela protestou, sentando na cama. —  Dizer que todos temos um pouco de maldade, é o mesmo que concordar com o que o Alex afirmou ao seu respeito! Você realmente acha que algum dia será como os demais Hofirman’s? —  Elizabeth me olhava fixamente, parecia esperar a minha resposta.

—  Não, eu não acho...

—  Nisso nós concordamos! —  Jogou o travesseiro que segurava em mim. —  Agora, vê se para de se martirizar pelo o que aquele garoto falou! Ou acha que eu não percebi que se questionava sobre tudo aquilo que ouviu?

Estava surpreso. A Elizabeth e eu passamos tanto tempo juntos, que ela quase lia a minha mente.

—  Obrigado, Elizabeth...


Conversamos por um bom tempo e, logo, nos foi servido um delicioso almoço. A mesma camareira de antes foi a responsável por levar nossa refeição. Até pensamos em dividir com o Alex e a Mical, mas não havia comida suficiente para quatro pessoas.

Perguntei à camareira se ela poderia levar algo ao quarto deles, o que afirmou ser possível. Pedi, então, que colocasse na conta dos nossos pais e deixasse uma mesa bem farta para eles. Elizabeth solicitou que incluísse um pequeno bilhete com um pedido de desculpas pelo tapa que deu em Alex.

Não demorou muito até ouvirmos a campainha do quarto tocando novamente, era a Mical.

—  Desculpa vir aqui dessa forma, sem avisar. Mas só queria agradecer pessoalmente pelo café da manhã e pelo almoço...

Quem a recebeu foi a Elizabeth, talvez por isso ela não tenha corrido desesperada pelo corredor. Preferi não me aproximar, já que a minha presença poderia fazê-la sentir-se desconfortável.

—  Pode ficar tranquila, Mical! Independente do que aconteceu, não seria o certo deixar de ajudar vocês, já que temos condições para fazer isso.

Ela falou algo tão baixo, que acabei não ouvindo; mas fez a Elizabeth gargalhar ao concordar.

—  Peça desculpas a ele por mim, depois!

Novamente a Mical disse algo num tom inaudível para mim.

—  Calma, para onde você vai?  Não quer ficar conosco? Acredito que um momento sozinho fará bem para o seu irmão. Claro, fique a vontade!

Elizabeth abriu a porta e a garota entrou. Ela estava encolhida, claramente com medo.

Me sentei na cama e acenei para ela, que desviou o olhar logo em seguida.

—  Então, Mical. —  Elizabeth sentou em sua cama, fazendo um sinal para que a garota a seguisse. —  Você concorda com o seu irmão?

—  O que quer dizer, senhorita Snow?

—  Não precisa me chamar assim. Eu sou só a Elizabeth, está bem? —  O sorriso em seu rosto era tão amigável e aconchegante, que eu sentia o carinho e conforto mesmo não sendo para mim. —  E o que eu quero saber é, se você; assim como o seu irmão, concorda que o Neri é uma pessoa ruim só por ser um Hofirman.

—  Eu... não sei ao certo... —  Ela ficou em silêncio por quase um minuto inteiro antes de tornar a falar. —  É que com o Alex é diferente. Eu nunca conheci um Hofirman antes do Neri e tudo o que ouvi, foram histórias que outras pessoas me contaram… Mas o Alex presenciou tudo o que ele diz que viu...

Mical parecia ter se perdido dentro dos próprios pensamentos. Seu olhar estava distante e vazio, seu rosto avermelhado e parecia que iria chorar a qualquer instante.

—  Claro, boa parte daquilo que falou, é o passado do nosso povo; uma época longínqua da qual não fizemos parte... Porém, como um guerreiro da nossa tribo, ele contemplou coisas que o atormentam todas as noites. O Alex viu muitos amigos e familiares nossos morreram nas dos Hofirman's. Obviamente não é como se doesse menos em mim; afinal, eram pessoas importantes, das quais eu tinha muita estima... Mas o Alex... Eles partiram em sua frente, sem que pudesse fazer algo para impedir. —  Pela primeira vez, desde que entrou no quarto, Mical olhou em meus olhos. Seu olhar, marejado por lágrimas, parecia implorar por socorro. —  Ele realmente odeia cada um de vocês; só que o coração dele não está afundado apenas em ódio. É muito mais culpa, do que raiva e rancor... Se você conseguir mudar um pouquinho daquilo que ele pensa a seu respeito… —  Naquele instante, o seu rosto estava encharcado por lágrimas. —  Talvez ele consiga se perdoar...

—  Eu não posso fazer isso sozinho, Mical. Parece até mesmo que existe um abismo quase infinito que separa o Alex de mim. — Me levantei e fui em sua direção, estendendo a mão para ela. —  Mas se você me ajudar, quem sabe não conseguimos construir uma ponte.

Ela desabou a chorar. Soluçava, pedindo desculpas, agradecendo e mais uma mistura de palavras que eu não compreendia.

Elizabeth a abraçou, confortando-a e dizendo que ajudaríamos em tudo quanto pudéssemos e, pela primeira vez desde que nos vimos, Mical sorriu.



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