Volume 2

Capítulo 92: Atilados

Leafar continua vasculhando o templo, ele vê todos socializando positivamente, alguns demostram hostilidade, mas se contêm por saber que se atacarem sofrerão consequências rigorosas. No calabouço Leafar acha um homem ajoelhado de frente para o que era sua cela, ele se aproxima e questiona o homem:

– Meditando?

– Não, orando...

– Interessante.

– Você costuma fazer isso?

– Costumava, mas hoje finalmente eu tenho o que pedi.

– Domínio, vingança?

– Não, justiça e paz para os que merecem.

– E você julga quem são os merecedores?

– Não, eles mesmos que se colocam na situação de merecedores ou não... Sei quem você é e no que acredita Fainaru Takutikusu.

 

Fainaru Takutikusu é um homem, humano, pele clara, velho, cabelos e barba grisalha, alto, porte físico comum, ele está com uma bela espada quebrada em duas partes.

 

Ele se levanta e olha para Leafar que continua a falar de um modo mais despojado e humorado que ele:

– Um homem poderoso de extrema fé que é contra a morte, mas lutou na Guerra-D.

– Eram demônios.

– Verdade, esses não contam... Continuando, você foi condecorado, fez família, ganhou título, riqueza, é dono de uma boa saúde e se me permite dizer, dono de uma grande sorte.

– Sorte? Você está esquecendo de algo nessa história, não?

– Sim, perdeu os pais na Guerra-D, foi condecorado pelo mesmo Império que matou sua família, esposa e dois filhos, certo?

– Seriam três filhos se a minha esposa tivesse sobrevivido.

– Uma lei foi feita há muito tempo, ela foi estendida em outros reinos também, essa lei diz que os assassinos da sua família, por exemplo, podem ter uma pena máxima, se houver essa pena máxima o familiar vivo, no caso você, escolherá entre prisão perpétua, exílio ou morte...

Fainaru demostra tristeza por lembrar dos antigos acontecimentos e Leafar continua a falar com uma entonação mais forte:

– Diga-me Guerreiro de Fé, qual foi a pena que os assassinos de sua família receberam?

– Liberdade... Liberdade para agirem novamente... Você é amigo do clã que vive na Floresta de Pando, foi lá que surgiu essa lei.

– Discorda dessa lei?

– Não sei mais...

– Julgar um assassino aleatório é fácil, poupar uma vida que matou outra é até poético considerando o perdão como algo divino, eu concordo com isso é claro, mas julgar o assassino que lhe fez sofrer é mais “correto”, afinal, só você sabe a dor que está sentindo, não?

– Eu entendo o que você quer fazer.

– Eu não quero fazer nada, eu só quero entender até onde vai a sua fé, qual pena você daria para os assassinos, você diria que eles são demônios ou seres vivos de bem?

– Demônios... Pare!

Fainaru aponta sua espada quebrada para Leafar:

– Está quebrada, mas ainda corta bem e mesmo sendo um Praeteritum perderá rápido.

Leafar levanta as mãos como se rendesse e diz:

– Uma bela espada devo dizer... Verdade, as cidades Amans, Dominus e Mascul foram defendidas por Ian Nai, ele que derrotou você, Jajesado e Ynis.

– Aquele maldito.

– Diga-me, de todos que libertei, vocês três são os mais pacíficos, por que estavam atacando essas cidades?

– Só posso dizer por mim, eu vi algumas injustiças naquela cidade e lutei contra elas, não queria tomar a cidade, mas protegê-la.

– Deixa eu adivinhar, você deve ter visto uma mulher que lembrou a sua amada esposa, viúva, ela deveria ter filhos também.

– Já chega...

– Não, eu quero entender, para algo despertar sua raiva deve ter sido algo desumano, foi algo com as crianças? As crianças foram usadas para algo... Como é mesma a palavra? “Obsceno”?

– Já chega!

Fainaru perde o controle e fica furioso, ele empurra Leafar jogando-o contra a parede, ele o pressiona e coloca a lâmina da espada em seu pescoço.

– Você não sabe o que eu senti, o que eu vi, o que eu estou sentindo, você brinca com os sentimentos assim?

Leafar deixa o tom bem-humorado e fica sério, uma tensão que parece mágica deixando Fainaru por um segundo com um medo intenso, mesmo assim ele continua a falar e a ameaçar cortar a garganta de Leafar:

– O dia que você sentir o que eu senti vai pensar mais de uma vez...

– Sentir o que você sentiu?

As palavras de Leafar parecem pesar não só na mente, mas no corpo e na alma de Fainaru deixando-o confuso e fraco. Leafar olha no fundo dos olhos de Fainaru e diz:

– Acha mesmo que é o único que sofre, o único que vê barbaridades, o único com o passado triste... Todos me perguntam quem eu sou, como se isso fizesse alguma diferença, mas eu te darei esse privilégio.

Leafar coloca suas mãos na cabeça de Fainaru e passa para a mente dele memórias próprias, incluindo as visões que teve nas alas ocultas da prisão, uma aura poderosa envolve os dois, Fainaru fica chocado e fadigado.

– Pare!

Fainaru luta e consegue se soltar de Leafar, ele deixa sua espada cair e cai no chão ainda processando tudo que viu, depois de algum tempo ele balbucia:

– Como? Por quê?

– Se acalme, isso foi só metade do que você precisa saber.

Fainaru se ajoelha em frente de Leafar e diz triste:

– Me desculpe senhor, não imaginaria que...

– Pare, levante... Já oramos muito para um mundo melhor, é hora de pegar as forças de nossas orações e agir.

– Agora entendo, por isso que você veio até aqui, é por isso que você vai até Sodorra.

– Sim...

– Não achei que acharia alguém mais fiel e mais temente que eu.

Fainaru olha para Leafar com admiração e levanta animado com a batalha que virá.

– Hoje eu vejo, serei uma ferramenta poderosa para mudar este mundo, purificá-lo de todo mal.

Leafar pega a espada de Fainaru no chão e com magia ele a concerta, reconstruindo a parte faltante da lâmina, ela é negra igual suas armas quando conjuradas, ele a entrega para Fainaru e diz com o humor melhorado:

– Agora diga-me “Espadachim Sagrado”, o que os assassinos merecem?

Fainaru diz convicto e ansioso:

– A morte!

Em poucos dias Leafar já conseguiu falar com todos, alguns em grupos e outros individualmente, ele também revirou e analisou o templo de ponta a ponta. Pronto para o anunciar seus planos futuros e para liberar a barreira do templo.

Leafar acha uma prisão secreta lacrada com grande poder, ele gasta um pouco de energia e consegue acessar a área secreta, nela há um pequeno corredor escuro, Leafar anda como se enxergasse na escuridão total, ele chega em frente a uma grande cela feita de cristal corrupto mais grossa e mais forte do que das prisões do calabouço, se aproximando dela algumas tochas se ascendem iluminando o corredor, mas não dentro da cela, Leafar admira a cela gigante e diz contente:

– Falei de você recentemente, não imaginaria que você estava aqui... mas torci muito por esse encontro.

Dentro da cela se ouve uma voz masculina, grossa e cansada, pelo tom alto da voz parece ser de um homem grande, dentro da cela parece estar frio por pois é possível ver o bafo se condensando quando o homem fala.

– Já não é o bastante aqueles perdidos lá em cima?

– Não diga assim, se pensar bem, todos estamos perdidos.

– Você se coloca entre eles, mas sabe que não está.

– Sempre estarei entre eles, se você realmente me conhece sabe o que eu quero.

– Sim, mas não concordo.

– Você é muito rabugento, para alguém da sua idade, você deveria ser mais realista e aberto a novas possibilidades.

– Faço minhas as suas palavras.

– Preciso muito de sua ajuda e até de seus conselhos, alguém como você deve ter um grande conhecimento e tem muito o que contar.

– Já vi vários da sua raça, mas o primeiro com essa atitude.

– Isso é um elogio?

– Vindo de mim, nada é elogio.

Leafar se senta no chão e comenta:

– Vamos ter uma longa noite, quer algo para comer?

– Você não precisa fazer sua reunião? Você não precisa descansar? Vejo por de baixo dessa imagem pueril que está esgotado.

– Amanhã eu falarei com todos e realmente preciso descansar, precisei tirar esse tempo para verificar todo o templo e ver se não havia mais nada que me atrapalhasse ou até me ameaçasse por aqui.

– Por isso que você está aqui? Eu posso ser uma ameaça a você?

Leafar ri e diz:

– Jamais! Se você não quer ajudar, então nunca iria atrapalhar, você é “neutro” demais para isso.

– Agora vejo que me conhece.

– Sim, conheço vários seres, uns grandes outros pequenos.

– Me convencer será mais difícil do que foi com os outros, todos estavam com a mente perturbada e desmoralizados, qualquer palavra amigável seduziria o coração mais duro e até a mente mais fechada.

– Você tem os dois, coração duro e mente fechada, mas não foi sempre assim...

– Infelizmente não.

– Eu me achava pessimista, mas você ganha de mim... Todos estavam, como é que você disse? Desmoralizados e com a mente perturbada, afetados pelo medo, sem esperança e sem fé... Você está longe dessas afirmações?

O silencio dá moral para Leafar que continua a falar:

– Vamos, você não é de se calar tão fácil... Precisa de uma palavra amigável também? Talvez um abraço?

– Não se atreva!

– Olha quem voltou... Posso parecer sarcástico, mas eu realmente admiro você... Sei também que todos querem algo, claro que muitos são mais ambiciosos que outros, mas até você quer algo e você sabe que eu posso ajudá-lo.

Despois de um momento pensando a voz finalmente responde:

– Se eu me unir a você, o que você dirá para eles lá em cima?

– Realmente sua presença causará muita confusão e muitas perguntas que não quero responder, pelo menos não agora.

– Então estamos em um impasse?

– Não, não, se você se unir à minha causa, vou arrumar uma forma de você me ajudar sem ser notado.

Leafar ouve um pequeno riso e fica animado:

– Isso foi um sorriso? Você tem humor então?

– Tolo, não venha com ironias para mim.

– Não é ironia, eu realmente consigo escondê-lo.

– Isso eu quero ver, mas antes disso, tenho alguns requisitos, já que você não vai desistir de mim tão facilmente.

– O que você precisa além da liberdade? Você sendo quem você é, eu me pergunto “você está realmente preso aí?”.

– Esse cristal corrompido é um material muito poderoso, com poder superior a ele somente armas Zordrak, e ambos estão acima da minha força, mas abaixo da sua.

– Entendo, isso é algo fácil de se resolver... O que mais você quer?

– Preciso que faça algo para mim e me diga hoje e agora, o que há por trás da “Relíquia”?

Leafar fica pensativo, com magia ele faz aparecer comida em abundância junto com água pura para dentro da cela para que seu novo amigo se alimente. Leafar se espreguiça e diz:

– Mas o próprio nome dela já diz “Relíquia de um Sangue Espirituoso”... Certo... Vamos aos detalhes então, espero que não durma, pois será como um conto de ninar.

No dia seguinte Leafar com magia faz a sua voz se propagar por toda Oratio Tenebris.

 

– Ouçam todos! Durante esses dias eu revistei e verifiquei todo o templo, não há rastros de pessoas leais ao Império de Cristal e por enquanto não há inimigos por perto, eu libero a barreira protetora para que quem não quiser se unir a nossa causa vá e siga para a sua segunda chance na vida, para esses eu desejo uma boa vida e espero que suas futuras atitudes não os coloquem em meu caminho, vejam isso como um grande conselho. Os que ficarem eu digo que o templo é de vocês, continuem desfrutando do lugar e dos suprimentos deixados de bom grado pelo Império e se preparem, pois até o final do mês teremos uma grande visita, como de costume depois desse encontro vamos retribuir a visita indo até eles também... Preciso descansar um pouco, então ficarei ausente por um tempo, mas... Sempre de olho... Oratio Tenebris está oficialmente sob nosso comando e a partir de hoje seremos chamados de – “Atilados”!



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