Volume 2
Capítulo 90: Aqueles que Tecerão o Destino
Leafar toma Oratio Tenebris para si, como não há mais controle e nem homens do Império de Cristal, todos os libertados se agrupam para tomar o lugar e usar os mantimentos deixados pelo Império, através desses suprimentos todos conseguem se medicar, comer e descansar.
Com e sem o uso de magia Leafar passa cinco dias vasculhando e limpando o templo, cada corredor, cada sala, cada canto e até salas secretas, durante esse período Leafar fala com alguns indivíduos, alguns em grupos e outros individualmente, sempre de bom humor e com jeito, gestos gentis e com humildade ele se aproxima de todos, ganhando respeito e admiração além do fato de ter salvado todos.
– Amanda Mahlock, admirando a sala de armas do Império?
– Recuperando meus pertences.
– Posso ver que são muitos.
– Cada um é um troféu de um oponente caído.
– Digno.
– Por que fez isso?
– Isso o quê?
– Salvou toda essa gente, o que você quer?
– O mesmo que vocês! Você estava presa e não percebeu, mas todos vocês estavam atacando o Império anteriormente, e esta é uma forma de coagi-los, de detê-los e fazê-los pagarem pelos muitos crimes que cometeram e ainda cometem, não só pelo Grande Continente, mas pelo o mundo todo. Mesmo não gostando do Império, ele é digno de medo, vários homens, magias e poderes estão em suas mãos, mas se juntarmos todas as forças contra o Império, ele enfim cairá.
– Guerra são travadas entre reinos, não entre renegados.
– É aí que você se engana, você tinha um grupo poderoso e guerrilhou por muitos anos, até sem as suas guerreiras você ainda continuou lutando e conquistando troféus.
– Como você me conhece? Eu não te conheço.
– Seu nome viajou pelas ilhas do Antigo Mundo até o Grande Continente... Você não precisa me conhecer, só saiba que estou aqui para lhe dar um novo objetivo.
– Eu morri quando fui presa neste lugar, com aquela magia medonha que me fez viver o vale sombrio por muito tempo, semanas pareciam anos, mas em liberdade eu sinto que nasci de novo, até meu modo de pensar mudou... Você me libertou, tenho uma dívida com você e mesmo assim ao invés de cobrá-la você tenta me convencer?
– Minha única cobrança é que você não me veja como um inimigo, a partir disso eu conquisto o resto. Muitas coisas que vêm fácil não são tão fortes como algo que foi conquistado com esforço. Você me seguir por vontade própria por entender e aceitar a causa é mais deslumbrante do que me seguir por obrigação, sem saber a importância das coisas.
– A confiança que você passa é estranha, diria que é até mágica, se os demônios ainda vivessem entre nós eu diria que você é um deles, se não o guia de uns.
– Assim você me ofende, o oposto de um demônio seria um Electi, por que não posso ser um desses seres divinos que tantos veneram?
– Um Electi não sairia de sua mordomia para se sujar com sangue e salvar bastardos em um lugar como esse.
– Profundo... mas eu entendo a sua angústia, os Electi têm muito trabalho para fazer e alguns sempre ficaram no ponto cego, mas não os julguem assim, eles merecem seus créditos.
– Sim, mas só boas vibrações e fama não salvam pessoas arruinadas e fadadas a desgraça como as pessoas desse lugar.
– Então, por que não mostramos a eles como se faz? Mostrar que podemos ser diferentes, dignos de ser olhados e auxiliados como os outros que sempre caminham no caminho “certo”.
Leafar pega na mão pesada de Mahlock e admira os anéis que ela ganhou com suas vitórias.
– Imagine os troféus que você ganhará lutando contra o Império.
Mahlock olha desconfiada e sorrindo diz:
– Viu? Lábia de um demônio.
Leafar ri e diz:
– Esqueça essa história de demônio... Pense bem, em pouco tempo eu irei liberar a barreira protetora, nesse momento você decide, se tira a farpa de cristal do mundo ou se aprende a conviver com ela.
– Pensarei bem nisso.
– Ótimo...
Leafar sai da sala comentando:
– Ainda existem demônios entre nós, muitos foram mortos nesse lugar.
Alguém está na ala oculta do templo chamando a atenção de Leafar.
– Sokushin Butsu... Me estranha você estar em um lugar como este.
Sokushin olha sério pra Leafar sem falar nada, Leafar anda ao redor de Sokushin e continua falando:
– Você é um homem que não fala muito, pelo o que eu saiba sua fala não foi afetada nesses anos, ou foi?
Sokushin olha para as celas e demostra chateação como se estivesse vendo as atrocidades do Império feitas no lugar, Leafar o observa e comenta:
– Até você achou estranho o que aconteceu neste lugar, não?
Sokushin confirma balançando a cabeça e anda um pouco pela ala, Leafar o segue.
– Você enfrentou os Imortais, tem experiência o suficiente para derrotar o Império.
– Não consegui.
Leafar fica animado por finalmente ter uma resposta de Sokushin.
– Mas você estava só, agora você terá apoio.
– Não consegui derrotar os heróis e nem os vilões... E não conseguirei novamente.
– Alguém que viveu tanto como você não deveria se prender a esses pontos.
– Você sabe que matei muitos, de todos que você libertou eu sou o que merece morrer, por que você não me matou como você fez com vários daqui?
– Alguns tem a oportunidade de redenção, outros não, muitos não usam essa oportunidade, uma escolha simples a meu ver... Você consegue ver o que eu fiz aqui?
– Sim, vejo vítimas, opressores, vilões e o “libertador”.
– Então você sabe o que acontecerá num futuro próximo, cabe a você escolher qual desses personagens você será.
Sokushin fica pensativo e Leafar se retira do local dizendo:
– Todos morrem um dia, Sokushin, não seria ideal escolher como?
Na grande sacada do templo alguns homens admiram a liberdade por estarem meses presos sem ver e sentir o ar puro, outros ficam assustados ao ver ao redor do templo o rastro da batalha de Leafar.
Entre eles, em um canto mais isolado está Samuk como se estivesse de guarda olhando para o horizonte, em um momento ele é abordado por Chris que chega à sacada e se aproxima dele.
– Você também estava preso lá embaixo?
– Sim.
– E o que vai fazer depois daqui?
– Não sei.
– Estranho aquele homem que nos ajudou, vi ele falando com alguns homens, ele já falou com você?
– Não.
– Ele deve ser um machista igual esse império nojento, não deve falar com mulheres.
– Não tem muitas aqui.
Chris fica pensativa e diz:
– Verdade... Você fala pouco, se eu estiver te incomodando é só avisar.
– Aviso sim.
– Chato.
Leafar aparece com magia, assustando Chris.
– De onde você veio?
– Desculpe interromper, mas é bom ver dois de vocês juntos.
Samuk questiona:
– “Vocês”? O que somos para você?
– Esperança. Não só para mim, mas para muitos.
– Ou seríamos desonrados usados para guerra? Você diria que você é diferente do Império?
– Em partes sim, eu não vou medir esforços para enfrentar e fazer o que for preciso para chegar aos meus objetivos, se a morte é uma arma usada por eles também será usada por mim, mas em grande parte não sou como o Império, ao contrário do que Chris suspeita eu sou amante de todos os seres vivos, independente do que são ou quem sejam, eu sempre dou importância aos integrantes do meu grupo.
Chris questiona:
– Grupo? Todos aqui vão formar um grupo?
– Sim, um grupo para enfrentar o Império e derrubá-lo.
– Matar todos do Império?
– Se assim desejar, tem certas pragas que só exterminando de vez para haver paz.
Chris fica animada com a notícia imaginando sua vingança em matar vários homens do Império, Leafar aproveita o ânimo dela e diz:
– Não precisa me dar certeza agora, mas se a resposta for sim, existem alguns homens por aqui que precisam de seu auxílio.
Chris se sente insultada.
– Como “auxílio”? Você sugere que eu me deite com eles?
– Não, não, você me entendeu mal... Pense comigo Chris dominadora de feras, nosso futuro grupo enfrentará várias batalhas, homens feridos ou com idade muito avançada não ajudarão muito, pelo menos não da forma natural que estão.
Leafar dá um sorriso malicioso, Samuk olha para os dois sentindo a maldade no ar, Chris ri alto e comenta:
– Gostei de você, quando posso começar?
– Espere até eu liberar a barreira, ainda preciso ver se estamos plenamente seguros.
– Pode contar comigo.
– Obrigado... E você Samuk?
Eles são interrompidos por Kisnar que se aproxima dizendo:
– Eu também estou nesse grupo!
Leafar olha para ele com desânimo.
– Não precisa se preocupar, você pode seguir seu caminho daqui. Um líder de ladrões deve ter vários objetivos a frente.
– Não, meu objetivo é arruinar o Império e essa é uma grande oportunidade.
– Confesso que não gosto de você, sei de muitas coisas horríveis que você já fez e quer fazer... Você me lembra Xarles, só que uma versão pobre, magra e até mais forte.
Chris comenta analisando Kisnar:
– Eu o vi quando chegou, era bem gordo, agora está seco.
– Claro, passamos fome naquele calabouço, sem falar daquela magia horrorosa, achei que ficaria naquele estado para sempre.
Leafar olha Kisnar de cima a baixo e fala:
– Você foi o mais afetado, deve ter tido desavenças com Questtis, por isso um tratamento “especial”, se isso ajuda você está melhor agora... Faremos o seguinte Kisnar Alois, se ficar e me ajudar não fará nada além do que eu disser.
– Não estou gostando disso, você mesmo disse que poderia matar quem for que seja.
– Sim, mataremos vários do Império, se não todos, isso eu garanto, mas sem atos como tortura, estupro ou qualquer abuso com outros seres.
– E o que faremos com os escravos, mulheres e...
– Não termine... Da mesma forma que todos aqui estão pensando se irão me seguir ou não, você também tem essa escolha, se vier comigo seguirá as minhas regras.
– E se eu me opuser e tomar o seu lugar?
Samuk se distancia esperando o pior acontecer, Chris estranha tudo e sai comentando:
– Homens e seus egos inchados, depois me avise da reunião, não vejo a hora de me divertir por aí... E me vingar daqueles malditos.
Leafar olha no olho de Kisnar e recomenda com um ar tranquilo:
– Para lhe dar vantagem é melhor você se equipar e se alimentar bem, agora você está desarmado e sem seus truques ficará difícil ganhar, seu cetro está na sala de armas, sorte que ainda não foi derretido, um sinal de sorte eu diria.
Kisnar olha desconfiado e diz:
– Está muito confiante, aparência jovem, mas enganadora, fala mansa, mas maldosa, quem você é realmente?
– Se eu disser que nem eu sei, você acreditaria?
Samuk saca uma adaga de suas vestes e ameaça atacar fazendo um golpe surpresa e rápido entre os dois. Kisnar se assusta e quase cai para trás dizendo agitado:
– Você é louco? O que houve?
Kisnar se posiciona para atacar e Samuk diz calmo apontando a adaga para Leafar que não se abalou em nenhum momento:
– Calma Alois, na verdade era para ver a reação dele, não a sua.
– Por que não a minha?
– Você é previsível.
Leafar sorri e diz com tom debochado:
– “Dele”? Poderia me chamar pelo nome, assim nossos laços ficariam mais fortes.
Samuk olha atentamente como se ele lê-se Leafar que está sério e calmo igual Samuk aguardando a análise dele.
– Um passado conturbado...
– Todos temos meu caro.
– Você tem outros planos além de derrubar o Império...
– Sim.
– Por que alguém tão grande, precisa dos pequenos?
– Somos grandes, pois foram os pequenos que nos tornaram grandes, por que não um grande tornar os pequenos grandes também?
Kisnar olha para os dois com cara de entediado.
– Vocês são estranhos, não dizem nada com nada.
Samuk ainda olha atentamente para Leafar e diz:
– Mesmo buscando renegados, eu não tenho honra e nem sou digno de confiança.
– Será mesmo? Ou você está concluindo isso por causa de um único julgamento equivocado?
– Eu errei e mereço ser penalizado.
– Você se acha merecedor da tortura que estava recebendo no calabouço?
– Meu rei morreu por minha causa.
– Reis e até escravos morrem por várias causas... Samuk, vamos ver assim, você foi capturado por Ivan, certo?
– Sim.
– Ele é o mais velho dos irmãos Brow, o mais condecorado e mais forte entre os três, você diria que foi uma luta justa?
– Sim.
– Seu “sim” não me pareceu convincente... Se eu arranjar outro duelo contra ele, seria uma boa forma de você recuperar sua honra, não acha? Se morrer, pagará por tudo que já fez, se vencer renascerá com um novo objetivo, um novo homem com honra e glória renovadas.
Samuk demostra interesse e comenta:
– Não recuperaria minha honra, mas recuperaria minha moral...
– Que seja, ânimo para lutar pelo o que acredita já basta para mim.
– Justo, se eu renascer me dedicarei a sua missão, sendo boa ou não.
– Certo, se é boa ou não, é você quem está dizendo, não eu.
Leafar dá as costas e sai dizendo:
– “Bom” e “Mau” são apenas pontos de vista, nem tudo que é bom para mim, será bom para o Império.
Samuk volta a olhar para o horizonte com esperança de poder recuperar seu moral e até sua honra ou pelo menos morrer para pagar pelos seus erros.