Volume 2

Capítulo 104: Feriado II

– Retiro o que eu disse.

Ray balança a cabeça sorrindo e se afasta do grupo que continua conversando, Ray caminha um pouco e é abordado por Anirak:

– Então é isso?

Anirak chega de surpresa, mas não surpreende Ray que pergunta para ela:

– Por que chegou de mansinho?

– Queria ver se você está em alerta.

– Graças a tudo o que aconteceu e aos treinamentos duros que tivemos, eu sempre estou.

– Ótimo... Mas percebi que você estava estranho e ouvi a conversa de vocês.

– E o que você acha?

– Vamos andando, o assunto é importante.

Os dois caminham pelo Montgolfier cumprimentando alguns guerreiros no caminho, Anirak está séria e bem pensativa.

– Eu te entendo Ray, realmente se a situação complicar surge a possibilidade de termos que invadir Sodorra para resgatar os outros, mas seja sincero, você quer mesmo resgatar todos e lutar?

– Resgatar sim, mas lutar é uma consequência.

– Entendi... Você está certo, mas Erèm foi bem clara com todos nós em relação a isso.

– Eu sei, não quero decepcioná-la, mas a preocupação dela é que a gente não volte, então é algo que podemos resolver, se ficar muito “arriscado” podemos fugir também.

– Sim... Erèm é como uma mãe para todos nós, a preocupação dela é pertinente.

– Sim, mas nós somos bons, se a situação ficar muito perigosa, conseguiremos lidar com a situação da melhor forma.

– Bom... Atitude de um líder Ray, muito bom, pensar nas possibilidades, se aconselhar e motivar seu grupo.

– Obrigado.

– Eu que agradeço, você tirou todos nós do comodismo de nossas vidas, nos colocando em ação para melhorar este mundo em que vivemos, às vezes ficamos tão acostumados com o nosso cotidiano que esquecemos que existem pessoas precisando de ajuda, nem que seja a mínima possível.

– Verdade... Me sentia assim quando vivia em Pronuntio, sabia da existência de malefícios no mundo, mas nunca imaginei que eu poderia ajudar.

– Viu, é por isso você será um bom líder Ray, você sabe como as pessoas sofrem, você mesmo teve perdas na vida.

– Sim, e muitos não têm a sorte que eu tive de ser acolhido e protegido.

– Sim, mas agora tudo vai mudar, o Império vai cair e seguiremos o comando de Erèm, que guiará o Grande Continente para tornar-se um lugar mais harmonioso.

– Que assim seja.

– Bom, se precisar conversar mais, ou se aconselhar é só me chamar Ray, eu já vou indo.

– Já?

– Sim, tem um belo rapaz ali querendo conversar com você e eu não quero atrapalhar o casal, longe de mim fazer algo assim.

Ray faz cara de derrotado e diz:

– Até você?

– Viu? Você ainda não está em alerta para tudo.

Anirak ri e se afasta de Ray, deixando-o a sós com Jhon na ponta de Montgolfier.

– Que cara é essa Ray?

– Está tudo bem, foi só Anirak que brincou comigo agora há pouco.

Ray e Jhon se viram para a paisagem e se encostam na borda para conversar, Jhon inicia a conversa:

– Essa é a missão de morte e morte que você falou?

– Não! Nem fale isso para não atrair más vibrações.

– Calma, estamos com um grupo poderoso e nem estamos indo para batalhar.

– Sim, mesmo assim, minha missão de somente passar pelo Império como um simples viajante mudou drasticamente.

– Verdade... Mas foi até bom, você conseguiu conhecer e formar todo esse grupo, além de cumprir a missão.

– Sim.

– E por que pediu para Doug ficar em Libryans?

– Não quero que ele se arrisque, ainda mais com a perda da memória.

– Entendi, cuidado para não o proteger demais.

– Não, foi só dessa vez, ele ainda precisa se recuperar da viagem que fizemos também.

– Certo... E essa missão, acha que será fácil?

– Sim, ruim será o clima que estará lá, a maioria das pessoas estão desanimadas e até feridas.

– Clima de guerra é sempre complicado, mas nós nos sairemos bem... Aproveitando o assunto da missão, eu quero lhe dar duas notícias, uma ruim e outra boa.

– Me diz a boa.

– Consegui finalizar o pergaminho de teleporte.

– Você conseguiu fazer um desses?

– Sim, faz meses que eu estava fazendo, mas era mais complicado que eu imaginei.

– Ótimo, mas você pensa em usar na missão?

– Talvez, se sofrermos um ataque, ou se decidirmos atacar.

Jhon termina a frase piscando para Ray que se surpreende:

– Está tão obvio assim que eu penso em entrar no Império de Cristal e resgatar todos os inocentes?

– Esqueceu que graças àquela magia somos “amigos de vínculo poderoso”?

– Inventou esse termo?

– Sim, ficou legal?

– Um pouco...

– Então, sei como sua mente funciona, e penso como você às vezes, se dependesse só de você, você entraria e resgataria até os maus para colocá-los nos programas de reabilitação de Libryans para torná-los bons.

– Você acredita nesses programas?

– Para alguns sim, acredito que muitos têm solução, mas não todos.

– Sim, mesmo assim precisamos tentar.

– Muito bom Ray, mas vejamos, Maxmilliam gostaria dessa invasão?

– Com certeza não, Erèm disse para não entrarmos, mas ela disse isso porque está preocupada conosco, e eu sei que damos conta.

– Pode ser que sim, mas precisamos ir com calma.

– Sim, se isso for necessário iremos somente nós, os primeiros Koètuz.

– Legal, já nos chama pelo nome do grupo.

– É bom eu me acostumar, já que o grupo está crescendo.

– Sim, e ficará melhor e maior, tenho certeza... O pergaminho pode ajudar nesse seu plano, se a situação ficar crítica nós poderemos recuar.

– Verdade, é uma boa mesmo... E a notícia ruim?

– Verdade... A chave mestra que você me deu, sumiu.

– Como assim “sumiu”, por magia ou alguém roubou?

– Roubaram, mas agora que você falou, é possível que tenha algo a ver com magia também, ou ambos.

– Por que você não me falou isso em Libryans?

– Só notei a falta dela agora há pouco.

– Será que tem alguém infiltrado em Libryans?

– Espero que não, mesmo se tiver, será facilmente detectado.

– Mesmo assim isso tem que ser investigado, é um item Zordrak, ela consegue abrir qualquer coisa.

– Sim, por isso estou preocupado e com medo de espalhar essa informação.

– Entendi, mas vamos manter a calma, pode ser que alguém pegou sem querer, ou para vender, nem todos conhecem ou sabem o que ela realmente faz.

– Sim, mas se souber pode ser muito perigoso... Desculpe-me preocupá-lo, mas se você ouvir algo suspeito, por favor me avise.

– Claro, pode deixar, ficaremos atentos.

– Eu tentei usar magia para localizar, mas não deu certo.

– Não deu? Como não?

– Não sei, é estranho... Em Caelum eu tento de novo.

– Certo, se eu puder ajudar me fale.

– Obrigado... Eu perdi alguns detalhes da missão, agora vamos para Abraham?

– Sim, lá vamos conversar com um grupo que agora estão neutros com os acontecimentos do Grande Continente.

– Sim, estou encarregado de cuidar dessa parte de “diplomacia”, eu passei um tempo por lá, e o meu último mestre tem alguns contatos e já sei como fazer... Estou dizendo do resto, só fui informado até lá e que unirei poderes com Maxmilliam para nós teleportarmos para Caelum. Por que Caelum?

– É a cidade com mais fácil acesso para Sodorra.

– Mas não é a mais próxima.

– Não podemos arriscar em ir para a mais próxima, segundo Erèm o clã de Maslow está recuado e comprometido, e não quer que nos arrisquemos.

– Entendi... Complicado isso, não?

– Sim, mas aos poucos tudo vai se resolver.

– E você sabe quem está atacando o Império de Cristal?

– Não, todos os reinos estão recuados e se preparando para uma possível guerra, mas até agora nada aconteceu.

– Nada que a gente saiba, será que alguma cidade já está sobre ataque?

– Em Abraham e Caelum poderemos verificar isso, eles devem ter notícias.

– Sim, estou ansioso para chegarmos lá e ver como estão as coisas.

– Eu também, sou tão ansioso quanto você.

Os dois riem e Kyran se aproxima dos dois com um tom sério

– Jhon?

– Oi...

– Deixei suas coisas em seu quarto e coloquei comida lá também.

Ray estranha e pergunta:

– Comida?

– Sim, estou em uma dieta especial para os níveis de magia que aprendi e usei no meu treinamento, Kyran se prontificou em me ajudar com isso... Obrigado Kyran, eu vou lá.

– Eu esqueci de dizer, aquele item, a chave, eu peguei, Erèm precisou.

Ray e Jhon ficam surpresos e Jhon briga com Kyran:

– Por que não me contou antes?

Kyran sempre com tom sério responde Jhon:

– Porque não deu tempo. Você esqueceu-se dos meus afazeres? Ou você acha que eu queria prejudicá-lo?

– Não, me desculpe, não quis ofendê-lo.

– Certo... Como a rainha pediu, não tive como negar, ou acha que eu fiz errado?

– Não, não, está certo... Estava comentando sobre a chave com Ray agora há pouco, fico mais tranquilo em saber que está com Erèm e não em mãos desconhecidas.

Ray também fica mais tranquilo e comenta:

– Bom mesmo, então vai lá Jhon, depois conversamos mais.

– Certo, vou indo, boa noite.

– Boa noite.

Jhon sai e vai para dentro do Montgolfier, na área das cabines em direção ao seu quarto, Kyran fica observando Ray que o questiona:

– Legal da sua parte ajudar Jhon assim, você é um ótimo amigo.

– Obrigado.

– Me desculpe me intrometer, mas você está bem? Você sempre está sério.

– Estou bem, obrigado.

– Bom... Jhon me contou uma vez como você é dedicado.

Kyran encara Ray como se estivesse com raiva e diz:

– Ele me contou da conexão mágica que vocês tiveram na biblioteca.

Ray fica um pouco envergonhado por Kyran perceber a mentira e diz sem jeito:

– É? Você sabe disso então?

– Sim... Você mesmo viu a vida dele, e viu como sou “dedicado”.

Kyran se aproxima de Ray, olhando fundo nos seus olhos.

– O que você quis dizer com “dedicado”?

– Que se esforça para ajudar e cuidar, só isso... Não quis ofender...

Kyran se afasta e demostra ficar mais amigável.

– Você é ingênuo igual ele, por isso que se dão tão bem.

– Não entendi.

– Deixa para lá... Me desculpe se fui invasivo.

– Tudo bem...

Kyran debruça na beirada e questiona:

– Posso saber como foi?

– O quê?

– Essa conexão que vocês dois tiveram, ele me falou por cima, mas não quis se aprofundar no assunto.

– Bem... Foi estranho na hora, mas depois ficou mais claro, foi como se nós fossemos irmãos gêmeos, pensamentos, vontades, desejos, vidas e como enxergamos as coisas.

– Deve ter sido incrível.

– Foi, mas isso não diminui minha amizade com os outros, e nem a sua com a dele.

– Você acha?

– Com certeza... Desculpe por ter mentido, é que como eu vi algumas coisas na memória dele eu vi que você é um amigo próximo que se preocupa, às vezes até demais.

– Verdade... Você não acha estranho?

– Não, eu acho legal isso... No meio dos meus amigos, Júlio era “possessivo” com Doug, tinha ciúmes da amizade dele, eu e Rupert zombávamos dele e às vezes falávamos coisas para o irritar e até já “sequestramos” Doug, deixando-o “sumido” para que ele se preocupasse, ou não dávamos informação de onde ele estava, ele ficava furioso.

Kyran olha para Ray e ri.

– Acha semelhante o caso dos seus amigos comigo e o Jhon?

– Sim, a única diferença é que descobri depois que eles eram mais do que amigos, a relação deles era amorosa.

Kyran suspira e comenta baixo:

– Infelizmente uma grande diferença...

– O que disse?

– Feliz as diferenças de gêneros, não?

– Sim, eu fiquei um pouco chocado pela notícia, pois não imaginava isso, como eu sou amigo dos dois, achei que contariam para mim.

– Às vezes eles estavam com medo de que sua visão referente a eles mudasse, afastando a amizade.

– Imagino, mas eu nunca faria isso, amo meus amigos, eles são minha família.

– Isso é ótimo.

– Tristes são as pessoas que veem essa “condição” como um obstáculo.

– “Condição”? Gostei do termo... Infelizmente muitos veem mais que um obstáculo, eu já vi casos de amigos se tornarem inimigos por serem diferentes.

– Bom é que o Clã de Pando ajuda nesse aspecto.

– Sim, mas até entre nós existe individualidade.

– Sério?

– Sim, em outro momento eu posso te contar as histórias de Floresta de Pando.

– Devem ter várias.

– Sim, daria um ótimo livro.

– Legal.

– Mudando um pouco de assunto... Estou olhando aqui a vista, essa forma de transporte é ótima, chegaremos bem mais rápido do que indo por terra.

– Sim, neste quesito mais rápido do que voar só o teleporte mesmo.

– Imagino, Erèm está pensando em construir mais desses... Se calcularmos nós estamos reduzindo semanas em dias, ainda mais com magia auxiliando.

– Sim, incrível mesmo.

– Soube que você gosta de ler.

– Sim, muito.

– Tenho um livro muito bom, meu primeiro mestre que me deu, acho que você vai gostar da história.

– Legal.

– Pode ajudar a me distrair até chegarmos em Abraham.

– Sim, eu agradeço, como líder fiquei com poucas funções agora e mais tempo livre.

– Amanhã cedo eu te entrego..., agora vou indo, preciso ficar de olho na Lili, ela não pode beber muito e preciso ver se Jhon precisa de algo mais.

– Certo, até mais.

– Boa noite Ray e obrigado pela conversa.

Kyran se despede de Ray e vai até o círculo de pessoas em que está Lili, o resto da noite passa tranquilamente com todos conversando e em também com todos em alerta para alguma possível eventualidade.

Ray ainda revê e conversa com todos com quem conversou anteriormente na noite, mas com assuntos cotidianos e menos preocupantes, Ray determina uma ronda e um revezamento de guarda para os dias de viagem e vai dormir.

Depois de muito tempo pensando na vida e conversando com Deus em seus pensamentos, Ray cai no sono, ele dorme tranquilamente e é acordado no dia seguinte por Kyran que bate na porta de sua cabine. Ray levanta rápido como um susto e abre a porta.

– Kyran? Está cedo...

– Desculpe, achei que já estaria de pé... Trouxe comida e o livro que lhe falei ontem.

Ray observa e vê que Kyran trouxe uma cesta com frutas, pão e um odre com leite quente, e na outra mão um livro, Kyran entrega para Ray e diz:

– Maxmilliam falou para você descansar hoje, que ele cuida do “barco”.

– Sério?

– Sim, disse que você estava muito preocupado ontem e que hoje seria bom você relaxar, eu contei que iria te emprestar esse livro, ele disse que uma boa leitura iria deixar você mais tranquilo para a missão.

– Legal... Obrigado...

– Por nada... E o nome do livro combina com você.

Kyran sorri e sai em direção ao convés, Ray pega a cesta e o livro, fecha a porta e se senta na cama, ele começa a comer e analisa o livro antes de iniciar sua leitura, achando engraçado a referência que Kyran fez e lê alto:

– Legal... "Missão de Herói".



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