Volume 1
Capítulo 49: Os Mistérios de Pando II
Anirak acorda dentro de uma pequena cabana no meio da floresta. A cabana é familiar, idêntica à que ela viveu quando pequena, simples, móveis de madeira, lareira, janela de vidro e uma porta grossa.
Ela analisa o local e se recorda da infância. Uma pequena boneca de pano suja chama sua atenção. Quando ela toca na boneca, ouve som de galope do lado de fora. Tenta olhar pela janela, mas não consegue ver nada, só a floresta ao redor da casa.
Quando ela se aproxima da porta, esta abre com uma explosão com fogo. Anirak dá uma mortal para trás, derruba a mesa e se posiciona atrás dela se defendendo de uma onda de fogo que entra em seguida. Ela consegue olhar e vê que na porta está um grande cavalo preto. Não dá para ver a cabeça do cavalo, pois está em chamas. Anirak estranha e fica alerta. O cavalo solta um grande relincho.
Anirak tem um flash de seu passado, a primeira pessoa que ela matou, seu pai, por ele cometer violência doméstica contra ela e sua mãe. O flash toma textura, colocando-a novamente na mesma situação, como se tivesse voltado no tempo. Ela não pensa duas vezes e o mata novamente. O flash desaparece, voltando para a cabana, que não está mais em chamas, mas o cavalo com cabeça de fogo ainda está na porta, parado, como se estivesse olhando para ela. Anirak olha ao redor e fala:
— Isso é um tipo de teste? Você acha que me arrependo? Me arrependo de não ter feito aquilo antes.
O cavalo se distancia. Alguns homens e mulheres entram na cabana, pessoas que Anirak matou no passado. Eles a atacam, e ela se vê sem suas armas, obrigada a lutar de mãos vazias. Ela consegue tomar o controle da situação, com socos, chutes, investidas e acrobacias, tudo para derrubar e se defender dos invasores.
Ela acha facas em uma gaveta do armário e usa para matar todos eles, um a um. Quanto mais ela mata, mais a casa começa a pegar fogo, e o cavalo relincha enfurecido do lado de fora. Com todos mortos, Anirak aponta a faca para o cavalo.
— Fiz e farei de novo, não me arrependo das mortes deles, todos mereciam, ladrões, infiéis, assassinos, falsos profetas, ignorantes. Matei e continuarei matando todos eles, é a lei dos animais, é a lei da vida, ou você mata ou você morre.
Mesmo convicta, Anirak demonstra tristeza no fim do desabafo. Ela continua falando, e o cavalo fica aos poucos mais calmo.
— Não tinha escolha, eu não tenho escolha, neste mundo ou você se defende ou você apanha. Poucas cidades e clãs seguem um estilo de vida saudável para todos, mas muitos são ruins, e você tem que ser ruim também.
Todos os corpos que ela acabou de matar levantam, ficam parados, e ela ouve uma voz de mulher vinda do cavalo.
— E se você pudesse escolher?
— Escolheria defender todos que amo.
— Você mata pelo amor… Você morre pelo amor?
— Morreria para trazer minha mãe de volta.
— Esses à sua volta, você acha que eles amam? Ou que são amados?
Anirak olha para o rosto de cada um e volta sua convicção.
— Sim, podem amar, mas também podem odiar. Foi o que eles escolheram, foi isso que os levou à morte… Sei que matar não é o melhor caminho, mas não me arrependo, todos esses e muitos outros serão mortos.
— Anirak, você conheceu a morte cedo. A única forma que você conseguiu tirar um peso de sua vida foi através dela, seria justo julgá-la e sentenciá-la ao mesmo? À morte que sempre esteve em suas mãos?
Anirak larga as facas e baixa a guarda.
— Sim.
Ouvem-se soluços que parecem ser de um humano comum. A cabana pega fogo, os corpos somem um a um e viram cinzas. O fogo envolve Anirak, mas não a queima.
— Anirak, você é verdadeira no que diz, não mente e não esconde os fatos. Que o resto de sua vida continue transparente. Me entristeço por saber que alguém tão magnífica como você tenha que carregar essas cicatrizes. Seja forte e evolua do “cuida de quem cuida de mim” para “cuide dos seus irmãos”, os seres vivos como um todo.
Anirak fica surpresa pela declaração e questiona:
— Posso saber quem é você?
— Sou uma Guardiã criada por um Electi, trago comigo seu ideal.
— E agora?
— Acorde…
Agora Anirak ouve a voz de Maxmilliam enquanto fecha os olhos.
— Acorde… Anirak, acorde.
Alexia, no meio da floresta, ouve barulho de água corrente, como um rio por perto, e segue o som, chegando a um belo rio com peixes lindos e coloridos. Ela se aproxima da água, admira a vista e tem a impressão de ter visto um peixe grande e rosa passando no fundo do rio.
— Estou vendo a magia da floresta ou já estou enfeitiçada? Sinto que estou me esquecendo de algo.
Ela ouve a voz de Maxmilliam.
— Alexia, fique atenta, não entre no rio.
Ela se assusta e se afasta da água, e acaba escorregando na grama molhada, bate a cabeça em uma pedra e não sente dor.
— Que estranho, o que houve?
Ainda no chão, ela vê um homem saindo do rio. Alto, pele clara, cabelos escuros e curtos, lindo, corpo esbelto e usando só roupa de baixo. Ela fica maravilhada com a beleza do homem. Ele se aproxima e a ajuda a levantar.
— Que linda dama.
— Não exagere.
Ela fica envergonhada e arruma seus cabelos. Ele pega em sua mão e fala:
— Você é linda e charmosa… Venha, olhe por si só no reflexo do rio.
Ele a guia até a beira do rio, mostra para ela o reflexo e continua:
— Tenho uma missão para você.
— Missão?
Alexia escorrega novamente, se segura no homem e cai na água junto com ele. A correnteza começa a ficar veloz e furiosa, como se algo puxasse a água. Os dois são arrastados pelas águas e batem a cabeça em algumas pedras no percurso. O homem fica inconformado.
— Como você conseguiu fazer isso?
— Isso o quê?
Os dois caem em uma grande cachoeira aos gritos.
— Você é amaldiçoada!
Onurb continua andando pela floresta à procura dos outros, anda e anda até cansar. Ele ouve barulho próximo de alguém o seguindo, mas não dá importância, continua seguindo em frente. A floresta deixa de ficar densa e à frente de Onurb aparece um homem jovem, de pele escura, careca, fumando uma espécie de cachimbo. Ele usa um gorro e um calção vermelho, está sorridente e bem-humorado.
— Onurb?
— Aaah... O que vem agora?
Onurb anda e vê que pisou em fezes de animal.
— Isso não estava aqui!
O homem ri alto. Onurb corre em direção a ele e cai em cima de mais fezes. O homem aparece mais distante e rindo mais alto.
— Você vive fazendo coisas sujas e agora cai nelas.
Onurb pega as fezes e atira no homem, que esquiva e fica surpreso.
— Que ousado. Tenha cuidado, que pode vir de todo lugar.
Aves voando por perto fazem fezes que caem em Onurb, deixando-o com mais raiva, e o homem mais alegre.
— Miserável, quem é você?
— Boa pergunta, mas o mais importante é “quem é você?”.
— Ah? Eu? Eu sou um ladrão sujo.
O chão embaixo de Onurb abre, fazendo-o cair em um buraco com água limpa. O buraco o joga de volta e fecha. Onurb cai em pé, limpo e seco.
— O que foi isso?
— E agora, quem é você?
— Hmmm... Um ladrão limpo?
O homem ri e continua:
— Não, você continua sendo sujo, sem honra, desleixado, intolerante, preconceituoso e desonesto.
— Éh! Até que foi pouco, achei que essa lista seria maior.
— Quer que eu continue?
— Não, não precisa.
O homem ri, e as roupas de Onurb começam a pegar fogo. Ele tenta apagar, mas não consegue. Então corre em direção ao homem, abraçando-o. O fogo desaparece junto com o homem. Onurb olha ao redor e vê o homem a metros de distância atrás dele.
— Numa situação ruim você tem que levar alguém com você?
— Você que causou isso, qual é o problema?
— Por que acha que eu que causei? Você mesmo faz as coisas e acha que foram os outros?
— Entendi! Essa é a magia da floresta e aqui tudo que eu faço ou fiz surge em forma física para que eu veja e sinta minhas ações?
O homem demonstra estar surpreso.
— Você é inteligente, nem parece.
— Besteira, foi uma recaída por andar muito com… com… Minha memória… Que lugar é este?
— O que houve?
— Tem algo estranho.
Onurb ouve a voz de Maxmilliam.
— Onurb, cave embaixo de seus pés.
Onurb segue rápido, deixando o homem olhando ao redor e desconfiado.
— Alguém está intervindo.
O homem puxa o fumo do cachimbo bem fundo e solta uma grande nuvem de fumaça para o alto, cobrindo o lugar em volta e bloqueando contato externo.
Onurb acha a Nagga no chão, e quando a segura sente uma aura ao seu redor e fica totalmente lúcido.
— Entendi, esta é a magia Folclore, você é um guardião.
— Tolo, você não pode passar, você é indigno.
— Sou o Raposo, rei dos ladrões, o que você esperava?
— Como ousa?
Onurb avança atacando o homem com a Nagga. O homem se esquiva com dificuldade, pois Nagga emana uma aura que o enfraquece, dando vantagem para Onurb.
O homem consegue acertá-lo com socos, mas Onurb consegue contra-atacar com cortes nos braços e no tronco. Posiciona-se nas costas do homem e o apunhala.
O outro não sangra, porém enfraquece. Onurb se distancia, e o homem se regenera dos ferimentos. Ele puxa o fumo de seu cachimbo e solta uma grande nuvem de fumaça.
Onurb faz movimentos rápidos com Nagga como se cortasse a fumaça, fazendo-a dissipar. Ele se vê em um pântano, com os pés dentro de uma água suja e grudenta que os deixa presos.
— Magia é técnica de covardes.
— Você falando mal de covardia?
— Mal não, só estou com inveja, eu adoraria ter, eu seria um rei dos covardes, o que acha?
— Ainda nessa situação você acha momentos para fazer piada.
— Por que todos acham que é piada? Estou falando sério.
— Você é uma piada, você não tem expectativas para honrar seu pai?
— Sério? Essa magia da floresta é para enfrentar meus demônios?
Onurb começa a falar bem alto, com raiva.
— Maxmilliam! Não estou a fim de terapia, ajude-me!
Maxmilliam responde e é ouvido também pelo homem.
— Onurb, sua adaga… Use-a.
O homem olha para os céus e estranha.
— O mago conseguiu passar pelo meu bloqueio. Quem são esses que invadiram a floresta?
Onurb faz movimentos com a Nagga ao seu redor como se estivesse cortando o vento. O homem olha e estranha.
— O que acha que está fazendo…? Essa é uma Zordrak?
Onurb faz muito rápido os movimentos e fica muito cansado e ofegante. Ele para e responde ao homem.
— Eu falei, magia é técnica de covardes, então deixe com o rei aqui.
O homem puxa novamente o fumo do cachimbo, e Onurb pede:
— Maxmilliam e Nagga, deixo o resto com vocês.
Então grita:
— Nagga!
Todos os cortes que ele fez no ar se transformam em lâminas de energia e voam em direções aleatórias. Quando elas tocam algum ponto do pântano, este é cortado como se fosse um papel de parede falso, revelando a floresta de Pando por trás.
O homem solta uma nova nuvem de fumaça, mas ela é dissipada pelas lâminas. Uma delas acerta o homem e corta uma de suas pernas, que cai. O homem grita de raiva, e Onurb sorri com ar de vitória.
— Viu? Que orgulho eu sou para o meu pai! Passei no teste de um guardião.
Tudo começa a sumir, e Onurb conclui:
— Ei... Mas o que?... Espero ter passado… Ou eu morri?
Quando Maxmilliam não vê mais seus companheiros e que está sem seus pertences, ele fecha os olhos e medita.
— Orbis Absolute… Esta magia é bem parecida…
Maxmilliam abre os olhos e se vê em um ponto da floresta com poucas árvores. Ele pensa em seu cajado e o faz se materializar em suas mãos. Aponta-o para cima, e se ouve um barulho de vidro trincando, e uma rachadura se faz no céu.
— Como imaginei, não estou no mundo comum, estou dentro de um feitiço poderoso.
Maxmilliam é jogado longe. Antes que batesse as costas em uma árvore, ele usa magia para pará-lo no ar.
Olha e vê que foi um golpe de uma cobra gigante em chamas. Na área da cabeça dela, as labaredas são maiores. O fogo parece ilusório, pois não queima ou afeta a paisagem ao redor da cobra, mas Maxmilliam sente um calor forte.
A cobra prepara o bote e avança contra Maxmilliam, que com magia apara o bote. Ele é empurrado para trás, encostando à árvore. A cobra recua, e de sua boca sai uma grande onda de fogo.
Maxmilliam se esquiva saindo da frente e vê a árvore virando cinzas em poucos segundos. A cobra o contorna e se envolve em volta dele para tentar esmagá-lo. Maxmilliam faz um campo de força para se proteger. A cobra se enrola no campo de força e começa a esmagá-lo.
O campo começa a ficar fraco e a falhar. Maxmilliam carrega uma grande quantidade de energia em suas mãos e, quando o campo de força desaparece, ele solta essa energia, jogando a cobra a alguns metros de distância.
Maxmilliam tem uma clarividência e sente Alexia, Anirak, Baltazar, Onurb e Ray. Uma aura sai de seu corpo e vai em direção deles através das árvores. A cobra surge e, com seu fogo, cessa a aura. Maxmilliam joga seu cajado para cima, que para em uma certa altura e começa a girar muito rápido.
A aura de Maxmilliam se eleva até o cajado e se expande por toda a floresta, conseguindo um pequeno contato com todos. A cobra solta uma onda de fogo em Maxmilliam, que não pode se mover por conta do contato que está fazendo com os outros, mas ele se defende.
— Termófilo!
O fogo cobre Maxmilliam. Seu corpo e suas roupas ficam avermelhados, mas não queimam. A cobra avança contra ele, que aponta a mão para o cajado chamando um raio elétrico dele, que cai, energiza sua mão, e ele usa para atacar a cobra.
Ela toma o raio e recua, agonizando, dando tempo para Maxmilliam.
— Baltazar… Ray… Anirak… Alexia… Onurb…
Em pouco tempo, a cobra volta, e uma onda de fogo cobre todo o redor de Maxmilliam. O fogo ganha uma cor azul, o que faz Maxmilliam sentir muito calor e suar. A cobra cospe um tronco em brasa no cajado, fazendo-o cair e desfazendo a conexão de Maxmilliam.
Ele ordena que seu cajado volte para ele e ouve uma voz.
— Não perca seu cajado, há perigo de morte se você ficar sem ele.
— Quem é você?
Maxmilliam usa seu poder para ver além da cobra, mas não consegue. As chamas deixam de queimar e dão vida às coisas, fazendo mato, árvores e flores voltarem à vida, crescendo e ganhando suas cores naturais. As chamas somem, e a cobra diminui de tamanho.
— Como testar um ser pródigo como você?
— Por que não se apresenta?
— Sou um guardião da floresta criado por Electi.
— Não, o guardião deixou de assumir quando as chamas mudaram de cor.
— Seu teste já começou, mestre de magia, não aqui, mas desde que assumiu a guarda do menino, outro pródigo, mas cuidado, não faça mais do que é pedido, muitas verdades estão em conflito no Grande Continente, não vai querer ter conflitos desnecessários.
— Entendo seu conselho, mas Ray é o líder, e o que ele decidir fazer, eu estarei com ele sendo conflito ou não.
— Um homem fiel… Achei que nunca veria Maxmilliam de Galfik tão fiel assim… Parabéns, “Babar”.
— Babar? Quem é você?
Maxmilliam aponta seu cajado e solta uma grande luz forte na cobra, forçando-a a revelar a identidade. A cobra explode, empurrando Maxmilliam para longe. Ele bate a cabeça no chão e acorda, mas antes de acordar vê de relance um leão albino.