Volume 1
Capítulo 48: Os Mistérios de Pando I
Manhã, 29 de setembro de 1590. Floresta de Pando.
Baltazar acorda primeiro, e já levanta disposto, vai até um pequeno lago próximo e traz água para todos em uma espécie de bolsa de couro. Anirak acende a fogueira para esquentar comida. Alexia a ajuda. Maxmilliam termina de fazer o amuleto de Baltazar usando uma pedra que ele mesmo tinha, pequena, avermelhada e lisa. Ray levanta, se espreguiça e se enxágua no lago.
Todos estão bem-humorados, mas quietos, comem e apreciam a bela vista da manhã longe de civilização e perigo iminente.
Uma brisa enfeita o chão com as folhas amareladas das árvores da floresta de Pando, pássaros de vários tipos passam nas árvores e no céu. Um tempo passa com eles comendo e admirando a paisagem. Ray questiona o grupo:
— Então, vamos? Preparados?
Todos começam a preparar as coisas para continuar a jornada. Alexia e Anirak limpam rastros para evitar perseguidores, e Onurb volta a demonstrar desânimo.
— Se eu falar que não estou pronto, ficaremos?
— Só se outra pessoa disser isso.
— Você é desprezível.
Alexia e Ray riem. Todos se arrumam e se aproximam da floresta preparados para continuar a aventura. Maxmilliam toma a frente, aproximando-se de uma árvore, e toca-a com a palma da mão.
— Vou tentar algo… Populus Tremuloides!
Uma pequena aura envolve Maxmilliam, mas nada acontece, e a aura desaparece. Ray questiona:
— Tentou se conectar com a árvore?
— Não só com ela, mas com todas elas, toda a floresta está conectada, elas são uma só.
— Incrível.
— Essa magia me deixa conectar a ela e ter a visão da floresta, mas alguém está bloqueando a conexão.
— Dá para saber quem?
— Não, infelizmente não.
— Provavelmente alguém do clã que vive nela.
— Pode ser…
— Vamos indo.
Por não haver uma trilha, todos seguem por um caminho mais adequado. Baltazar e Alexia, com facões, vão na frente abrindo caminho por haver mato alto, Ray e Maxmilliam no meio, observando os arredores, e Anirak e Onurb na retaguarda.
Eles andam um pouco e sentem uma sensação estranha, ficam alertas olhando para todos os lados e seguindo em frente. Em um piscar de olhos, eles se veem sozinhos, separados uns dos outros. Baltazar grita os nomes um a um, mas sem retorno.
Todos os lados parecem iguais e não há o rastro de onde ele passou, como se tivesse sido teleportado para algum lugar aleatório dentro da floresta. Baltazar para e fica pensativo, observa todos os lados, fecha os olhos e sente um leve cheiro de água, de terra molhada. Ele segue esse cheiro e chega a um lago no meio da floresta.
Ao centro do lago, uma bela mulher de cabelos longos e pretos. Ela está usando uma camisa branca fina que está molhada, deixando bem visível seu corpo por baixo da roupa. Ganhando a atenção de Baltazar, ela olha para ele e começa a cantar, com uma voz doce e calma. Baltazar estranha no começo, mas se sente bem ouvindo a canção.
Ele baixa a guarda, entra na água, andando devagar e sorridente. Aproxima-se da mulher e tem um flash em sua mente de Maxmilliam.
— Baltazar! Cuidado! Você está enfeitiçado.
Baltazar recobra a consciência e se afasta da mulher. Ela o ataca, agarrando sua cabeça e afundando na água. Baltazar faz toda a força possível, mas não consegue ser mais forte do que ela, que o afunda mais e mais. Debaixo da água, ele abre os olhos e vê como se estivesse no fundo do oceano, sem conseguir ver um fim. Ele começa a se debater.
A mulher aparece como um vulto de água azul-escuro só da cintura para cima, solta um grito estridente que mesmo debaixo da água incomoda Baltazar e o deixa desnorteado.
Novamente ele escuta a voz de Maxmilliam.
— Baltazar! Concentre-se… feche os olhos…
Ainda confuso, Baltazar obedece, pois não consegue fazer mais nada. De olhos fechados, o grito fica mais baixo e a voz de Maxmilliam mais alta.
— Tudo é uma ilusão… você não está na água, abra seus olhos.
Baltazar abre os olhos. Ele está de volta à floresta. À sua frente, está a mesma mulher, agora feita de água. Ele se arma com seu machado. A mão da mulher se forma em um machado igual ao dele, mas feito de água. Ele se prepara para atacar, e ouve a voz de Maxmilliam.
— Baltazar, essa luta não requer armas, olhe atentamente o que você está enfrentando… A floresta está te testando, enfrente-o de outra forma.
Ainda segurando seu machado, Baltazar se aproxima e baixa a guarda. O machado da mão da mulher volta a ser água comum e cai ao chão. Ela diminui de tamanho e fica com a silhueta e alguns detalhes de uma menina. Baltazar deixa seu machado cair ao ver a nova imagem da mulher. Ele ouve a voz da menina, que está irritada.
— A culpa foi sua… Foi você!
— Não, não foi, eu fiz o possível…
Baltazar se aproxima e ajoelha na frente dela.
— Me desculpe, eu fiz o que pude… Eu não sabia.
Baltazar tem um flash de seu passado, uma guerra em alto-mar. Louco por glória e vitória, destrói vários barcos e navios, muitos de pessoas inocentes que estavam fugindo da guerra do antigo mundo.
Entre eles, um barco com crianças, que afundou, e foi a única vez que Baltazar sentiu medo e seu corpo suou frio. Ao ver todos na água fria e violenta, ele deixa a batalha de lado e ordena a salvação de todos, se joga no mar e salva as crianças uma a uma, mas a última, uma menininha, a correnteza não o deixou salvar, ela foi levada pela água e morreu.
— Eu não sabia das pessoas que estavam no barco… Nunca quis que inocentes se machucassem…
A menina de água se aproxima e, com uma voz grossa, diz:
— Posso devolver a vida dela, mas preciso da sua em troca.
Baltazar chora e diz alto:
— Faça! Conserte o mal que eu fiz, pago o que for preciso.
A menina da água faz tudo ao redor ficar escuro, cortando a ligação com Maxmilliam. Não se vê mais do que um metro de distância em volta de Baltazar. A menina fica bem próxima dele e crava sua mão em seu peito, onde fica seu coração. Baltazar sente um pequeno choque, e a menina diz:
— Seu coração… é bom…
O corpo de água se expande como se houvesse um oceano dentro dela, a água diminui até cessar, a luz volta, e a menina está envolvida em luz e com sua forma comum. A mesma imagem da menina que morreu anos atrás.
Com uma voz doce, ela fala com Baltazar, que ainda está ajoelhado e com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas.
— Baltazar, infelizmente sabemos que guerra sempre leva à morte de inocentes. Sua atitude de arrependimento pelas suas ações foi imediata e sincera. A alma dessa menina está em paz, Baltazar, só seu coração que carrega essa culpa infundida.
Baltazar fica espantado, e ela continua:
— Sei que é difícil, mas lendo seu coração eu vi que depois desses dias de luta você buscou sempre ajudar os outros e sempre os mais necessitados… Eu sou uma guardiã criada por um Electi, e em nome de Deus te livro dessa dor…
Baltazar sente uma paz nunca sentida antes em seu coração, sua mente fica limpa, seu corpo relaxado, e ele adormece e tem um pequeno sonho com a menina agradecendo por ter salvado seus amigos e irmãos naquele dia.
— Baltazar… seu coração está em paz.
Ray tenta meditar acreditando que terá alguma visão ou intuição do que fazer. Ele abre os olhos e se vê no meio de uma clareira no centro da floresta. Vê pegadas embaixo de seus pés, que seguem em frente. Ele começa a seguir e ouve Maxmilliam.
— Cuidado, tenha mais atenção nos detalhes.
Ray observa mais de perto as pegadas e, analisando melhor e atentamente, chega a uma conclusão estranha:
— Estão ao contrário? Talvez andou de costas.
Ray segue ao contrário as pegadas, entra na floresta, vê um vulto passando perto dele e ouve uma risada de criança.
— Onde estão seus amigos?
Ray fica atento e tenta seguir o barulho do mato se movendo e rindo.
— Volte aqui, quem é você?
— Onde estão seus amigos?
— Eu é que pergunto, onde estão meus amigos?
Ray corre até chegar à outra clareira com gramado baixo e maior do que a outra. De um dos lados da floresta sai um menino de pele clara, ruivo, usando só um pequeno calção verde.
— Seus amigos não estão aqui.
— Cheguei agora com eles, eles estão aqui.
— Não, seus outros amigos… Eles se foram.
Ray sente um aperto no coração como um medo e um frio que toma o corpo.
— Do que você está falando?
— Você sabe!
O menino grunhe como se fosse um porco e corre para dentro da floresta. Ray corre atrás dele, fica a poucos metros de distância de pegar o menino, que corre por um bom tempo e não demonstra cansaço.
Ray tenta puxá-lo com sua funda, mas sem sucesso; tenta jogar alguma coisa para diminuir a velocidade do menino, porém também não consegue. Ray chega a uma outra clareira que parece ser a mesma que a anterior e para com as mãos nos joelhos, cansado e ofegante. Repara que, no chão, as pegadas do menino estão ao contrário.
O garoto para de correr e se aproxima de Ray que está um pouco ofegante.
— Você tem saudade?
— Para… de enigmas… O que é você?
— O quê? Ou quem?
— Você não é humano... e este lugar não é normal, ou eu estou sob um feitiço... muito forte.
— Menino esperto, menino esperto.
— Onde estão meus amigos?
— Eu estou confuso, de quais amigos você quer saber?
— Todos.
— Não, não, só posso responder de um grupo só.
Ray fica surpreso por sentir que o menino sabe dos seus amigos de Pronuntio, tenta esconder suas emoções, mas não consegue. O menino olha atentamente para ele como se olhasse dentro da alma.
— Não tenho tempo, quero voltar a brincar na floresta, vamos, de quem você quer saber?
— Por favor, me diga onde todos eles estão.
— Você é chato, não gostei de você.
O menino grunhe novamente, e algumas pedras são jogadas da floresta e acertam Ray, que tenta sacar sua espada ou funda, mas não consegue, tendo só que se esquivar das pedras, que cada vez mais aumentam a velocidade e a quantidade, dificultando a esquiva de Ray e acertando-lhe algumas.
Durante todo o tempo o menino fica rindo, gostando da situação. As pedras param, e o menino pergunta de novo:
— Você está com saudades dos seus amigos?
— Sim, fala onde eles estão.
— Quem?
— Onde estão meus amigos que chegaram comigo?
— Não sei.
O menino começa a rir de novo, o que deixa Ray com raiva.
— Como?
Ray avança para atacar, se aproxima, coloca as mãos nos ombros do menino, se agacha para ficar olho no olho com ele e pede:
— Por favor, preciso dos meus amigos, onde eles estão?
O menino fica espantado pela atitude de Ray, esperando ser atacado, coloca o dedo no próprio nariz, tira uma meleca e ri de novo, afastando-se de Ray.
— Você é estranho.
Ray senta no chão e olha para o céu, pensando em uma forma de sair.
— Mestre? Você está aí?
A clareira diminui de tamanho e fica muito menor. Um portal feito de galhos e folhas aparece em duas pontas da clareira. Através do portal à frente de Ray, aparecem Baltazar, Onurb, Anirak, Alexia e Maxmilliam.
No portal às suas costas, aparecem seus amigos de Pronuntio, Doug, Júlio, Meena e Rupert. Todos, de ambos os lados, demonstram estar felizes e chamam Ray fazendo sinal com as mãos.
Ray está no meio sem saber o que fazer. O menino fica ao lado sorrindo.
— Vamos, você tem que escolher.
— Não posso escolher entre eles, todos são meus amigos.
— Se todos são, então escolha qualquer um.
— Não…
Ray olha para seu grupo de Pronuntio e comenta:
— Eles, eu não sei se estão bem e onde estão.
— Os outros também, ou você sabe se eles estão bem?
Ray fica pensativo, e depois de um tempo responde:
— Sim, eles estão bem, esta deve ser a magia Folclore, e se ela for como dizem, ela é má com quem merece, eles não merecem, como eu, ficaremos bem. Quero saber onde estão meus amigos que tanto busco.
Ray anda em direção ao portal em que estão seus amigos de Pronuntio e entra, sumindo junto com o portal. O menino sorri e comenta:
— Hehe! Esses humanos… complicam tudo.