Volume 1

Capítulo 46: Feriado

Tarde, 28 de setembro de 1590. Prince, Detroit.

O dia está belo, com o céu sem nuvens e o sol iluminando toda Prince. A cidade está toda destruída, com muitos corpos e sangue. O dia passa praticamente em luto e silêncio, cidadãos e soldados vasculham o local em busca de sobreviventes e feridos. Ford e seus generais velam todos os mortos e seus generais mortos.

Ray, Max, Baltazar, Alexia, Anirak e Onurb ficam em observação por curandeiros, comendo e descansando em quartos separados, sem contato, para focarem em sua recuperação. Ford disponibilizou medicamentos mágicos para melhorar a recuperação do grupo. Todos passam o dia inteiro em repouso e pensando em tudo que passaram.

No outro dia, Ray acorda disposto e recuperado. Vê o sol pela janela do quarto e se anima, levanta, toma banho, faz sua higienização, toma água, se troca e se arruma com seus pertences que estão arrumados e limpos em uma mesa.

Sai do quarto e anda por um corredor com outros quartos. Chega a uma escada que leva a um salão com grandes mesas abastecidas com comida e alguns soldados comendo. Ele senta e começa a se servir.

Pouco tempo passa e Baltazar chega. Ele também está com seus pertences, limpos e arrumados, está até cheiroso e um pouco mais arrumado do que o costume. Carrega uma panela cheia de fruta, pães e carne e senta ao lado de Ray.

— Bom dia, garoto, está descansado?

— Sim, graças a Deus! E você?

— Estou ótimo, só com fome.

— Dá para perceber.

Alexia e Anirak chegam arrumadas com seus pertences, que também foram consertados e limpos. As duas sentam ao lado de Baltazar e pegam frutas. Alexia demonstra ânimo e puxa assunto.

— Estou pronta para a próxima, a medicina deles aqui é incrível, me sinto renovada, até minha dor de cabeça sumiu.

Anirak ainda demonstra desânimo.

— Ótimo que estamos todos bem, mas ainda estou decepcionada com as perdas e que Brent conseguiu sair vivo.

Max aparece, renovado também, usando um grande manto azul-claro de um tecido leve e bonito, linhas douradas e emblemas do antigo mundo.

— Não fique desanimada, Anirak, o importante é que estamos vivos, isso já dá oportunidade para seguir em frente e fazer diferenças… Tudo é experiência.

— Eu sei, mas Prince teve grandes perdas.

— Você é corajosa, enfrentou um dos mais temidos do Grande Continente e saiu viva, sabe que ele sempre mata quem fica em seu caminho.

— Mesmo assim, não me sinto com sorte.

Ray questiona Anirak:

— Como foi essa luta? Soube que ele matou alguns generais de Ford.

— Sim, foi muito difícil, ele tem grandes habilidades e técnicas do antigo mundo. Pena ele ser inimigo, ele como aliado seria vantajoso e um ótimo mestre para aprender novas habilidades.

Baltazar fala com a boca cheia, mas dá para entender o que ele diz:

— Nós enfrentamos uma marionete gigante, foi algo muito estranho. Aquele cemitério estava muito frio e aquele velho era muito poderoso, não imaginei que teria magia forte contra gente como eu.

— Gente como você?

— Sim, resistentes à magia, treinei muito para resistir a poderes mágicos.

Max questiona Baltazar:

— Que magia ele usou em você?

— Algo que sugou minha força, até o meu corpo estava diminuindo de tamanho, meus músculos estavam sumindo.

— É uma magia própria para enfrentar guerreiros resistentes à magia, mas não se preocupe, depois vou fazer um amuleto para te proteger desse tipo de magia.

— Ótimo, assim na próxima consigo atacar sem problemas.

Alexia fica pensativa e comenta:

— Estranho, não lembro muito de ontem.

Onurb aparece usando uma camisa fina e roupa de baixo e com cara de sono.

— Como é bom espreguiçar.

Todos ficam chocados. Ray e Max riem, e Anirak reclama:

— O que você está fazendo?

— Vindo comer.

— E suas roupas?

— Não sei. Disseram-me que tinha comida… Então eu vim.

— Não estão no seu quarto?

— Nem procurei… Estamos pós-guerra, preciso andar armado até aqui dentro?

— Não necessariamente, mas…

— Mas estamos bem, e eu estou com preguiça de me arrumar.

Alexia questiona Onurb:

— Mas você não se recuperou como nós?

— Sim, estou renovado, mas preguiça não é “acaso”, é uma “condição”.

Onurb senta ao lado de Ray, começa a se servir e comer junto com os outros. Ray, ainda sorrindo da situação, questiona Baltazar e Onurb:

— E como vocês conseguiram essas roupas novas, armadura e armas? Condaeus foi tão amigável assim?

— O grandão aí explica melhor, eu preciso comer.

— Depois de derrotar a grande criatura, nós fomos atrás de você, Ray. Um cara de cabelo azul nos ajudou nos teleportando para outra cidade. Essa foi Condaeus, onde não tinha perigo, mas estavam em alerta. Informamos nossas intenções, eles foram bem cordiais e nos ajudaram com novas roupas e armas, as nossas antigas estavam muito gastas. Foi até rápido, pois estávamos preocupados com as outras cidades… E comemos por lá também.

— Entendi… E você, mestre? Ficamos um bom tempo à sua procura.

— Fui preso em Sodorra…

— No castelo de Cristal?

— Sim, tive que reunir energia para conseguir fugir, mas se eu tivesse sido preso dentro do próprio castelo, não estaria aqui.

— Lá é tão perigoso assim?

— Xarles é insignificante, mas ele tem os mais poderosos ao seu lado, fora seus segredos, que devem ter algum poder ou arma escondido em seu domínio.

— Quem diria que estaríamos aqui e assim, conseguimos muita experiência dentro do Império de Cristal.

Anirak revela Ikarus, a espada de lâmina negra.

— E armas incríveis!

Ray fica impressionado.

— Uma Zordrak? Incrível!

Onurb se gaba:

! Eu também tenho… Hmmm...  Ela deve estar no quarto.

Ray termina de comer e questiona:

— Anirak e Alexia, e vocês? Vocês ficaram sumidas por um bom tempo, o que houve em Baron?

— Enfrentamos uma mulher que domina feras e…

Ford chega e interrompe a conversa.

— Bom dia a todos. Desculpe interromper, mas preciso saber como vocês estão.

Todos dizem que estão bem, e Maxmilliam agradece.

— Obrigado pelo seu auxílio, Ford, ajudou muito. Gostaria de ficar mais, mas precisamos seguir nosso caminho.

— Vocês também ajudaram muito. O que eu puder fazer para ajudá-los, eu farei.

Onurb pede de imediato:

Ei! Você consegue uma carruagem mágica para nos ajudar no caminho? Isso serie de grande ajuda.

O grupo fica envergonhado por Onurb pedir algo exagerado, mas Ford consente.

— É claro, até a floresta a carruagem consegue levá-los, depois não, pois a floresta é um pouco “densa”.

— Floresta? Que floresta?

Ray explica:

— Sim, achamos melhor pegar um atalho pela floresta de Pando.

Onurb reclama:

Ah? Pando! Pando? Você está louco? Já ouviu falar do clã que vive lá?

— Não conheço.

Ei. Você é o aprendiz que sabe de tudo e não conhece Pando? Nem quem vive lá?

Todos se olham e ficam pensativos. Onurb conclui:

— Já passamos por tanta coisa nesse Império… Hein! Na verdade... Pensando bem, depois da madrugada dos “mortos bem vivos”, nada mais me espanta… Então vamos, se vocês acham esse caminho a melhor opção, então vamos!

Todos se olham, estranhando a atitude de Onurb, e Ray pergunta para Ford:

— O que vocês deram para ele beber? Temos que levar um pouco para manter essa disposição ativa.

Todos riem, e Onurb reclama:

— Disposição? Haha! Isso se chama insanidade, o que vocês têm e muito. Se for listar tudo que já enfrentamos e vimos nesses dias, ninguém acredita, seria um livro de ficção absurda, exagerada e sem graça.

— Não, com você na história teria muita graça, sim.

Eles riem e Alexia pergunta para Ford:

— Ford, por favor, meu arco quebrou e queria saber se vocês podem consertar, não o achei no meu quarto.

— Se me permite, gostaria de dar o arco de Volvo, ele foi um dos meus generais mais fiéis e habilidosos, ele ficaria honrado que sua arma continuasse em ação, ainda mais num grupo como o de vocês. Desejo que seja de grande utilidade.

Onurb comenta com boca cheia de comida:

Hum... Arma útil... para Alexia? Só se for um capacete.

— Não entendi.

Ray também pede:

— Eu ouvi os soldados falando sobre as manoplas de Troller, se não for abusar de sua boa-vontade, gostaria de usá-las.

— É claro, Ray! Pedirei agora para prepararem a carruagem com comida, as armas e água para que vocês tenham uma boa viagem.

— Muito obrigado, Ford.

Anirak questiona:

— E vocês sabem quanto tempo até chegarmos até a floresta?

Ford responde:

— Com a carruagem e saindo agora de manhã, vocês chegarão à noite, acampam e na manhã seguinte entram na floresta, não entrem à noite, será mais perigoso.

Onurb estranha:

— “Mais”? “Mais perigoso”? Então de manhã é só “perigoso”, sem o “mais”? Éh?

— Onurb, não começa! Vai se trocar, que já iremos sair.

Todos terminam de comer e se aprontam para sair. Ford sai e pede para arrumarem a carruagem. Onurb sobe ao seu quarto e se troca com seus pertences, e furta alguns itens. Todos se reúnem do lado de fora do casarão com um grupo grande de soldados, civis, a carruagem e Ford. Ray é abordado por Lincoln e Mazda.

— Ray, novamente é uma honra conhecê-lo, e obrigado pela ajuda.

— A honra foi minha por ter ajudado vocês, queria ter feito muito mais…

— Não se preocupe, Ray, toda guerra tem perdas, temos que agradecer por termos vencido a batalha e que nosso ideal continua vivo.

— Ótimo.

— Espero que nos encontremos novamente, Ray, e vocês também, Baltazar, Anirak, Alexia, Onurb e Max… Soldados, cumprimentar!

Todos os soldados saúdam o grupo de Ray, que agradece a honra e entra na carruagem. Mesmo sendo mágica, no lado de fora vão um soldado e um mago para voltarem com ela depois de deixá-los na floresta.

Ford usa magia para ativar e potencializar o poder da carruagem, que segue para fora de Detroit e Prince a caminho da floresta de Pando. Ao sair de Prince, Ray questiona:

— Anirak? Faltou a sua história, sua e da Alexia.

— Sim, falamos que enfrentamos...

Onurb interrompe:

Ei! Antes disso, vocês podem me dizer se até a floresta teremos mais problemas com o Império? Ou essa parte finalmente acabou?

— Sim, Onurb, acabou! Agora fica a parte fácil.

— Finalmente… Vimos Ian, Questtis e até Brent… Faltou mais alguém do Império?

— No cemitério, vimos Ghilber.

— Que? Ghilber? Não sei quem é.

Alexia responde:

— Ghilber era um mestre arbol, que é da antiga “Sodam of Smart”, humanos que se transformam em criaturas. Ele foi dado como morto, mas descobri que ele escondeu sua identidade na águia gigante em que pode se transformar.

— Vocês o enfrentaram?

— Não, ele veio nos ajudar.

Aaa... Assim fica fácil, um aparece para ajudar vocês, e Brent aparece para nos matar… Anirak, você é a azarada, “pé na cova”.

Anirak o olha com desprezo, cruza os braços e fica olhando a paisagem pela janela. Baltazar cai no sono. Maxmilliam está meditando, e Onurb continua:

— Vocês sabem se há outros poderosos no Império que faltou a gente ver? Éh. Não podemos deixar esse povo chateado em não ter uma chance de arrancar nossas cabeças.

Alexia pensa um pouco e responde:

— O Império tem poderosos “heróis” em seu poder, eu soube sobre eles um tempo em que trabalhei em Majorem ajudando no cuidado com animais.

— Você já trabalhou para o Império?

— Não exatamente para o Império, eu fui chamada pelos aldeões, nessa época não tive contato com ninguém do Império… Pensando bem, nessa cidade eu nem tinha visto soldados com emblema do Império.

— Entendi… E fora esses que comentamos e que vimos nesse pesadelo, você ouviu falar de mais quem?

— Lembro-me de Hanna Constror e Oulan Constror, o braço direito e esquerdo de Ian.

Hmmm... Acho que já ouvi falar desses dois.

— Dessas duas, você quer dizer.

— Duas? Mulheres? Dentro do Império?

— Contraditório, não? Mas elas são de Sodam of Smart, são poderosas e provavelmente “protegidas” por Ian.

— Esse Ian… Mesmo sendo do lado dos inimigos, ouço falar bem dele.

Ray entra na conversa.

— Ele treinou e lutou ao lado do meu pai há muito tempo… Os imortais, o grupo de heróis mais poderosos do mundo. Mas alguma coisa aconteceu, e essa “amizade” se desfez. Tanto é que ele não sabe que sou filho do seu antigo amigo.

— Se esse Ian era um dos imortais, por que se ajuntou com Xarles? Poder? Dinheiro? Ou ele está infiltrado? Um agente duplo?

— Calma, Onurb, muitas perguntas e infelizmente nenhuma resposta com certeza… Tem algum segredo que liga Ian a Xarles.

— Romance, por exemplo? Um descendente de Ivo? Isso será um escândalo.

— Não, pouco provável… Acho que não.

Eles ficam pensativos um pouco, olham pelas janelas e apreciam a linda paisagem, gramado, animais ao fundo correndo, aves voando, lagos, árvores, tudo longe de humanos e cidades. Alexia respira fundo e continua o assunto.

— Tem o Dhallcio, conhecido como “O Bispo”, ele tem uma arma Zordrak e é o sacerdote do Império, um pouco obscuro, mas ainda é um religioso.

Ray comenta:

— Ouvi falar dele, ele tem o estilo padrão do Império, como você mesma falou, “obscuro”, não é digno de uma Zordrak.

Onurb mostra sua adaga ritualística.

— Verdade, eu também tenho uma, pelo menos eu acho que é… E eu sou digno.

Maxmilliam abre os olhos e aprecia a adaga.

— Bonita, uma adaga de ritual.

— Mestre, sabe algo sobre ela?

— Me deixa ver mais de perto.

Maxmilliam pega a adaga e a analisa detalhadamente, as joias, as escritas e a forma como foi forjada. Ele sente poder nela e certifica-se de que é uma autêntica arma Zordrak.

— Incrível, é uma adaga poderosa, uma Zordrak com certeza, ela tem facilidade em lidar com magia e até fazer magias antigas. Pelo jeito como foi forjada, acredito que o foi nas montanhas de Irene White.

Onurb pega a adaga e se gaba.

Éh Claro! Muito bom! Digna de um rei dos ladrões como eu.

Ray ri e pede para Alexia:

— Não vamos dar espaço para ele se gabar mais, continue, Alexia, tem mais alguém famoso do Império que não vimos esses dias?

— Vocês falaram que viram Questtis, tem os irmãos dele, a Trindade Brow.

— Trindade?

— Sim, Questtis Brow, Ivan Brow e Nilber Brow… São líderes do exército de Xarles abaixo de Ian. Esses três têm uma fama bem ruim, sempre matando e dizimando seus inimigos. Eles não têm piedade, se forem inimigos eles matam, não gostam de prisioneiros e são eficazes nisso.

Max entra na conversa:

— Falando em prisioneiros, quando eu estava vasculhando uns arquivos em Sodorra, achei informações sobre uma prisão sendo construída em segredo. Estranho o Império esconder algo assim, uma prisão, deve ser mais do que uma simples prisão, ou até um codinome para algo maior.

Ray se lembra de sua visão.

— Depois da luta com Sokushin, eu tive umas visões, quando ele foi derrotado eu vi que não foi ele que matou a população de Prince, ele usou os corpos já mortos como marionetes, mas não os matou.

— Quando cheguei a Detroit, vi Ford agitado e preocupado vendo alguns arquivos, e vi em alguns papéis algo sobre isso, uma arma criada pelo próprio Império em fase de teste para dizimar seres vivos… Ford deve investigar isso… Essas visões, Ray, você usou algum poder?

— Não, aconteceu do nada, sozinho.

— Interessante, a luta com Sokushin deve ter despertado alguma habilidade sua, algum tipo de clarividência ou aptidão mágica.

— Não pode ser possível…

— Sim, é possível. Seus pais tinham dons assim, é bem provável que você tenha herdado.

— Eu consigo conjurar magias e pequenos truques, mas esse tipo de poder eu não imaginava.

— Isso é muito bom, você está evoluindo muito nessa aventura, mais do que o imaginado.

Baltazar acorda.

— Verdade… Que fome! Onde está a comida que deixaram para nós?

Onurb comenta:

Ei! Não coma tudo, touro velho, você já está descansado, não precisa de muito.

— Preciso, sim, para continuar esbelto e forte.

— Gordo!

— Eu não sou gordo.

Baltazar acha comida, começa a comer e elogia Ray.

— Ray nesses últimos dias foi muito habilidoso, é sua primeira missão e passou vivo pelo Império de Cristal. Você está de parabéns, Ray.

— Obrigado.

Anirak, ainda olhando para a paisagem, também elogia.

— Verdade, o menino que me incomodou para vir nesta viagem provou ser digno da minha atenção e respeito. Parabéns, Ray.

Maxmilliam olha sorridente para Ray, e Alexia comenta:

— Eu agradeço por ter encontrado vocês, essa aventura foi ótima, está sendo ótima, e Ray como líder do grupo soube se impor em frente de Ian e dos inimigos do Império.

Ray fica um pouco envergonhado e olha para Onurb esperando algum comentário. Onurb olha sem entender.

— O que foi?

— E você, Onurb, nada a dizer?

Onurb demonstra um pouco de rancor e responde:

— Eu tenho muito a dizer, quer ouvir?

Todos, em unanimidade, respondem:

— Não, por favor, não!

Ei! Vocês são exagerados, não veem que Ray é o verdadeiro vilão?

— Eu? Por quê?

— Você me tirou da minha casa, me colocou em perigo várias vezes, passei por fome, frio, medo, terror, enjoo…



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