Volume 1

Capítulo 38: Terror em Prince

Manhã, 26 de setembro de 1590. Prince, Torre de Cristal.

Ray, Baltazar e Onurb passam pela aura e chegam a uma sala comum de teleporte, mas ela está vazia e pouco iluminada por alguns cristais que emanam luz. Onurb questiona:

— Aonde você nos trouxe?

— Para Prince.

— Estranho…

— Esta cidade foi a primeira em que houve ataque.

— Espero que eles já tenham resolvido.

Baltazar empunha seu novo machado e comenta:

— Pelo silêncio, eu acho que não… Está frio aqui.

Éh. Se você que é grande está com frio, imagine eu.

Eles saem da sala e veem que a torre está tomada por uma bruma e deserta, sem sinal de luta ou invasão. Há pouca luz, que vem das janelas do dia que amanhece. Eles revistam as salas e corredores e não acham ninguém e nada de interessante, como se a torre tivesse sido evacuada, deixando todos os pertences para trás.

Onurb aproveita e procura itens de valor, e acha alguns.

— Estranho… todos os itens estão aqui, todos saíram e não levaram nada.

Ray vai até a janela próxima.

— Muito estranho mesmo, e está silencioso… Meu mestre saberia o que fazer.

Onurb se aproxima e comenta:

— Nós perguntamos sobre ele em Condaeus, mas nenhuma informação.

— Ele deve ter sido levado para mais adentro do Império, nas celas de Regem eu também não o vi.

Ray olha pela janela e não consegue ver nada que o ajude. A torre não é muito alta e a neblina cobre sua visão, impossibilitando de ver como está a cidade. Eles descem andar por andar até chegarem à saída da torre.

O portão está aberto e dá para ver silhuetas de pessoas paradas ao lado de fora. Eles param por alguns segundos e reparam que essas silhuetas não se movem.

Onurb fala, em um tom baixo:

— Deveríamos ir embora, esta cidade não parece hospitaleira.

Ray responde:

— Não podemos, precisamos saber se meu mestre, Anirak e Alexia estão ou passaram por aqui, e precisamos saber o que houve aqui na cidade, para poder ajudá-la.

— Imaginei… Ray, você é aprendiz de magia, sabe dizer se são pessoas ali à frente?

— Meu conhecimento mágico é baixo, para saber preciso me aproximar mais.

Onurb lhe dá um empurrãozinho.

— Boa sorte! Cuidarei da sua retaguarda.

Baltazar dá um empurrãozinho em Onurb.

— Boa sorte! Cuidarei da rota de fuga.

Rrrr...

Ray sai da torre e consegue ver mais ao redor. A Torre de Cristal fica no meio de uma grande praça com árvores, jardins, bancos de pedra, estátuas e estradas de tijolos. As silhuetas revelam serem pessoas aparentemente comuns, diversificadas em mulheres, homens, crianças e idosos, todos parados em pé distantes uns dos outros. Ray se aproxima e vê que eles estão de olhos fechados.

O único som que se ouve é da brisa que balança os galhos das árvores e o uivo do vento passando pela torre. O suspense paralisa Ray, fazendo-o pensar e notar que todos eles têm uma aura no formato de um fio de cabelo branco que sai da nuca de cada um. Esses fios não têm um fim, mas aparentam estar conectados.

Baltazar se aproxima de Ray, e Onurb se afasta dos dois, voltando para a torre. Ao virar para o portão da torre, ele vê uma menina de vestido lilás, que abre os olhos e, com um olhar cansado, o encara. Ele paralisa e sussurra:

Ei... Ray… Balt… Baltazar… Ray

A menina dá as costas para Onurb, baixa a cabeça e começa a chorar baixinho. Ray e Baltazar ouvem um choro baixo e olham para trás, vendo Onurb chorando.

— Que lugar é este?

— O que houve, Onurb?

Onurb se aproxima deles, aponta para a menina, que também chora, e se posiciona atrás deles. Ray acha tudo muito estranho, se aproxima, e, antes que falasse algo, a menina ergue a cabeça e gira o pescoço, colocando a cabeça a 180º graus para trás, o que assusta os três.

Onurb solta um grito fino, Ray dá um pulo e se arma com sua espada, Baltazar, na impulsividade, avança para matar a menina, que solta um grito estridente.

O som para depois que Baltazar a decepa. Ray se impressiona.

— Você atacou uma menina?

— Aquilo não era uma menina.

Onurb se recupera do susto, se arma com uma adaga em cada mão, uma na boca e fala com raiva:

— Baltazar está certo! Vou matar tudo que se aproximar!

Depois do grito da menina, os outros andam em direção a Ray, Onurb e Baltazar. Aos poucos, eles aceleram os passos até começar a correr.

Aproximando-se, eles atacam com o que têm em mãos, alguns de mãos vazias, uns com itens domésticos e poucos com espada e lança, destacando esses armados com armadura do Império.

Onurb demonstra medo, mas contra-ataca todos, esquiva e corta os membros com cortes profundos. Baltazar não chega a ser acertado, pois seus golpes de machado decapitam e cortam os membros de todos que se aproximam. Ray se esquiva fácil de todos e tenta contato.

— Por que estão fazendo isso? O que houve?

Todos continuam sem responder. Eles apresentam o mesmo estado, mesmo olhar cansado, movimentos agressivos com pouca precisão. Só os soldados apresentam melhor destreza e força nos golpes.

O povo é acertado por golpes, mas não esboçam dor ou surpresa, continuam atacando mesmo com membros decepados ou cortes profundos. Ray percebe que em todos que tiveram suas cabeças cortadas o fio desaparece.

— Existe algum controle nos corpos, acertem o pescoço ou a nuca.

Onurb e Baltazar focam no que Ray disse, e o número de pessoas diminui com as decapitações e cortes profundos na nuca. Ray percebe que ao longe outras silhuetas aparecem andando devagar.

— Virão outros, é melhor sairmos daqui.

— Para a torre?

— Não, sigam-me.

Onurb e Baltazar seguem Ray, que corre pela praça, passa por algumas pessoas paradas e chega a um templo com os portões de madeira maciça fechados. Ele força a entrada, mas não consegue. Baltazar toma a frente, força o portão, que abre.

Eles entram e o trancam em seguida. O templo é pequeno, com bancos, mesas e armários de madeira, vidraças com pintura de paisagens, pilares com algumas gravuras do Império sujas de sangue.

No altar, uma mesa de pedra com um corpo humano deitado usando vestes de sacerdote. O ambiente está um pouco escuro e mais frio do que o lado de fora, mesmo não havendo corrente de ar.

Baltazar fica no portão de guarda ouvindo os passos das pessoas lá fora. Onurb observa o templo, sente um calafrio passando pelo corpo e segue Ray, que caminha até o meio do templo e diz:

— A luz do Criador está em cada um de nós.

Os dois braseiros em cada lado do altar acendem, junto com várias velas no salão todo. Onurb admira o efeito:

Hmmm... Muito bom… Isso serve em todo caso?

— Não, só em alguns templos…

— Você já veio aqui?

— Não, mas estudei sobre Prince, é uma cidade histórica, é a maior de todo o Império.

Baltazar não ouve mais barulho do lado de fora e se aproxima de Ray e Onurb.

— Eu já vim aqui um tempo atrás e não me lembro dos lugares. Como soube que o templo estava nessa direção?

— Eu lembrei vendo as estátuas da praça, a estátua do religioso aponta seu cetro para o primeiro templo de Prince.

— Primeiro? Então tem outros?

— Sim, são cinco templos em Prince.

— Entendo. E em que parte da cidade nós estamos?

— Na entrada principal. A praça indica os locais principais da cidade, como um mapa para quem chega.

Onurb avista o corpo no altar, joga três adagas e o acerta, e Baltazar se assusta.

— O que houve? Ele se mexeu?

— Não, mas gosto de ter certeza.

Ray ri e se aproxima do altar com cautela. Baltazar olha para as vidraças.

— Este templo está estranho… Já era para o sol iluminar toda a cidade.

Onurb responde:

— As brumas de Irene. Algumas vezes, se a temperatura está baixa, a neblina das montanhas se estende para as proximidades.

Ray e Baltazar olham espantados para Onurb, que senta cruzando os braços.

Ei. Eu já falei que também conheço o Grande Continente.

— Muito bom, Onurb, foi ótimo você ter se juntado a nós.

— Ótimo? Sei… Seus bajuladores.

Baltazar comenta em voz alta, para animá-lo:

— Este templo foi violado, então não haverá problemas se levarmos algumas coisas. Um templo numa cidade grande como Prince deve ter várias coisas interessantes.

Onurb olha para os lados, pensa um pouco, analisando e avaliando o local. Levanta e vai aos fundos do templo em passos rápidos.

Baltazar sorri para Ray e caminha em direção ao altar. Ray observa as vidraças, fecha os olhos e lembra quando estudou sobre Prince, Maxmilliam usou magia nele para visualizar a cidade como se ele mesmo estivesse visitando.

Baltazar observa o corpo do sacerdote no altar e se assusta quando ele abre os olhos, salta se agarrando no ombro dele e o ataca com socos, chutes, arranhões e mordidas.

— Maldito, me solta!

Ray abre os olhos e corre para ajudar. Baltazar solta seu machado e, com as mãos livres, segura no pescoço do sacerdote, o ergue, se solta dele e o joga no altar, quebrando-lhe a coluna. O corpo se debate um pouco e para.

A face do sacerdote demonstra raiva. Ray se aproxima, segura na cabeça do sacerdote e procura o fio branco na nuca. Ao tocá-lo, o corpo do sacerdote para, e o fio desaparece. Ray sente uma energia passar pelo seu corpo e desmaia.

Baltazar fica preocupado, joga o corpo do sacerdote longe e coloca Ray deitado no altar.

— Ray, acorde…

Onurb aparece e grita ao ver Ray no altar.

Oh! O que houve? Por que ele está aí?

— Acalme-se, Onurb, ele só desmaiou.

— Você é louco, ele desmaia e você o coloca aí? Vai sacrificá-lo ou vai fazer algum ritual bizarro…? O sacerdote possuído estava deitado também, e olha o que houve.

— Para de reclamar… Possuído? Você viu o sacerdote me atacando?

— Sim…

— E não fez nada?

Éh! Se você que é grandão e tem um enorme machado ficou com medo, imagine eu com uma adaga… Este lugar é como o vale das sombras, não quero mais ficar aqui, ouço como se tivesse bichos subindo nas paredes.

Baltazar pega seu machado do chão e ouve um barulho vindo do lado de fora do templo.

— Não são bichos… São os “possuídos”.

As vidraças quebram, e vários cidadãos e soldados passam por elas, todos agressivos, machucados e andando curvados, como se já tivessem lutado antes. Todos atacam Onurb e Baltazar. Onurb se arma com uma adaga que achou no quarto do sacerdote, muito afiada, feita de um material escuro e ornada com joias.

Baltazar, já armado com seu machado, ataca todos que se aproximam, focando os pescoços. Estes demonstram uma agilidade e se esquivam melhor do que os anteriores, mas não são páreos para o grande touro. Baltazar avança até o meio do salão do templo e derrota todos em seu caminho.

Onurb se aproxima de Ray para defendê-lo e ataca todos que se aproximam.

— Ray, se você acordar, avisa que é você mesmo. Se você levantar com cara de louco, eu o mato sem pensar duas vezes.

Onurb fica surpreso pelo corte da adaga nova que desfere fácil seus oponentes, cortando sem ele perceber os fios brancos de alguns sem precisar cortar a sua cabeça. O número de oponentes diminui, mas continuam aparecendo mais. Onurb chama Baltazar.

— Nos fundos, eu vi uma saída, pegue o Ray e vamos sair daqui.

Baltazar volta para o altar, coloca Ray em seu ombro e sai por onde Onurb indicou. Onurb assume a linha de frente e derrota todos os agressores um a um. Antes de ir para os fundos do templo, ele derruba os braseiros, bloqueando o caminho, para um pouco e olha com ar de vitória:

— Queimem, monstros.

Onurb grita ao ver seus inimigos andando pelo fogo sem demonstrar dor. Todos pegam fogo e o atacam.

— Por que as coisas sempre pioram nessa “aventura”?



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