Volume 1

Capítulo 35: Autoridades de Regem

Noite, 24 de setembro de 1590. Regem, Torre de Cristal.

Ray atravessa a aura e chega a uma sala de teleporte diferente das outras, esta é maior, detalhada e com soldados de elite, mais equipados e fortes do que o comum. Ray sofre com o efeito colateral do teleporte e, antes de abordar alguém, desmaia.

Pouco tempo passa e ele acorda usando uma veste simples marrom-clara, sem seus pertences, amarrado a uma cadeira de madeira simples. Há outros três homens ao seu lado, também amarrados em cadeiras.

Ao redor, a sala tem poucas janelas, soldados de elite e, na frente, a poucos metros de distância, um trono. Antes que falasse algo, a porta atrás dele se abre e um homem que é reverenciado pelos soldados entra e senta no trono. Ray o reconhece.

— Questtis?

Questtis pendura seu chapéu no trono e, com cara de poucos amigos, conversa com Ray.

— Olá. Que continente pequeno…

— O que está acontecendo? Posso saber por que estou preso?

— Calma, não está preso, está numa espécie de interrogatório.

— Se estou sem meus pertences e impossibilidade de sair e até de me mover livremente, então estou preso.

— Você também leciona?

— Se o Império precisar…

— Ousado… E como foi? Conseguiu resolver algum problema que Ian pediu? Até onde eu sei, Ducem foi destruída…

— Achei que você saberia de mais detalhes do que esse.

— Estava ocupado resolvendo um problema aqui…

— Em que cidade eu estou?

— Você nem sabe onde está?

— Fale com superioridade comigo quando eu não estiver amarrado e com minha espada em mãos…

Os dois se encaram. Os soldados se aproximam, e Questtis faz um sinal com a mão para recuarem.

— Quanta hostilidade, Ray…

Questtis se aproxima de Ray e continua.

— Eu falo com superioridade porque eu sou superior, aprendiz… Vou mandá-lo para uma cela de prisão para aprender a ter modos com quem é superior…

Ray tenta interromper, mas Questtis usa magia para não sair som de sua boca.

— Viu como você aprende… a ficar calado quando o chefe fala.

Questtis volta para o trono e ordena para os guardas:

— Levem-no para uma cela bem humilde, uma que combine com sua atitude… E executem os outros.

Os outros prisioneiros reclamam, e logo são silenciados por golpes nas cabeças que os desmaiam. Ray se debate, mas não consegue sair. Um soldado grande ergue a sua cadeira e o leva para fora da sala junto com outros dois soldados de elite até a cela.

No caminho, Ray analisa todo o local, uma grande construção feita de tijolos grandes, poucas janelas, cristais iluminando o caminho como tochas, bandeiras e flâmulas com heráldicas do Império e do império antigo, salas de armamento, salas comuns, várias portas, uma grande área obscura no subsolo onde ficam os presos, várias celas, tochas comuns para iluminar o caminho.

O lugar é sujo e com poucos soldados. Ray é solto da cadeira e logo é jogado em uma cela. Ele se levanta e, com a cela fechada, reclama, percebendo que sua voz voltou.

— Maldito!

Ray vê que a cela é pequena, escura e suja, apenas a cama está em condições decentes. As celas são iguais às de animais, grades quadriculadas dividem os prisioneiros.

Com o pouco que a luz consegue revelar a Ray, ele vê outros prisioneiros ao redor em suas camas ou sentados, demonstrando medo, desânimo, fraqueza e olheiras grandes.

Por um minuto, Ray se desanima e é abordado por uma voz de mulher na cela ao lado.

— Ray?

Ray se assusta e recua.

— Você me conhece?

— Ouvi falar de você… Estava te esperando. Não nesta situação, é claro.

— Me esperando?

— Sim, eu sou Johannes…

— Líder de Regem?

— Sim…

— Me desculpe, mas achei que você fosse um homem.

Ela se aproxima mancando e revelando-se mais. A mulher, aparentemente humana, é bonita, entre 20 e 30 anos de idade, olhos pretos e puxados, cabeça e sobrancelhas raspadas, estatura média, alguns hematomas no rosto e no pescoço. Usa uma roupa simples cinza, suja e amarrotada.

— Tudo bem… Meu nome verdadeiro é Giliberta…

— Desgraçados… O que fizeram com você?

— Descobriram sobre meus planos e fui punida, e ainda serei mais.

— Mas por quê?

— Sou integrante de um clã que tenta mudar o Império, mudando a política egoísta e desumana que há hoje.

— Estranho, mas sua aparência não coincide com a liderança de Regem.

Ela encosta-se à cela de Ray e, com os olhos sinceros, responde:

— Eu sou uma Reilum-S.

Ray se aproxima e sente sinceridade nela.

— Incrível! Você usou suas habilidades físicas para parecer um homem e assumir um império machista para mudá-lo.

— Sim, estava conseguindo. Nesses últimos dias, muitas das minhas guerreiras foram mortas, houve uma guerra interna no Império e Questtis foi chamado com seu exército de elite.

— Elite?

— Sim, esses soldados são da guarda do castelo de Xarles, o castelo de Cristal, eles são chamados para casos extremos.

— Ducem tinha soldados do Império lutando entre si…

— Sério? Eles também foram descobertos?

— Acho que sim…

— Mas como está Ducem?

— Destruída…

— Como?

— Quando cheguei, já era tarde, houve uma grande guerra entre ladrões náuticos, cidadãos e soldados do Império.

— Ladrões? Ouvi falar que um grande grupo estava se reunindo nos mares.

Giliberta senta no chão e fica triste.

— Steve, deve estar morto…

— Sim, eu o vi, ele e Bill.

— Bill? Steve confiou em Bill contando do nosso clã para que se juntasse a nós. Bill o traiu, chantageou para que guardasse nosso segredo, no fim ele deve ter contado sobre nós.

— Não desanime, meu grupo está dando conta das outras cidades, e irão nos ajudar.

— Ótimo, soube sobre vocês. Mas, Ray, você precisa ter um plano. Até onde eu soube, Maxmilliam está preso. Soube também de duas guerreiras em Baron que sumiram, uma criatura aparentemente imortal está matando muitos em Citizen, sem esquecer-se do…

— Não se preocupe, sei que estou há pouco tempo com eles, mas confio em suas habilidades, e Max, eu conheço desde que nasci, sei que o encontrarei logo.

— Entendo. Desculpe eu ficar preocupada, mas a situação é crítica.

— Sim… Você acha que Regem pode ser atacada?

— Difícil. Tirando o castelo de Cristal, Regem é a cidade mais bem preparada para a guerra, ela é a única que possui um escudo mágico, difícil de conjurar e manter.

— Mas, pelo que eu vi em Ducem, o inimigo também está bem preparado.

— O que você viu lá?

Ray conta para Giliberta tudo o que houve em Ducem, incluindo a luta no templo. Ela fica impressionada com os acontecimentos e demonstra cansaço. Ray pede para que ela durma e descanse, e ela o faz. Ray deita na cama, imaginando como sair da cela e como salvar Giliberta.

Aos poucos, ele cai no sono e acorda de manhã no chão de uma sala, com um guarda de elite, a porta fechada atrás dele, uma grande janela com o sol iluminando tudo. À sua frente, um homem com armadura corporal com capacete de chifres que esconde o rosto, várias mesas e um armário grande.

Ele levanta e observa vários itens nas mesas. Identifica seus pertences entre eles e encara o cavaleiro à sua frente.

— Como vim parar aqui? Ainda estou em Regem?

O cavaleiro se aproxima e diz, com sua voz grossa:

— Você foi enfeitiçado para que dormisse profundamente e assim foi fácil trazê-lo aqui. Sim, estamos em Regem, você foi solto por estar sob a jurisdição de Ian Nai e pelos bons feitos para o Império até o momento. Fui designado a tirá-lo da cela e devolver seus pertences. Mais alguma pergunta?

Ray fica pensativo, olha para a janela, para o soldado na porta e volta a falar com o cavaleiro.

— E você é…?

— Isso é irrelevante. Pegue seus pertences, se vista, e eu estarei esperando do lado de fora.

O cavaleiro reverencia Ray e sai da sala levando o soldado que está na porta. Antes de fechar, Ray questiona:

— Não tenho vigilância?

— Ian Nai foi bem explícito em dar total liberdade, espero que não traia a confiança dele.

O cavaleiro fecha a porta, e Ray fica animado e ansioso. Ele corre até a janela para visualizar sua localização, de onde dá para ver uma boa parte de Regem, uma grande cidade fortificada de pedra, muralhas, torres, casas pequenas e algumas grandes, quartéis, estábulos, pouco comércio e muita vigilância.

O céu está aberto e o sol deixa a temperatura bem quente. Ray sente uma brisa gelada e tem um mau presságio. Veste-se com suas roupas que estão limpas, pega todos os seus pertences, estranhando por nada ter sido confiscado, com exceção de seu diário dado por Izolna, que ele não acha. Em sua mochila, coloca outros itens e roupas que estão por ali.

Antes que chegasse ao armário para investigar, a porta abre e um novo soldado entra e o aborda.

— Boa tarde, você é Ray?

— Sim, eu mesmo.

— Ótimo, siga-me.

— E o cavaleiro?

— Eu o guiarei agora, senhor.

Ray o segue e sai da sala. No corredor, ele constata que ainda está no prédio que tem a prisão no subsolo. Em pouco tempo, ele entra em um refeitório.

Há alguns homens comendo em uma mesa grande, com muita variedade de carnes. Ray senta longe de todos e se serve.

O soldado que o levou senta ao seu lado e lhe devolve o brasão de Ian Nai.

— Este brasão representa sua guarda.

— De Ian Nai?

— Isso, todos que o virem saberão que você é do Império. O brasão também lhe dá fácil acesso à maioria dos lugares de Regam… Lembre-se de que sem ele você será confundido com um prisioneiro ou invasor.

— Minha roupa não está tão ruim assim.

— Desculpe, mas é o que pensarão se você andar pela cidade sem o brasão.

— Sou tão diferente de um cidadão comum de Regem?

— Sim, acredite… Eu já fiz tudo que fui ordenado, você precisa de algo mais?

— Sim, sente e coma comigo.

— Obrigado, senhor, mas já comi antes de ir vê-lo.

— Entendo… Tem algum soldado mulher? Tenho algumas dúvidas.

— Se eu puder ajudar nessas dúvidas…

— Não, precisa ser mulher, pois fiquei sabendo de um clã oculto dentro do Império e estou investigando.

— Questtis está cuidando dessa investigação, mas se precisar, algumas mulheres serão enviadas para o castelo de Cristal esta noite.

— Ótimo. E onde está Questtis? Gostaria de falar com ele.

— Me desculpe, senhor, mas depois de uma discussão hoje cedo, Questtis foi claro que não quer vê-lo.

— Entendi… Um mau perdedor.

— Como, senhor?

— Deixa para lá, muito obrigado por tudo. E seu nome é…?

— Isso é irrelevante, senhor. Se você me permite, eu me retiro.

Ray estranha o costume dos soldados com o nome e come analisando em volta. Os soldados parecem mal-humorados e fortes, e ficam se intimidando todo o tempo. Ray termina de comer e vai para o subsolo.

No caminho, é encarado por vários soldados de elite, que, ao verem o brasão, o deixam em paz. Na região das celas, Ray corre e chega até Giliberta.

— Giliberta? Você está bem?

Ela levanta da cama e se aproxima de Ray.

— Por que está aqui, Ray? Você deve sair desta cidade e encontrar seu grupo.

— Vim ajudá-la, é claro. Onde estão os outros prisioneiros? Está vazio aqui.

— Eles foram levados, Questtis não gosta de ter muitos prisioneiros aqui, eles são enviados para outra prisão ou são mortos.

— Entendi… Você tem algum aliado que possa tirar você daqui?

— Tenho poucos, mas não posso arriscar a vida deles tentando me tirar daqui.

— Agora pode.

Ray tira roupas limpas de sua mochila, comida fresca, medicação, e entrega para Giliberta, que fica relutante.

— Não, Ray, e se alguém vir?

— Aqui quase não tem vigilância, e ficarei de guarda. Coma e guarde a roupa embaixo da cama para quando você for sair daqui.

— Ray…

— Siga o que eu digo… Você está com efeito da magia de Questtis, ele usa “medo” para subjugar os inimigos, deixando-os fracos e desmotivados.

Giliberta segue as palavras de Ray. Enquanto isso, ele se afasta e fica de guarda. Ela mostra um semblante melhor e animado.

— Ray? Existe um cavaleiro que pode me ajudar.

Ray se aproxima e ouve barulho de soldados se aproximando das celas.

— Ótimo, quem ele é?

— Seu nome é Enom, ele usa uma armadura fechada com um elmo de chifres. O que o diferencia dos outros é um pequeno cordão dourado amarrado em seu chifre esquerdo.

— Certo, deite-se.

Ray vai em direção aos soldados que estão chegando. Eles o veem e o abordam.

— O que faz aqui?

— Fui enviado por Ian Nai para fazer uma busca nas celas para ver se todos tiveram suas respectivas condenações.

Os soldados veem o brasão, olham entre si e abrem caminho para Ray passar. Ele passa por eles e busca Enom. Ray tem uma memória boa e lembra que é o mesmo soldado que falou com ele mais cedo, então anda calmamente pelos corredores e salas sem deixar suspeita de sua busca.

Um bom tempo passa e ele encontra alguns cavaleiros com elmo de chifre, mas nenhum com o cordão dourado. O som de um sino toma o prédio, e alguns soldados correm para a saída.

Alguns param nas janelas, e Ray os segue, abordando um dos soldados.

— O que está acontecendo?

— Um ataque. O sino anuncia um exército se aproximando.

Ray fica pensativo, mas da janela onde ele está não dá para ver além da muralha. Na agitação, Ray vê Enom entrando no prédio e corre para encontrá-lo.

Chegando ao térreo, Ray se aproxima dele, que está junto com um grupo de soldados de elite.

— Cavaleiro, por favor, preciso de sua ajuda.

O cavaleiro não para e continua andando apressado.

— Não tenho tempo para isso, solicite qualquer soldado, os cavaleiros estão sendo solicitados para defender a muralha.

— É muito importante…

— Por favor, não tenho…

— É sobre Giliberta!

O cavaleiro para, e os soldados atrás dele também. Todos se olham, e o cavaleiro ordena:

— Vocês, continuem e avisem à terceira unidade que precisaremos deles nos portões.

Os soldados seguem subindo para os outros andares, e o cavaleiro leva Ray até a entrada da prisão subterrânea. Ao chegar lá, ele fala com o soldado de guarda.

— Precisamos de todos os soldados. Vá, que eu cuidarei daqui.

O soldado corre e deixa-os por um tempo a sós.

— Ela escapou? Ou já está na hora de sua execução?

— Não, precisamos tirá-la daqui.

— Você está louco?

O cavaleiro empurra Ray contra a parede, segura seu pescoço com uma mão e com a outra saca sua espada.

— Quer libertá-la? Você é um traidor?

— Enom! Não! Eu sou aliado…



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