Volume 1

Capítulo 33: Citizen e a Nova Raça

Tarde, 25 de setembro de 1590. Citizen, Torre de Cristal.

Baltazar abre os olhos e se vê na sala de teleporte comum como toda torre em que esteve antes, com alguns soldados preguiçosos sentados, uns dormindo e outros conversando sem ao menos se importarem com a sua chegada.

Ele se aproxima e questiona um soldado próximo.

— Estou em Citizen?

— Sim. E você é…?

— Sou Baltazar. Não foi informado de que eu viria?

— Não somos informados de muita coisa aqui.

— Povo despreocupado. E se fosse um inimigo?

— Você veio aqui para que mesmo?

— Tem alguém no comando?

— Não, ele foi comido há um tempo e estamos esperando alguma posição do Império.

— E até eles enviarem alguém vocês vão fazer o quê?

— Esperar.

— Bando de vagabundos.

Baltazar se altera, demonstrando raiva pela preguiça dos soldados.

— Você é estressado, amigo. Relaxa.

— Relaxar?

— O outro que veio antes de você é mais tranquilo.

— Outro? Quem é esse outro?

— Ele está no grande moinho.

— É Ray?

— Não, ele também perguntou sobre esse Ray… Venha.

Baltazar segue o soldado encarando os outros preguiçosos que fazem pouco caso da situação. Saindo da torre, Baltazar vê que a torre é pequena e simples.

Ao redor, há um grande campo, formando uma fazenda, muitos animais em uma cerca vigiada por algumas mulheres de lança e espada, uma grande plantação de trigo, batata, café, milho, entre outros, alguns homens colhendo trigo, poucas casas, duas torres destruídas ao longe no limite da fazenda e, em destaque, um grande moinho feito de tijolos brancos, com cinco hélices grandes, algumas janelas, uma grande gema no topo recebendo a luz do sol e irradiando uma cor rosada ao redor.

Um pequeno rio entra no moinho por um lado, e do outro sai bifurcado em um sistema de irrigação para a plantação. Até chegar ao moinho, Baltazar também avista uma parte da plantação destruída e algumas rachaduras no moinho com um pouco de sangue. Ele entra no moinho e admira a grandiosidade da engenharia por dentro.

Alguns homens trabalham moendo grãos, outros ensacando, até que um deles chama sua atenção. Ele está dormindo em um monte de feno. Baltazar se aproxima e o chuta, acordando-o.

— Onurb? Acorde!

Onurb acorda assustado e repreende Baltazar.

Que!? Você está louco?! Qual é o seu problema?

— O que está fazendo?

— Pelo que parece, dormindo.

— Onde está Ray?

— Não sei.

— Como assim, não sabe?

Onurb levanta e continua.

— Não sabendo. Ele me teleportou para este fim de mundo e não veio, estava esperando dormindo, precisava de descanso, tivemos complicações em Ducem.

— Também tive em Milites, mas agora está tudo certo por lá.

— Ótimo. E Ducem foi destruída.

— Como?

— Não foi nossa culpa, chegamos e ela já estava em ruínas, foi um massacre, e não tinha nada de valor por lá.

— Sei. E você conseguiu falar com o líder deste lugar?

— Não, cheguei ontem à tarde, ele já tinha sido comido por uma monstruosidade ou algo assim, eles disseram para esperar, e eu estou esperando.

— Bem sua cara.

Aaa. Relaxa…

— Pelo visto você se adaptou a essa “mania” deles, não?

— É claro, eles são ótimos, a comida aqui é boa, não tem nada de valor aqui, mas tem muita paz.

— Paz? A plantação e o moinho não parecem ter tido paz nesses dias.

Ah, sim, deve ser a monstruosidade que falaram.

— Você enrola demais, vamos resolver logo isso, precisamos encontrar Ray.

— Como você pensa mal de mim! Eu tentei ir atrás de Ray, mas esse povo não sabe usar o teleporte, então eu estou preso aqui, ou melhor, nós estamos.

— Impossível! Deve ter alguém que saiba mexer nos cristais.

— Sim, mas foi comido também…

— Que criatura é essa? Comeu mais quantos?

? Nem quero saber, espero não ver esse bicho, mas falaram que destruiu metade da fazenda e atacou o moinho.

— E por que não conseguiu?

Rrrr...Você pergunta muito. Tinha um gordo aqui que explicou todos os detalhes, ache ele, e ele te explicará tudo e até mais, certo?

— É claro, e você vem comigo!

Nah, eu espero você aqui.

— Você já esperou demais, vamos.

Baltazar pega por trás do pescoço de Onurb e o força a sair do moinho com ele. Lá fora, o homem que trouxe Baltazar o segue e comenta:

— Esse cara que ele falou está analisando as torres destruídas.

— Ótimo, pode nos levar?

— Não precisa, é só você ir naquela direção, dá para ver os escombros da torre daqui.

Baltazar olha com desprezo e comenta com Onurb:

— Tem certeza de que você não tem algum parentesco com este lugar?

— Não! E me largue, eu não sou tão preguiçoso assim, só evito coisas desnecessárias.

Onurb se solta de Baltazar, que diz, determinado:

— Sei… Vamos ajudá-los matando a criatura, e até lá devemos ter uma solução para ir atrás de Ray.

— Ajudar é desnecessário…

— Chega. Faremos isso, já decidi! Alguma objeção?

— Objeção? Várias!

Baltazar saca sua espada e coloca no pescoço de Onurb.

— Alguma objeção?

Onurb olha para a lâmina e para a destruição que o monstro fez e provoca Baltazar:

— Várias…

— Desisto… Vamos logo.

Baltazar pega novamente no pescoço de Onurb, que logo se solta e admite:

— Certo, certo, você venceu! Vamos logo, mas se for para escolher eu prefiro morrer rápido por uma espada a agonizar nas entranhas de uma criatura estranha.

— Não vamos morrer… Relaxa.

— Relaxa? Sei… Cínico.

Baltazar ri. Eles andam até a parte destruída da fazenda. Ao chegar, aproximam-se de um homem agachado analisando um tipo de secreção no chão.

É um homem humano de cabelos compridos e azuis, idade entre 30 anos, altura baixa, acima do peso, aparência comum com cavanhaque também azul, vestes leves de caçador com tons para camuflagem, uma faca guardada na perna, um facão guardado na cintura e um arco com aljava em suas costas; o arco é bonito, bem trabalhado, entalhado e com símbolos de algumas cidades das montanhas, mostrando que o homem é bem viajado.

Baltazar se aproxima e começa o diálogo.

— Bom dia, caçador. Se me permite, preciso tirar umas dúvidas com você.

O homem levanta.

— Bom dia. É claro, eu sou Leander, e vocês são…?

— Eu sou Baltazar, e esse você já deve conhecer.

— Desculpe, não conheço nenhum de vocês dois.

— Como? Onurb disse…

Ah? Eu disse que eu o vi falar sobre a criatura, não que eu me apresentei para ele e que conversamos a noite toda, você entendeu errado.

Os três se olham por um tempo, e Leander continua.

— Certo… Você é Baltazar e ele é Onurb, vocês vieram ajudar na captura da criatura?

— Captura? Achei que íamos matar.

— Não, é uma criatura fantástica, precisamos capturá-la e entendê-la.

Onurb boceja e reclama:

— Ótimo! Outro doido… Não sei qual é o pior…

— Para, Onurb… Leander, por que você diz que essa criatura é fantástica? O que é? Um demônio?

— Não, apesar de que seria legal saber se ele pode se transformar em um demônio…

Leander abaixa para ver a gosma novamente e continua a raciocinar em voz alta.

— Mas deve depender da necessidade, cada necessidade é uma forma ou adaptação diferente… Interessante.

Baltazar fica confuso.

— Virar? Adaptação? Do que você está falando?

Onurb tira uma fruta de seu bolso e senta, respondendo a Baltazar.

L-O-U-C-O… Eu disse, deveríamos achar uma forma de sair daqui e o deixar cuidar do bichinho dele. Alguém aqui na cidade deveria saber usar o teleporte.

— Você perguntou para alguém?

— Sim, desde que cheguei ontem até hoje de manhã, mas ninguém sabe.

— Então o jeito é terminar esse assunto da criatura.

Baltazar pega Leander pelo pescoço e o levanta à força.

— Seja claro e fale olhando para mim, caçador.

Onurb se anima e, com a boca cheia de comida, comenta:

Éh. Agora ficou interessante.

Leander acena com a cabeça. Baltazar solta seu pescoço, e ele começa a explicar.

— Em termos fáceis, esse bicho é uma junção de vida natural e magia. Ele tem um porte grande e consegue se transformar em outros bichos. Duas noites atrás, ele atacou o moinho transformado num Mammuthus, e ao ser atacado ele mudou para um grande Pantherinae com presas enormes.

— Estranho, nunca ouvi falar de uma criatura que pode mudar de forma.

— Sim, por isso não podemos matá-lo…

— É claro que precisamos matá-lo, isso é uma abominação, deve ter sido criado para destruição, algo assim nunca foi visto antes, mesmo por magia.

Onurb interrompe falando com a boca cheia de comida.

— Ele pode virar algum bicho pequeno?

— Acredito que não, ele não deve mudar muito de tamanho, mesmo criado por magia, ele respeita um pouco da proporção.

— E que proporção seria essa?

Baltazar interrompe:

— Não interessa o tamanho que ele pode ficar, mas o tamanho do problema que ele pode causar.

Onurb se desanima.

Hmmm... Esta conversa não está produtiva.

Baltazar grava sua espada na frente de Onurb e fala com Leander.

— Faremos assim, é uma criatura perigosa, se ele ameaçar ou ferir alguém, eu vou matá-lo. Até esse momento acontecer, tentaremos capturá-lo, certo?

Leander fica pensativo, mas concorda.

— Certo! Faremos isso, então.

— E você sabe o porquê de ele atacar aqui? Ou de onde ele surgiu?

— Não sei de onde ele surgiu, ele veio e se alimentou de alguns animais e destruiu uma parte da plantação num confronto antigo. Eu cheguei só quando ele atacou o moinho.

Onurb comenta:

— Pelo visto ele não se alimentou só de animais… Mas por que o moinho?

— Acredito que tem algo a ver com a gema na ponta, é uma gema rara e intocada por anos. Ela emana uma aura que ajuda na purificação da água e na plantação, por isso tem tanta variedade crescendo junto. Graças à gema, a plantação não segue a naturalidade normal. Esta cidade é abençoada graças a ela.

— Então essa é a gema Summa?

— Você conhece?

— Ouvi falar sobre essa gema, mas que tem uma história obscura por trás dela.

Baltazar ri e brinca com a situação.

— Não acredito que Onurb conhece a história.

— Do que está rindo, bárbaro, touro velho? Também sei muito desse mundo.

— É claro, uma gema, se tem valor você deve conhecer.

— Vou tomar isso como um elogio.

Leander ri e volta a falar.

— Não tem nada de obscuro, é só um mito, essa gema foi dada por Xarles muito antes de se tornar rei. Esta área era morta e, graças a ele, ficou assim, viva.

— Xarles? Entendo…

Onurb se aproxima da gosma com um copo e pega um pouco.

Aaa... Isso veio da Primus-Mixti?

— Primus-Mixti? Sim, lembro que já li sobre.

— Eu falei que também sei das coisas. Ele deve ter deixado essa gosma aqui para farejar e voltar.

— Sim, bem possível.

— Mas por que o moinho?

— A gema pode afetá-lo de alguma forma.

Baltazar senta no chão e fica pensativo. Leander também senta, e Onurb levanta, alongando-se. Então pergunta para Leander:

— Você diria que ele poderia atacar a qualquer hora do dia?

— Sim.

— Aqui na fazenda tem aquele bicho… Qual é mesmo o nome… Elasmotherium?

— Elasmotherium? Não, esse animal está quase extinto, isso se já não estiver.

— Entendi. Para sua sorte, tem um vindo em nossa direção, e vejo extinção em seus olhos.

Baltazar e Leander viram e veem ao longe um Elasmotherium maior do que o normal.

 

Primus muda de forma, mas mantém suas características, revestido por uma mistura de couro e escamas grossas e acinzentadas, coberto por uma gosma fina e incolor, um olho verde e outro azul. Seus cascos, presas, chifres e pelos são pretos. Estranhamente, não exala cheiro aparente. Seu tamanho é intimidador, ele está em alta velocidade em direção a eles.

Os dois levantam em um salto. Baltazar pega sua espada que estava cravada no chão, Leander saca seu facão e Onurb começa a correr. Baltazar vê Onurb e grita com ele.

 

— Aonde você vai? Volte aqui e nos ajude.

— Vou chamar os guardas! Hahah! aguentem firme!



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