Volume 1

Capítulo 25: Mais um dia de Paz

A manhã chega, e um belo sol entra pela janela, acordando Ray cedo. Ele tenta voltar a dormir, mas Alexia bate à porta.

— Acordem! Vamos tomar café.

Ray pula da cama.

— Vai indo, vou me arrumar e encontro vocês… Onde?

— Na mesma barraca de ontem à noite, ela ainda está ali e tem gente indo lá comer.

— Certo.

— Até já.

Ray vê que Maxmilliam não está na cama dele, então usa o banheiro para sua higiene, banho e roupa limpa, tendo como opção seu uniforme da Ilha da Água. Ao terminar de se arrumar, ele pega sua funda e uma adaga e sai do dormitório.

O dia está belo e tudo está tranquilo. Ray avista a barraca e corre para ela. Ao chegar lá, ele vê que está vazia, só com seus amigos, ainda sonolentos, Anirak, Onurb, Alexia e Baltazar, que como sempre anda com seu enorme machado. Ray estranha e questiona:

— Por que está vazio?

Onurb responde:

— Se foram depois que aquela antipática apareceu, aquela que nos recebeu quando chegamos. Ela disse que estará ocupada com a visita do Império e que era para a gente se virar por conta própria. Uma senhora que estava aqui falou depois que essa mulher é falsa e que já traiu o marido, então já sabe com que tipo estamos lidando.

Anirak comenta:

— Uma velha fofoqueira falando de outra, pelo menos ela trouxe uma jarra daquele chá maravilhoso. Vou comer primeiro e em seguida vou tomá-lo, recomendo a você tomar, Alexia, é muito bom.

— Obrigada, vou tomar um pouco agora.

Ray demonstra preocupação.

— E onde está meu mestre?

Alexia toma o chá e responde:

— Ele veio aqui primeiro, comeu um pouco, depois aquela mulher o chamou para acertar a nossa saída… Nossa! Não gostei do chá, não, Anirak.

— Aquela desqualificada deve ter feito errado, vou experimentar.

Baltazar, comendo uma fruta, fala com Ray:

— Venha, rapaz, coma um pouco, hoje continuaremos viagem, não precisa ficar com essa cara preocupada.

Anirak tenta despreocupá-lo.

— Deve ter algo a ver com a “visita”, mas não se preocupe, já estamos de partida e nem vamos ter contato com o Império.

Ao terminar de falar, Anirak se serve com o chá, e ao sentir o cheiro ela estranha, molha os lábios e suspeita, falando para todos.

— Parem!

— O que foi, Anirak?

— Esse chá tem algo, o que vocês comeram daqui?

Baltazar estranha, mas responde:

— Só comi um pouco daquelas frutas amarelas.

— Bom, eu também comi e não senti nada de estranho, e você, Onurb?

— Só tomei um pouco de suco.

Ray estranha e questiona:

— O que houve?

— O chá está envenenado? Quanto do chá você bebeu, Alexia?

Alexia tenta responder, mas cai inconsciente com a face na mesa, assustando Baltazar, Onurb e Ray, que tentam acordá-la.

— Alexia! Acorde!

Anirak é a única que tenta manter a calma.

— Não adianta, Ray, ela está desacordada…

— Mas ela está morta?

— Não, não é mortal, pelo que senti tem a ver com aquele inseto que você encontrou ontem e que a deixou desacordada por horas.

— Melhor, mas por quê?

Baltazar levanta e empunha seu enorme machado.

— Nos acharam! Vamos matar!

Anirak levanta, se arma com suas adagas e pede:

— Acalmam-se, temos que agir com cautela e entender o que está acontecendo.

Ray se arma com a funda e a adaga e concorda.

— Certo!

Anirak analisa a mesa e comenta, tentando achar o motivo:

— Vamos ver, a única coisa que está alterada é o chá que aquela desgraçada trouxe.

— E por que não envenenar todos nós e matar de vez? — Baltazar questiona.

Onurb responde:

— Pelo jeito não querem nos matar, mas por que só o chá?

Anirak analisa:

— Eu que pedi o chá ontem, ela estava aqui e deve ter pensado como uma forma de me pegar. Infelizmente eu recomendei para Alexia beber… Mesmo assim não explica o porquê de tirar do caminho uma assassina e ainda deixar vocês para enfrentar… De qualquer forma, não conseguiram o que queriam.

Ray fica chocado e, triste, comenta:

— Não… eles conseguiram.

— O quê?

— Neutralizar a preocupação deles.

Onurb levanta também, armando-se com sua adaga, e questiona Ray:

— A Alexia?

— Não, meu mestre.

Todos se assustam. Ray continua:

— Não faz sentido envenenar uma assassina ou até mesmo um ladrão como Onurb, são peritos nessas coisas, para derrubar Baltazar precisaria de muito veneno e tempo, se for julgar pela saúde dele. Ontem Anirak pediu o chá, mas meu mestre também gostou… Você falou que ela estava aqui ontem e deve ter visto isso. Vocês disseram que ele foi junto com aquela mulher verificar os papéis para sairmos daqui, pelo certo teria que ter sido com o dono, e não ela.

Anirak fica preocupada e concorda com Ray.

— Você está certo, mas e agora? Temos que achar Maxmilliam e sair daqui rápido.

Baltazar coloca Alexia nas suas costas, Anirak e Onurb se preparam para o que pode aparecer no caminho, e Ray fica misteriosamente calmo e muito pensativo em um ar sério.

Todos saem da barraca e se deparam com um grupo de soldados do Império nas saídas, arqueiros em todos os lugares altos, e no meio do jardim, duas figuras chamativas, um homem humano, estatura alta, forte, olhos castanhos, cabelos um pouco grisalhos, curtos e lisos, boa aparência, duas cicatrizes no rosto, idade aparente de 50 anos.

Ele usa uma armadura corporal com detalhes dourados. No peitoral da armadura, o relevo de um demônio, capa branca e não usa elmo.

Este homem dá um passo para frente em direção a Ray e inicia a conversa.

— Bom dia, eu sou Ian Nai, general do Império de Cristal.

Anirak se aproxima e, ao ver que os arqueiros se preparam para atacar, recua e questiona:

— Não entendo toda essa hostilidade. Diga, general, o que precisa de nós?

— Por coincidência, cheguei aqui e fui informado que um grupo característico está hospedado, e vim pessoalmente saber as intenções desse grupo.

— E precisa desse grupo para fazer uma pergunta?

O outro homem fica brabo e interfere.

— Como ousa, aurem preta?!

Anirak fica braba, e o homem continua falando, andando em direção a ela, mas para a uma grande distância entre eles.

— Acha que precisamos de exército para cuidar de uma corja como vocês? Um morto de fome, um delinquente, um aprendiz, uma “ótima” caçadora e uma rata que se diz assassina. Aurem são tão belos quando têm seus olhos e pele clara, e você… Pena.

O homem é também humano, pele branca, estatura média, cabelos lisos, pretos e médios, usando um manto preto, um peitoral de prata, um chapéu grande, escuro e de três pontas.

Ele segura um cajado negro cristalizado, olha para Anirak e dá as costas, voltando para o lado de Ian. Fala para seus soldados:

— Baixem a guarda, não importa o que aconteça, não precisam atacar, só barrem a saída deles se caso tentarem fugir.

Todos obedecem. Baltazar coloca Alexia no chão, Onurb se prepara para atacar, Ray fica olhando para tudo e para todos, analisando uma boa forma de agir, e Anirak aponta sua adaga para o homem de preto.

— Questtis Brow? Isso é pra valer?

Ray lembra que se trata do mestre de magia que domina o “medo” na mente de seus inimigos. Questtis se vira e responde à Anirak.

— “Pra valer”? Sim, estou no cargo em que estou por saber cuidar muito bem de qualquer ameaça do Império, mas para poupar seus esforços é melhor se entregarem.

— Por que nos entregaríamos se não fizemos nada?

— Não se exalte, mulher. Se sabe meu nome, sabe do que sou capaz!

Questtis aponta sua mão para Anirak, e ela paralisa, e com pequenos gestos de seus dedos vai fazendo-a ter dor de cabeça e deixando-a atordoada, até que ela se ajoelha de dor com as mãos na cabeça e se esforçando para não gritar.

Onurb corre em direção a Questtis, arremessando três adagas de uma vez. Questtis esquiva das três, mas percebe que Onurb tinha arremessado agulhas junto com as adagas, as quais notou duas em seu pescoço e duas em seu braço, o que o deixa enfurecido.

— Desgraçado!

Onurb passa por Anirak correndo. Questtis segura seu cajado com as duas mãos e, apontando para Onurb, conjura uma onda de energia em grande velocidade, não dando chance para Onurb esquivar.

Ao receber a onda de energia, ele sente como se todos os seus nervos e músculos trincassem, fazendo-o parar de correr.

Todos ouvem som de vidro rachando vindo do corpo de Onurb, que começa a sentir medo, frio, fome, sede, e então começa a tremer, com um olhar fraco e amedrontado. Aos poucos os seus olhos ficam desbotados, como se ele ficasse cego.

Questtis ri alto. Anirak, ainda com dor, olha a situação de Onurb e se entristece. Ray fica chocado, e Baltazar, empunhando seu machado, corre e fala para Ray:

— Vamos, Ray, darei cobertura.

Ray continua parado, e Baltazar corre para pegar Questtis, que olha sorridente para ele e, com ar superior, o ameaça.

— Que lento! Acha mesmo que fará diferença? Se você se aproximar, eu farei o mesmo que fiz com o ladrão.

Baltazar continua correndo e fala:

— Não tenho medo de magia!

— Mas desta deveria ter — Questtis sussurra, rindo. Então fala alto, apontando seu cajado para Baltazar: — Medo!

A onda de energia novamente sai do cajado e atinge Baltazar, fazendo-o parar de correr. Questtis, ainda sorridente, afirma:

— Sofra, guerreiro…

Rapidamente, o olho de Baltazar fica vermelho sangue, as veias de seu corpo saltam, ele urra tão alto, que todos os soldados têm a impressão de ser um trovão no céu. Logo o sorriso de Questtis some, dando lugar a um questionamento.

— O que é isso?

Baltazar volta a correr ainda mais rápido e enfurecido, parecendo matar ao se aproximar. Seus passos parecem uma manada, seu corpo parece que vai explodir, seus olhos diziam “matar”. Ele segura o machado tão forte, que faz a madeira ranger.

Questtis se assusta e arremessa um grande projétil mágico de cor escura, que bate em Baltazar, não causando nenhum efeito, aparentando até que deu mais força para ele continuar correndo. Questtis estremece e com olhar de medo recua poucos passos para trás.

Baltazar se aproxima e eleva seu machado com um único golpe forte e fatal. Questtis fica paralisado frente a isso. Ian avança à frente e, em um sacar rápido, passa por Baltazar como se tivesse atravessado o seu corpo.

O grande e enfurecido guerreiro náutico para, volta ao normal desinchando e relaxando músculos e veias e, bufando, cai, fazendo Questtis recuar para que não caísse em cima dele. Ian guarda sua espada em sua cintura e, com tom sério, fala com Questtis:

— Guerreiro desse porte não tem medo, seja mais atento.

Questtis se recompõe, fica sério e anda em direção a Ian.

— Deveria ter suspeitado, não vai acontecer novamente… Olhe, ainda resta um. Vai atacar também, jovem?

Ray também se recompõe e anda em direção a eles.

Questtis fala mais alto.

— O que fará, “aprendiz”?

Ray se aproxima, com olhar focado em Ian, e fala o mais sério possível, demonstrando despreocupação e controle e mostrando ser inteligente o suficiente para um debate verbal.

— Não sabia que “o Império” agia com tanta impulsividade.

Ian se aproxima e fala para Ray:

— Impulsividade?

— Sim, nos cercando e nos ameaçando sem saber o que viemos fazer ou quem somos.

Questtis ameaça falar, mas Ray o interrompe:

— Informação de uma adúltera e sem amor próprio? Eu não contaria como informação confiável.

Questtis se aproxima com voz ameaçadora.

— Como se atreve?! Questiona minha inteligência e meu poder?

Ray não desfoca de Ian e responde a Questtis sem ao menos olhar para ele.

— Vendo que essa seria a primeira e a última vez que enfrentaria um guerreiro náutico e a retirada sorrateira de um mestre de magia famoso por sua invencibilidade para não ter que perder publicamente… Eu acho que suas ações falam por si só.

Questtis fica brabo e ameaça atacar Ray, que, escondido, segura firme a moeda de libra para se defender. Antes de ser atacado, Ian interrompe com um sinal de mão e fala com Ray:

— Pare! Vejo que você é bem ousado e calculista para ser um simples aprendiz… Se nós agimos com tanta “impulsividade”, prove revelando quem vocês são e o que vieram fazer aqui.

— É claro. Somos um grupo de mercenários andando pelo Grande Continente à procura de fama e riquezas. Se capturaram meu colega, devem ter notado um pergaminho de promessa de pagamentos vindo de Coniuro, isso prova um serviço que fizemos por lá. Ficamos sabendo que o Império sofre com alguns “desordeiros”, antigos prisioneiros de guerra e até mercenários novatos atrapalhando e ameaçando Xarles e seu Império de Cristal. Sabendo disso, viemos para arrumar trabalho, com o poder do Império conseguiríamos mais fama e dinheiro do que qualquer outro lugar.

— Como sabe desses detalhes? Soube até que conseguimos informação da funcionária.

— Desculpe, não trabalho com nomes, mas isso prova o que eu disse, somos profissionais, sabemos de muita coisa, não é à toa que temos classes avançadas conosco, tudo para nos auxiliar.

Questtis fica mais calmo e interrompe:

— Mercenários? Com esse grupo? Acha mesmo que só palavras vão livrar vocês de acusação contra o Império?

— Sim, este grupo é o melhor que se pode achar, por que fazer um grupo com a mesma classe? Se não fosse por um antigo “herói de guerra”, o Império teria grande perda hoje, ganhando mais inimigos do que amigos.

Questtis se irrita, e, antes que falasse, Ray o olha com desprezo e o interrompe:

— Você entendeu o que eu quis dizer! Só quero saber se querem mais provas, se podemos assumir nosso trabalho, ou, se não, temos muitos outros reinos para visitar. Como diz meu ladrão, “tempo é dinheiro” e não estou ganhando nada agora, e, pelo que eu posso ver, vocês também não.

Ian olha para todos os soldados e para Questtis e fala em alto e em bom som:

— Dispensar!

Todos os soldados saem rapidamente, deixando o lugar vazio. Ian segue para a saída, seguido por Questtis. Chegando a uma distância onde Ray não ouviria, Questtis tenta falar com Ian, mas este o encara e sussurra:

— Se eu souber que agimos novamente por uma simples fofoca de uma vagabunda traidora, você irá pagar muito caro, e não ligo quem são seus irmãos se comparar quem eu sou.

Questtis recua com a intimidação, e Ian vira para Ray e grita:

— Te dou uma hora para uma apresentação formal, e falaremos sobre seu novo “trabalho”.

Questtis fala baixo para Ian:

— Vai acreditar no que ele falou?

Ian responde no mesmo tom para Ray não escutar:

— Verdade ou não, eles poderão ajudar, e não temos o que perder.

— Onde o encontro? — Ray questiona Ian.

— No Lago de Ariel, daqui a uma hora.

— E o meu mago?

— Lá falaremos sobre tudo… A propósito, qual é o nome do grupo?

— Grupo?

— Sim! O nome de vocês, “mercenários”.

— É claro, nós somos os Koètuz.



Comentários