Volume 1

Capítulo 23: Caelum e os seus Prazeres

Baltazar chega a Maître d'hôtel, um lugar que parece um enorme casarão feito todo de madeira boa e bem entalhada, grandes janelas, jardim na frente, uma plantação atrás, portas grandes e já abertas.

Ele admira a estrutura e, sentindo cheiro de comida, entra na taverna, um local limpo, muito bem organizado e com poucos clientes. Logo ao entrar, é abordado por uma bela mulher.

— Bom dia! Mesa para um?

Baltazar acha a mulher atraente e responde:

— Sim, mas se você comer comigo é para dois.

— Desculpe, mas não posso. Por favor, me siga.

A mulher leva Baltazar para uma mesa perto da janela. Ele se ajusta, e a mulher lhe entrega uma espécie de livro com poucas páginas, um “cardápio”, e, saindo, informa a Baltazar:

— Quando o senhor decidir o que comer, é só me chamar.

O tempo passa e Baltazar não se manifesta, fica na mesma situação, analisando o cardápio. Mais pessoas aparecem, se acomodam e pedem suas comidas. Mais um tempo passa, saem pessoas e entram outras, mas não chega a encher o lugar.

Depois de mais um tempo, a mulher repara que Baltazar não pediu nada e se aproxima, questionando:

— Senhor? Algum problema?

— Sim, não sei ler o que está escrito aqui.

A mulher fica com um tom brabo.

— E por que não me falou antes? Deve estar morrendo de fome.

— É que não sabia como dizer, eu nunca vim num lugar como este.

— O que o senhor costuma comer?

— Qualquer tipo de carne e pão.

Nessa hora aparecem uns homens robustos e uns com excesso de peso, falando alto.

— Viemos para a batalha, arrumem nossa mesa.

Alguns serviçais do lugar juntam mesas, cadeiras e grandes travessas para colocar comida. Baltazar estranha e questiona a mulher que está falando com ele.

— O que é tudo isso?

— Uma vez a cada lua eles fazem uma disputa de quem consegue comer mais do que os outros. Todos pagam sua própria conta, mas a conta do vencedor é paga pelos perdedores.

— Interessante, como faço para participar?

— Posso anunciar que o senhor gostaria de participar, mas é difícil, já tivemos pessoas que conseguiram comer um porco inteiro.

— Então verá algo do tipo novamente.

Baltazar levanta e vai para a mesa dos participantes. A mulher que estava com ele anuncia:

— Temos um novo participante que quer provar que consegue comer mais do que todos.

Os homens que já estavam sentados reparam a estrutura de Baltazar e comentam:

— Um homem à altura.

Outros brincam e riem.

— Ou bem mais “à altura”.

Baltazar senta junto com eles. Colocam uma travessa em frente de Baltazar, e os outros homens comentam com ele:

— Tem certeza? A conta do primeiro sempre fica cara, quem não tem costume perde.

— Não se preocupem, estou com bastante fome, acho que vou comer bem agora.

— Então, que tragam a comida!

Juntaram cinco mesas de tamanho comum. Contando com Baltazar, havia dez homens participando. As empregadas chegam e servem as travessas, colocando grande quantidade de carne igual para todos, uma grande caneca onde eles podem se servir com água, suco ou vinho.

Ninguém pega bebida inicialmente, todos comem o que há em suas travessas e vão para a segunda rodada, outro tipo de carne com molho. Alguns já demonstram cansaço e bebem água, outros optam por vinho.

Na terceira, é colocado em todas as travessas um porco de tamanho médio assado com alguns legumes ao redor. Alguns desistem. Comendo o porco assado, Baltazar já opta por uma caneca de água para dar uma sensação melhor para continuar comendo. Alguns bebem água também e outros desistem na metade do porco, e o restante no final.

Para o quarto prato, ficam só dois homens e Baltazar. Nessa hora, toda a taverna já está com toda a atenção na disputa. Um dos homens finalistas cumprimenta Baltazar.

— Parabéns, realmente você chegou longe. Qual é seu nome, nobre amante da comida?

— Eu sou Baltazar.

Os outros que tinham desistido começam a falar o nome de Baltazar, dando-lhe moral, outros se retiram para vomitar pelo mal-estar de comer muito e rápido.

Outro homem comenta alto para todos ouvirem:

— Vamos torcer pelo novo no ramo, Baltazar!

As empregadas trazem mais comida, um tipo de caldo preto cheio de semente escura e pedaços de carne e gordura. Nessa última rodada, elas servem uma quantidade moderada.

Demorando um pouco, Baltazar e os outros dois terminam de comer, demonstrando muito cansaço e estufamento. Novamente são servidos com outra porção do caldo.

Um desiste, e o outro que ficou contra Baltazar se apresenta enquanto servem mais caldo.

— Eu sou Marrival, já ganhei algumas vezes e fico honrado de disputar com alguém como você, Baltazar.

— Obrigado. Estou achando fascinante essa “batalha” que vocês fazem.

— Na próxima semana teremos uma de bebidas, e você está convidado.

— Seria ótimo, mas terei que partir antes disso… Obrigado por me chamar.

Nessa última porção, os dois comem demonstrando enjoo e muito mais cansaço, até que empatam no meio do prato.

As empregadas chegam e analisam um empate, pois comeram o mesmo tanto. Os dois se olham e riem, e Marrival fala para os outros que observam:

— Vocês desmotivaram? Ajudem Baltazar!

Alguns animam em chamar “Baltazar” como um grito de guerra, dando-lhe força e ânimo. Mesmo todos empanturrados de comida, Marrival comenta com Baltazar:

— Estou cansado, não vou conseguir comer mais, se você tomar mais uma colher do caldo você ganha, vai em frente, o povo gosta de novos ganhadores.

Baltazar toma mais uma colher do caldo, levanta urrando para todos como vencedor, e todos vibram. Baltazar senta de novo, de tanta comida e cansaço.

Mais pessoas entram pela movimentação feita, a taverna enche e todos comem e admiram os participantes, que se reúnem novamente para conversar e esperar a digestão.

 

Onurb chega ao Lupanar, um casarão com aspectos de um templo com grandes pilares, jardim com plantas exóticas e longe de outras construções, como se fosse isolado de Caelum. Ao entrar, é bem recebido por uma bela mulher com uma voz sensual.

— Boa tarde, veio se divertir?

Onurb a mede de cima a baixo, sorri e, com um olhar penetrante, fala:

Hmmm, é claro! O que eu mais quero é diversão.

— Então está no lugar certo, siga-me.

Onurb entra mais a fundo no casarão. Todas as janelas estão com as cortinas fechadas, o que deixa o ambiente em meia-luz, há alguns candelabros e tochas para iluminar melhor alguns pontos. Está tocando música instrumental, há várias mesas, palco, muitas mulheres andando e dançando, alguns homens sentados bebendo, alguns guerreiros do Império nos cantos e nas paredes observando e guardando o local e um bar.

Onurb é guiado até uma mesa perto do palco, onde senta, e a mulher o questiona:

— Você tem algum limite para “diversão”?

Maravilhado pelo local e pelas belas mulheres dançando, Onurb responde:

Nãooo, com certeza não.

— Nossos serviços podem ser caros, mas garanto muita qualidade.

Tão entretido, Onurb não ouve o que a mulher fala e só concorda com a cabeça, olhando para as dançarinas que dançavam com muita sensualidade e com pouca roupa.

Logo em uma troca de dançarinas e estilo de dança, Onurb é servido por uma bebida estranha, mas deliciosa, contendo álcool, suco de algumas frutas, essência de plantas e algum líquido com propriedade mágica. Novas mulheres chegam dançando e, além de dançarem no palco, elas dançavam ao lado das mesas dos clientes.

A mesma mulher que falou com ele se aproxima e o questiona:

— Gostaria de mais bebida?

— Sim.

— Gostaria de uma diversão mais reservada?

— Sério?

— Sim, qual tipo de diversão lhe agrada mais?

— Qual tipo vocês têm e o que são mais acostumadas a fazer?

— Temos uma especialidade na nossa “masmorra”.

Masmorra? Interessante.

— Você gosta de algo que envolva “agressãooo”?

Agressãooo?

— Sim, mas pode ser de leve. Se não quiser, temos outras modalidades.

Onurb fica curioso em fazer uma brincadeira “diferente” e mais radical com uma mulher e concorda com ela.

— Pode ser esse aí, como funciona?

— O senhor pode me seguir?

— Sim.

A mulher guia Onurb pelo lugar. Passam por várias mulheres, mesas e chegam a alguns corredores. Depois de passar por várias portas, ela para em um grande portão que parece a entrada de um calabouço, todo de ferro e pouco iluminado por tochas. Ao entrar, a mulher questiona:

— O senhor gosta que atue?

— Atuar? Pode ser interessante, pode ser.

— E o senhor quer ser o “bonzinho” ou o “mauzinho” da história?

Onurb para para pensar, e aparecem três mulheres com corpos esbeltos, mas de feições não tão belas. Mesmo assim, elas chamam muita atenção, vestindo roupas curtas e de couro. A mulher que o guiou lhe informa:

— O senhor pode escolher qual delas vai ser a dominadora.

— Dominadora? Isso soou legal, não podem ser as três?

— É claro, se assim deseja… Meninas, aqui está! Perdoe-me, mas o senhor não respondeu que tipo de atuação deseja.

— Certo, eu quero ser o “mauzinho”.

— Certo! Meninas, ensinem para ele como é ser submisso.

— Submisso? Elas não vão me servir?

— Sim, é claro, elas vão.

— Entendi, mas é só atuação, certo?

— O senhor é engraçado. Vou deixar vocês se divertirem.

A mulher sai e tranca a porta. Onurb fica desconfiado e até demonstra desânimo, questionando as mulheres que estão com ele:

— Não me entendam mal, mas seria melhor algo “normal”, não acham?

As mulheres demonstram sensualidade e se aproximam de Onurb. Com olhar penetrante, uma delas fala:

— Não, não… O senhor queria diversão, então vai ter diversão. Somos especialistas, não se preocupe, você nunca mais vai esquecer-se deste dia.

— É que eu não pensei muito bem, eu acho.

Elas começam a passar a mão em Onurb, e outra fala:

— Você é um “menino mau”, não é?

Onurb se anima um pouco e responde:

— Sim, bem malvado.

— Ótimo!

As três agarram Onurb com força, torcendo os braços dele para trás e deixando-o sem ação e confuso.

— O que vocês estão fazendo?

— Dando uma lição no menino mau.

— Achei que fosse algo leve, mas vocês estão quase quebrando meus braços…

— Para de choramingar!

Elas levam Onurb para uma mesa com correntes no que parece ser uma sala de tortura, e, mesmo relutando, Onurb não consegue se soltar, pois elas pegam em pontos fracos e são mais fortes do que aparentam. Depois de acorrentado, ele tenta reverter a situação.

— Tudo isso é um mal-entendido.

Antes que continuasse, uma das mulheres bate nele, uma bofetada no rosto, e grita com um olhar agressivo:

— Calado!

— Nossa, como dói!

Novamente outra bofetada na cara. A outra mulher comenta:

— Achamos mais um que gosta de apanhar bastante.

Onurb fica agitado e brabo.

— Mas como alguém pode gostar disso?

— Não aprendeu a calar a boca?

Outra bofetada. Duas das mulheres pegam um tipo de chicote pequeno, e a outra começa a tirar a roupa de Onurb, cortando-a com uma faca bem afiada. Ele fica com medo e implora:

— Por favor, não façam o que forem fazer, eu imploro, nunca imaginei que ia pedir isso para uma mulher.

— Olhem, meninas, o “menino mau” já está ficando bonzinho.

— Isso, isso, eu estou ficando bonzinho, então vamos parar por aqui, o que vocês acham?

— Eu acho que ele está pedindo por umas chibatadas.

Onurb fica indignado e grita com elas.

— O quê?! Vocês são doentes? Como chegaram a essa conclusão?

Elas começam a bater nos braços e nas pernas de Onurb, que estão presas por correntes. Uma delas lhe responde:

— Ora, vocês homens que gostam desse tipo de coisa pagam muito bem por isso, não é, safadinho?

Ainda apanhando, Onurb estranha.

— Não sou esse tipo de… Pagar? Vou ter que pagar para levar surra?

As três param e o questionam:

— Sim, você achou que fosse de graça?

— É claro! Eu lindo tendo que pagar por… Agora eu entendi! Vocês são do clã das lobas!

— O que você achou que um Lupanar fosse?

— Um lugar com mulheres fáceis…

— Então você não tem dinheiro?

— Não.

Elas deixam a atuação de lado e realmente ficam brabas.

— Que idiota! Vamos ver com a chefa para ver o que vamos fazer com ele agora, na última vez levamos bronca por liberar um charlatão desses.

— E o que era para terem feito com o outro cara?

— Matado!

Onurb se espanta e tenta reverter a situação.

— Cadê o chicote? Volta a me bater, é bem melhor, eu aguento!

— Não dê satisfação a ele, vamos ver onde esconderemos o corpo e acabar com isso.

As mulheres saem, deixando Onurb sozinho só com a roupa de baixo e a camisa cortada. O resto das vestes foi picotado enquanto ele falava que não tinha dinheiro.

Onurb usa sua boa flexibilidade e consegue pegar algum tipo de ferro pequeno. Tenta abrir a fechadura que está prendendo as correntes de suas mãos muitas vezes, mas não consegue.

— Por que eu tive que beber tanto? Se eu não tivesse bebido, já estaria solto, ou nem estaria nesta situação.

Depois de muito sacrifício, ele consegue soltar as mãos e rapidamente os pés. Livre, ele corre para o corredor. No caminho, anda furtivo e com medo de ser encontrado pelas lobas.

Aproximando-se do salão principal, ele vê as três mulheres voltando com uma mulher mais velha.

Assustado, Onurb entra em um quarto que está com a porta aberta e a fecha. Ele as ouve passar e em seguida corre para a saída, mas antes é barrado pela mulher que o atendeu.

— Mas já terminou?

— Verdade, eu termino rápido, sabe como é.

— Sei… O senhor não vai querer mais nada?

— Não, muito obrigado, foi um prazer… Amanhã eu volto.

— Ótimo… O senhor pode pagar o que bebeu e o que usou na…

— Eu paguei para as mulheres, tem algum problema?

— Sim! Elas não têm permissão para receber, o senhor aguarde um pouco para eu resolver esse problema.

— Desculpe, mas…

— Eu vou ter que insistir!

— Por quê?

— E suas roupas? Um momento…

Uns guerreiros se aproximam, e ela continua:

— Você está fugindo sem pagar?

— Não, não, olhe! Estou marcado e minhas roupas estão sujas da diversão.

— Certo… Espere aqui!

A mulher sai à procura das mulheres na sala em que Onurb foi acorrentado. Com os guerreiros vigiando a saída, Onurb procura a escada para outro andar. Achando-a, ele sobe ao segundo andar que dá visão para o salão principal. Onurb é questionado por outra mulher.

— O senhor tem passagem para o camarote?

— O quê? Camarote?

— Sim, tem que pagar para ter acesso.

— Tudo aqui tem que pagar! Pelos céus e oceanos! É pior do que arranjar mulher em campo de batalha!

A mulher estranha e, olhando para Onurb, pensa em chamar os guardas. Antes disso, ele percebe e pede desculpas.

— Desculpa, é que eu bebi muito e estou um pouco alterado, mas não se preocupe, eu só vim verificar se minhas roupas ficaram aqui em cima.

— Certo, e qual é o seu nome? Para eu confirmar para ela que o senhor utilizou nosso espaço.

— Sim, é só falar que o Seuku Naodoe utilizou o espaço. Agora, se deixe…

Olhando pelo corredor, Onurb percebe alguns quartos com a porta aberta e a luz forte do sol, ele corre e entra em um, fecha a porta e corre para a janela, onde se certifica de que não há ninguém olhando.

Escala até chegar ao chão e corre para seu dormitório, dando a volta para não passar pela entrada do Lupanar. Suas habilidades de furtividade nunca foram tão bem utilizadas, ele usou pontos cegos da visão de quem está passando e camuflagem, usando elementos que pegou no jardim que rodeia o Lupanar.



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