Volume 1

Capítulo 11: Alfor

Manhã, 17 de setembro de 1590. Coniuro, Bad Hotel.

Ray acorda renovado e, ainda na cama, observa o quarto com o sol entrando pela janela.

No dia anterior, ele entrou às pressas e cansado, não deu tempo de ver o quarto, que é luxuoso, grande, com móveis aparentemente novos, cama confortável, banheiro limpo e a janela que possui vista para o centro de Coniuro.

Ray fica um pouco na cama, lembrando-se do dia anterior.

— Nem início uma missão e já aparecem tantas coisas…

O garoto se levanta, utiliza o banheiro para necessidades básicas e em seguida vai admirar a vista da janela, sem nenhuma novidade, pessoas indo e vindo, pessoas comuns, de alto nível social, entre outras.

Ray dá mais uma espreguiçada, esticando os braços, um grande bocejo e se joga novamente na cama. Olhando para o teto, lembra:

— Nossa, preciso ver se já está na hora de ir… Não posso demorar muito.

Levanta, corre para a banheira, toma um banho, troca de roupa e em seguida sai em direção ao salão do hotel para comer.

Chegando, repara que está vazio, e há restos de comida nas mesas, mas mesmo assim come as frutas que sobraram nas cestas e toma o fim do leite frio de uma jarra.

— Finalmente acordou.

Ray vê Maxmilliam com traje mais comum, como de um aldeão, sem panos longos e mantos de costume, mas com seu cajado em mãos.

Aproximando-se, Ray o cumprimenta:

— Bom dia!

— Você quer dizer “boa tarde”?

— Como assim? Acordei tão tarde assim?

— Sim, dá para ver que ninguém mais está tomando café da manhã.

— Percebi, mas…

— Mas nada! Perdemos uma embarcação já.

— Vamos ir de barco novamente?

— Sim, conversei com Nycollas e, pelo que ele me informou, perderemos muito tempo indo a pé ou a cavalo. E precisamos ajudá-lo num forte que fica a três dias de barco.

— Ajudar como?

— Parece que tem alguns refugiados. Mas não se preocupe, vamos fazer só presença formal junto com um dos conselheiros de Nycollas que irá conosco, no caminho te explicarei melhor.

— Certo.

— Então pegue suas coisas e vamos.

Maxmilliam sai do salão em direção à saída e ao porto. Ray termina de comer e vai para seu quarto, arruma seus pertences na mochila, desce para a recepção do hotel e entrega a chave do quarto para quem está na recepção.

— Obrigada por usar Bad Hotel.

— Por nada.

Ray sorri para a moça e sai do hotel.

É um belo dia de sol, céu azul, poucas nuvens, alguns pássaros voando e cantando, pessoas conversando, andando, cheiro gostoso de comida, pão fresco e chá saindo dos estabelecimentos ao redor.

A grande estátua de Alfor chama atenção de quem passa, Ray repara que muitas pessoas passam por ela e a olham admiradas, comentando umas com as outras:

— Grande guerreiro…

— Esse foi Alfor!

Os comentários chamam atenção de Ray, que, suspeitando que haja muita coisa sobre esse “grande guerreiro” que não está registrada na história, dá uma última olhada na estátua e sai do centro da cidade em direção ao porto.

No caminho, vai relembrando o dia anterior, o encontro com a assassina, o ladrão, o guerreiro e até o clã dos ladrões, e se pergunta:

— O que será que encontrarei a mais nesta minha aventura? Minha missão… Estudei e treinei tanto, mas quanto mais tempo me aprofundo na aventura, mais eu vejo que estou inexperiente.

Ray continua em direção ao porto apreciando o lindo dia e ficando mais otimista com seus pensamentos.

— Tenho meu mestre para me ajudar e me guiar. Se esta aventura pode me trazer mais conhecimentos do mundo e de luta, será ótimo, pois posso ajudar os outros, como meus pais um dia fizeram, então estou indo no caminho certo, e assim farei.

Chegando a uma conclusão de “sucesso”, Ray chega ao porto, que está muito movimentado e agitado por pessoas e funcionários. O garoto estranha a situação e procura rápido por Maxmilliam, e o vê terminando de falar com um capitão de um pequeno barco ao longe.

— Certo! Obrigado, capitão.

— Mestre?

— Ray? Está pronto para irmos?

— Sim, mas o que está acontecendo aqui?

— Atrasos, tanto de passageiros como de barcos que ainda não voltaram de seus destinos.

— Vamos neste barco?

— Não, usaremos o último barco daquela direção.

Maxmilliam aponta para uma grande embarcação ao longe. Para chegar a ela, seria preciso passar por uma multidão de pessoas.

— Segue por essa direção e vai se acomodando no barco, que já estarei a caminho, só estou aguardando os pergaminhos do rei para que possamos passar sem incômodo pelo Império de Cristal.

— Certo.

Ray segue por onde Maxmilliam o orientou, passa por muitas pessoas, que reclamam dos atrasos e da má organização do porto.

Com as conversas alheias entre tripulações e cidadãos, Ray consegue analisar que o problema teve origem no local dos refugiados, perto da cidade Militis, que está sob o poder do Império de Cristal.

Pelo que Maxmilliam falou, a confusão está no destino de Ray, onde o rei pediu para ajudar. Passando por algumas brigas no porto por causa de barcos que não irão sair e por outros que ainda não chegaram, o garoto se aproxima do barco que o levará para o próximo passo de sua aventura e se surpreende por avistar na rampa de embarque três personagens conhecidos.

— Baltazar? Anirak? E até você… Onurb?

Anirak e Onurb estão usando roupas comuns, sem armadura ou arma aparente, cada um com sua respectiva bolsa e mochila para viajarem.

Baltazar está com o mesmo tipo de vestes, mas com armadura de metal, couro e pelos de animais ferozes.

Ele também está com sua mochila, machadinhas, espada e o enorme machado. Onurb responde para Ray, olhando-o com desânimo:

— Estou mais surpreso do que você, acredite.

Baltazar, mais animado, diz:

— Eu estava à procura de aventura e nunca conheci o centro do Grande Continente.

Anirak cruza os braços e, sem demonstrar qualquer tipo de emoção, revela:

— Eu vim por ofício.

Ray demonstra estar feliz por saber que eles o acompanharão em sua aventura.

— Ótimo! Mas vamos embarcar, e no caminho vamos nos conhecendo melhor.

Todos sobem no barco. Ray se preocupa:

— Esqueci: com tantos problemas, será que não terá confusão em vocês virem ocupando o lugar de alguém?

Todos param, mas Anirak despreocupa Ray:

— Temos passagens para este barco, não vamos tomar o lugar de ninguém.

— Vocês não roubaram, não?

Ray olha para Onurb, que, percebendo a sua suspeita, fica brabo e logo responde:

— Não! Anirak é da guarda de Nycollas, ela tem fácil acesso burocrático.

— Muito bom.

Onurb fala, desapontado:

— Bom é você pensar que, entre um matador de feras e uma assassina, eu seja um ladrão de “passagens”.

Ray ri:

— Como sabe da história de Baltazar?

— Você demorou muito, e nesse tempo vago ele fez “questão” de contar.

— Bom que vocês não ficaram entediados.

— Como não? Não entendeu o que eu acabei de falar?

Onurb balança a cabeça mostrando desapontamento. Anirak sorri, mas dá as costas para eles e se dirige à popa do barco. Baltazar não entende o sarcasmo de Onurb e vai para o outro lado do barco. Ray tenta descobrir por que Onurb está desanimado.

— Por que você resolveu vir?

— Meu mestre me falou que seria muito importante.

— Pois…?

— Pois ele é um velho chato, com ideias chatas, e preciso manter minha palavra em ajudar você, já que você me trouxe a joia.

— Não me lembro de ter entregado a joia.

— Sim, porque roubamos de você… Roubamos não, você já iria nos entregar mesmo.

— Verdade… Mas tente ter mais ânimo, a aventura será boa.

— Me diga… confia tanto em três desconhecidos para ir com você?

— Sim…

— Assim, do nada? Você é louco? Ingênuo?

— Sinto que eu tenho um dom em sentir a verdade nas pessoas, como Aquarium, entendeu?

— Entendi… Você é louco mesmo.

Onurb bate no ombro de Ray, acena um “sim” com a cabeça e vai para a popa do barco, perto de Anirak. Ray fica na rampa de embarque e observa o barco. Este é maior do que o que o trouxe para Coniuro, deserto de pessoas, grande espaço no convés; mesmo sendo grande, o barco possui poucas velas.

Ray entra para verificar o espaço interno e nota que há poucos quartos, uma grande cozinha, mesas para comer. Ele analisa tudo. É um barco para trajetos curtos. Ele aproveita e deixa suas coisas em um quarto.

Volta para o convés e vê Anirak sentada no começo da escada que dá acesso à cabine superior, Onurb em pé encostado na parede perto de Anirak, e Baltazar no alto da cabine, no lugar do capitão e no leme avistando os barcos do porto e o horizonte.

Em seguida, Ray é chamado na rampa por um grupo comum de homens e mulheres.

— Onde está Ray?

— Estou aqui! Posso ajudá-los?

— Pelo contrário, somos a tripulação, para cuidar da cozinha, velas, entre outros afazeres.

— Ótimo, por favor, podem embarcar. Vocês estão em quantos?

— Estamos em quinze, mas sete irão fazer o trajeto, os outros só ficarão para ajudar a deixar o barco pronto para velejarem, descerão quando estiver pronto.

— Entendi, podem ficar à vontade, e já agradeço a ajuda de vocês.

— Certo! Pessoal? Vamos! Todos aos seus postos, que já estamos atrasados.

O grupo se espalha pelo barco, arrumando os pontos importantes, limpeza, comida, manutenção, verificação de leme e as velas, para que não haja interrupções no trajeto que irão fazer. Baltazar, Onurb e Anirak dão espaço para a tripulação e ficam mais ao centro do convés, para não os atrapalhar.

Ray fica no começo da rampa para observar a multidão no porto, que está mais calma, e aproveita para ver se Maxmilliam já está chegando.

— Este barco é perfeito!

Ray escuta um homem que aparece no começo da rampa, analisando o barco. Um homem branco de estatura baixa, barbudo, com excesso de peso, um grande martelo de guerra nas costas e uma armadura pesada cobrindo todo o corpo, mas sem capacete.

— Este barco é perfeito mesmo… Você aí, garoto, trabalha aqui?

— Não. Me desculpe, mas quem é o senhor?

— Eu sou Orion, e não tenho tempo para conversas, rapaz, preciso de uma embarcação o mais breve possível.

Ray o observa e se certifica de que se trata de um dionamuh-P, ou parva, e, pelo emblema em seu martelo e a capa do livro amarrado em sua cintura, revela ser um guerreiro da fé, pois o emblema representa o mundo e a relíquia que foi feita para salvá-lo.

Preocupando-se com a quantidade de pessoas que o barco consegue acomodar, Ray tenta descobrir se o guerreiro é um passageiro ou um clandestino.

— Eu entendo sua pressa, mas este barco já está com lugares esgotados, a não ser que o senhor tenha passagem…

— Passagem? Vou lhe mostrar minha passagem!

Orion rapidamente tira o martelo das costas e mira em Ray, que se esquiva dando um pulo para trás. Como está desarmado, o garoto fica sem reação. Orion, nervoso, fala:

— Eu sou Orion e não serei barrado por um menino.

Ao terminar de falar, Orion gira seu martelo, que brilha, e, segurando-o com as duas mãos, ataca Ray no tronco. Ray esquiva novamente, mas perde o equilíbrio e cai no chão.

Em seguida, Orion salta mirando na cabeça. Ray tenta se esquivar rolando para o lado, e o martelo bate quebrando a madeira no chão.

O garoto continua rolando, e Orion atacando da mesma forma. No segundo erro, Orion prevê para onde Ray vai rolar e salta para acertá-lo. Antes que atingisse Ray, o martelo é aparado por um enorme machado.

— Sou Baltazar, e sua passagem não é válida aqui!

Ainda em atrito com o martelo, Baltazar empurra Orion com facilidade para trás. Orion para na rampa, tenta mirar nas pernas e na cintura de Baltazar, que com o enorme machado apara os golpes.

Com a força dos dois, as armas fazem grande barulho de metal se colidindo. Ray e Anirak só observam, e Onurb comenta:

— Bom, um pouco de ação.

Orion e Baltazar não mudavam de posição e nem alternavam a briga, era só arma contra arma, força contra força. Orion consegue firmar os pés no chão e agora não é mais empurrado por Baltazar. Os dois batalham sem hesitar, cada vez mais forte. Os urros e o barulho das armas se batendo chamavam atenção de todos por perto.

Com a briga equilibrada, Orion recua, retira o livro da sua cintura, encanta seu martelo, encosta o livro nele, e o martelo ganha peso e resistência. Baltazar continua com os ataques. Orion contra-ataca e consegue empurrar Baltazar para trás. Com o atrito das armas, o barco dá uma balançada, e os dois acabam se afastando mais.

Com o barco estabilizado, Baltazar, com um gesto intimidador, passa a lâmina do seu machado no rosto, como se estivesse afiando-o. Orion fica brabo e corre para atacá-lo com seu martelo, como um gancho de baixo para cima.

Baltazar balanceia seu machado, o gira e com um grande urro ataca Orion de cima para baixo, como se fosse cortá-lo ao meio. As armas se colidem em um grande estrondo de metal.

O enorme machado de Baltazar trinca em uma parte, enquanto o martelo quebra em vários pedaços, deixando só o cabo na mão de Orion, que com o impacto é empurrado para trás.

Ray fica impressionado, Anirak não demonstra expressão, e Onurb comenta:

— Eu poderia ter ajudado, Ray, comigo teria sido mais impressionante.

Anirak responde, ainda focada na luta:

— Sim, você teria apanhado muito, seria uma comédia interessante.

— E ainda dizem que você é ruim. Não… você é podre.

Orion fica sem ação e aterrorizado com a situação. Baltazar o intimida mais:

— Ótimo, agora vou afiar meu machado no seu crânio.

Ray intervém:

— Calma, podemos parar por aqui, o porto já está com muita confusão.

Alguns guardas de Coniuro sobem no barco e levam Orion, que fica calado o tempo todo, para fora do barco e do porto. Todos que olhavam a luta voltam aos seus afazeres. Ray se aproxima de Baltazar, que se acalma, e agradece:

— Obrigado, sorte que você já estava armado.

— Não é sorte, até quando eu durmo meu machado está comigo, sempre ando prevenido.

— Legal… Se eu não interrompesse, você iria continuar a luta?

— Não, só fiz aquilo para intimidá-lo, para que saísse daqui. Não se preocupe, Ray.

Os dois andam em direção a Onurb e Anirak, e Ray continua a conversa:

— Só fico com a minha funda, é sempre bom andarmos prevenidos.

Onurb responde:

— E quem disse que eu não ando prevenido? Vou te mostrar como se faz sem gastar esforços com o próximo que aparecer.

Baltazar sorri e, analisando o dano do seu machado, vai para o canto do barco. Anirak fecha os olhos como em um gesto de tédio. Ray volta em direção à rampa. Maxmilliam aparece na rampa e estranha a presença de Baltazar, Anirak e Onurb.

— Clandestinos?

Antes que Ray falasse algo, Onurb saca uma adaga e a arremessa, atacando Maxmilliam, que com seu cajado rebate a adaga com magia, fazendo-a voltar para Onurb com maior velocidade do que quando foi arremessada.

Onurb fica surpreso, pois não esperava magia no contra-ataque, e, antes de ser atingido, Anirak quebra a adaga no ar com uma de suas adagas de serra e em seguida assume uma posição de luta. Baltazar segue empunhando o machado, e Onurb saca outra adaga.

PAREM!



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