Volume 1

Capítulo 07: O “Touro”

Ray se depara em um pequeno porto com outros barcos embarcando e desembarcando. Ao olhar para a cidade, ele a admira. Coniuro possui muitas casas de diversos tamanhos feitas de tijolos e madeira, tamanhos que dividem a população em classes sociais, quanto maior a casa, mais reputação e dinheiro a pessoa possui.

As ruas também são feitas de tijolos e algumas só de terra. Na região central, há uma grande quantidade de comerciantes variados, como armeiros, ferreiros, joalheiros, alquimistas. Em sua extremidade, a cidade dispõe de grandes muros e torres de vigia.

Enquanto Ray admira a cidade, ele e Maxmilliam caminham em direção ao centro dela. Ele avista pessoas pacíficas com suas rotinas comuns, mulheres, crianças, homens e idosos vivendo normalmente, ruas limpas e bem construídas, realmente uma cidade linda e limpa.

Ao chegarem ao centro, Maxmilliam informa a Ray, apontando para uma grande construção:

— Aquele é o lugar que lhe falei.

— O hotel?

— Sim, já estão disponíveis dois quartos para nós, e dessa vez maiores e com bom espaço e banheiro próprio.

Maxmilliam demonstra satisfação por saber que vai dormir em um quarto confortável. Ray ri e, com satisfação, concorda.

— Verdade, mas acho que estamos mal-acostumados.

— Está quase na hora da minha reunião com Nycollas.

— Nycollas Sapidum, o rei? Essa reunião vai demorar muito?

— Sim e sim… Eu vou ter que ouvir alguns termos e tratados das cidades e do império, me atualizar com algumas informações necessárias, informá-lo melhor da nossa missão e a melhor forma de como agir no Império de Cristal.

— Entendi, mas enquanto isso eu faço o quê?

— De novo com essa pergunta? Explore um pouco, a cidade é bela.

— Até agora não vi nenhum guarda e você quer que eu ande por aí?

— A cidade tem guerreiros, mas poucos, eles estão focados na região do comércio, por isso tenha cuidado, esta cidade é famosa por haver muitos ladrões.

— Sim, mas…

— E não saia da cidade, eu não quero ter que procurar você por aí.

Ray se expressa com sarcasmo.

— Minha aventura fica cada vez mais emocionante.

— Está no começo, quem sabe você faz uns amigos, assim se distrai.

— Sim, vou andar e ver por aí.

— Seja otimista. Nos vemos ao cair da noite aqui na praça ou na recepção do hotel.

— Entendido, mestre.

Maxmilliam vai em direção ao castelo da cidade, deixando Ray na praça. Ele senta em um dos bancos e observa a grande praça rodeada de comércio, cheia de pessoas indo para todos os lados. A praça dá acesso a cinco ruas diferentes.

No centro dela, há uma estátua que chama atenção de Ray, que pega em sua mochila o diário e procura algo que já tinha visto antes. Depois de alguns instantes, acha dados de um antigo Praeteritum:

 

Nome: Alfor Sapidum

Reputação: Homem de Ouro

Raça: Humano

Vestis: Armadura corporal com detalhes de ouro e um manto branco

Armas: Duas espadas longas com detalhes dourados

História: Morreu depois da Guerra D.

 

Ray estudou sobre esse herói e já tinha visto essa estátua quando pequeno, mas agora, por saber mais da história, fica mais admirado. A estátua é uma homenagem a esse homem que lutou na guerra. Ray admira o monumento, guarda o diário e treina sua aptidão na cidade, analisando as pessoas e identificando classe social, ofício, raça, entre outros pontos que notou no trajeto, como pequenos furtos, galanteios e até fofocas.

Ele fica fascinado com o talento que está desenvolvendo e deseja treinar em outro lugar. Olha comércio a comércio até achar uma taverna que resolve explorar, pois há mais diversidade de pessoas.

Dentro da taverna, ele se depara com mesas cheias, música estranha, alguns bêbados brigando, velhas discutindo e nenhuma mesa vaga. Decide encostar-se a um canto e observar. A situação era sempre a mesma, até que teve uma pequena diminuição de clientes e sobram alguns bancos vazios no balcão.

Ray se aproxima. Avista um homem que se destaca entre os outros. Na primeira impressão, parece ser um grande guerreiro. Decide sentar-se ao seu lado para testar sua aptidão. Coloca sua mochila entre as pernas, cruza os braços sobre o balcão e observa sorrateiramente.

Ao seu lado está um homem de pele bronzeada, cabelos pretos, longos, crespos e trançados, podendo se ver o couro cabeludo, olhos escuros sob um par de sobrancelhas grossas, ombros largos, alto, forte, vestindo uma armadura feita com pouco metal e muito couro de animal com destaque de couro e pelos de um touro nas costas e no ombro esquerdo, formando uma ombreira com pequenos espinhos.

A roupa deixa à mostra seus braços e pernas fortes e com algumas cicatrizes. Ele usa grandes botas de pele de urso. Em sua cintura, três machadinhas amarradas, ao seu lado uma bolsa grande com uma enorme espada à mostra e entre suas pernas um enorme machado.

Com suas mãos pesadas, o homem come um frango assado como um animal e bebe água em uma grande caneca. Ao ver o modo como ele come, Ray não consegue disfarçar seu olhar e é abordado pelo homem com a boca cheia de frango.

— Se fosse alguns anos atrás, eu quebraria seus ossos como estou fazendo com este frango só por me encarar.

Ray se espanta, mas responde espontaneamente:

— Do jeito como você o devora rápido, eu nem sentiria dor, morreria na hora.

O homem para de comer, se ajusta melhor no banco, pega seu canecão com água, dá uns goles, limpa a boca com sua própria mão, solta um arroto e volta a olhar para Ray, mas com um olhar intimidador, olhando nos olhos e aproximando seu rosto.

Ray faz uma rápida análise e conclui que se brigar com ele perderá e até provará o que ele disse. Sente um pouco de frio na barriga, de medo, porém tenta demonstrar tranquilidade e confiança. Levanta sua mão e pede para o homem atrás do balcão:

— Quero o mesmo que ele. Não! Quero um frango bem maior, estou com muita fome.

O homem para de intimidar Ray e começa a rir.

— Está brincando comigo?

— Por quê?

O homem volta sua postura no banco e pede:

— Traga outro frango para mim, igual ao que vai trazer para ele, vou lhe mostrar como um homem come.

Ray ri e espera calado junto com o homem o frango assado. Após chegar, os dois começam a comer. Ray copia o método e come igual a um bicho, usando as mãos e abocanhando o frango.

Os dois quase não mastigam, agarram o franco com as mãos, atacam com a boca, mastigam pouco, o suficiente para passar pela garganta e engolir. Após alguns minutos, o homem ao seu lado termina de comer o que havia antes no prato e o novo frango e termina com a água de seu canecão. Ray estava no fim de seu frango, quando desiste, resmungando:

— Nossa, estou cheio.

— Não aguentou? Ainda come como criança.

— E você come como três adultos.

Os dois riem, e o homem lhe informa com ar de vitória:

— Mas eu ganhei.

Ray, com ar aliviado, diz:

— E eu não ganhei uma briga.

— Briga?

O homem para por um momento, ri alto e diz:

— Você induziu a competição do frango para escapar da briga?

Ray lhe responde e fica com um frio na barriga novamente.

— Sim, não consegui?

— Sim, conseguiu… Você é um garoto esperto.

Ray fica tranquilo e se apresenta:

— Bom… meu nome é Ray Blok W.

— Seu nome me parece familiar. Certo, meu nome é Baltazar Thur, o Touro Náutico.

— Legal, uma reputação?

— Sim, sou um guerreiro náutico, tive muitas aventuras nas águas do Grande Continente e nas ilhas antigas. Meu primeiro abate foi um touro, com o qual fiz estas vestes, elas me dão sorte e uma boa proteção.

— Agora que estou vendo, os espinhos no ombro também eram do touro?

Baltazar esboça novamente o ar vitorioso.

— Não era um touro comum, ele era da raça dos Grandes Animais.

— Legal, então é resistente também, mais do que uma comum.

— Sim, ela já me livrou de vários golpes mortais.

Baltazar resume suas aventuras para Ray, contando as lutas que já travou contra grandes animais, exércitos, outros guerreiros náuticos, ladrões náuticos, fatos históricos, confirmando alguns estudos de Ray. E comenta sobre sua tripulação, que já estão velhos e cansados de aventuras e que agora preferem trabalhos pequenos ou vida de cidadão comum, longe de batalhas e de águas atormentadas.

Ray verifica que Baltazar não aparenta a idade que tem, aparenta ser novo, mas é velho de idade e de aventuras. Ray o admira por ser um bom veterano e também conta um pouco de sua história, reservando pontos importantes para não comprometer sua segurança com um estranho.

Entre a conversa, os dois bebem água e um pouco de vinho, só para celebrar o encontro com um veterano como Baltazar.

— Obrigado por dividir sua história, Baltazar.

— Já que não terei meu nome num livro ou pergaminho, pelo menos algumas pessoas saberão da minha existência.

— Verdade.

— Você é bem inteligente, domou um Touro Náutico sem usar a força bruta.

Ray, com um belo sorriso, agradece meio envergonhado.

— Obrigado, tive um bom treinamento.

— Realmente, deve ter tido um bom mestre. Treinei um tempo com meu pai, mas a maioria foi em campo de batalha. Você já teve uma batalha séria, Ray?

— Ainda não, mas estou me aventurando pelo Grande Continente para conhecer melhor o mundo.

— Certo! Muito bom…

Nesse momento, Ray pensa em anotar o nome de Baltazar no diário, honrando-o ao dizer que seu nome e sua reputação estão em um livro, mas, ao procurar sua mochila, não a encontra. Levanta e começa a olhar ao redor. Baltazar, estranhando a sua ação, questiona:

— O que houve?

— Minha mochila estava aqui… Ali!

Com sua aptidão, Ray identifica um suspeito que o olhava com receio saindo da taverna com mais três companheiros carregando grandes bolsas, aparentando serem bolsas grandes para guardar bolsas menores e itens roubados.

Baltazar olha que foi roubado também, pois sua bolsa sumiu. Ele levanta empunhando seu machado e causando uma grande confusão. No tumulto, algumas pessoas levantam, a gritaria toma a caverna, os proprietários se armam, o grupo de ladrões corre, deixando à mostra uma grande espada em uma das bolsas.

Ray identifica que é a espada de Baltazar, certificando-se do roubo coletivo.

— Eles pegaram sua bolsa também, Baltazar.

Baltazar bufa como um touro. Todos se afastam dele. Com um ar agressivo, insulta:

— Inúteis! Ninguém viu e impediu de eu ser roubado?

Ray corre para fora da taverna, chamando Baltazar e tentando acalmá-lo.

— Vamos atrás deles, brigar com essas pessoas não vai ajudar.

Baltazar corre atrás de Ray, que corre disparado atrás dos ladrões. Saindo da taverna, Ray ainda consegue ver os ladrões correndo ao longe. Mesmo eles estando à frente, estão com bagagens pesadas, e Ray não, o que lhe dá vantagem de alcançá-los. Baltazar corre, seguindo-o.

Na perseguição, Ray percebe que os ladrões tentam cansá-lo dando voltas pela cidade, passando por vielas, derrubando pessoas para atrapalhar Ray, se dividindo, até que saem da cidade em direção a uma floresta.

Ray diminui sua velocidade e se preocupa, pois nunca tinha ido tão longe e não saberia o que encontraria ali, até que ouve Baltazar:

— Vamos, garoto, para onde foram?

Ray se impressiona por Baltazar tê-lo alcançado, dando mais motivação à caçada.

— Por ali, vamos!

Os dois correm pelas árvores, que aos poucos vão ficando mais densas, formando uma grande floresta, longe de estradas e trilhas.

Mesmo com a vegetação de arbustos e insetos no caminho, Ray consegue ver rastros por onde o grupo de ladrões passou, e com um pouco de dificuldade consegue chegar ao final da caçada, um trecho sem árvores, sem saída, uma montanha sem possibilidade de escalada sem o material adequado.

Em frente a ela, um grupo de cinco ladrões com vestes comuns, estaturas entre média e alta, aparentemente fracos, mas que o intimam.

— Se perdeu, garoto?

— Melhor voltar para casa, aqui só vai achar mais confusão.



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