Volume 1
Capítulo 9: Fantasma (1)
O medo e pavor eram visíveis no rosto das pobres crianças. O barulho dos aviões era aterrorizante e todos sabiam que naquela época, aviões que sobrevoavam uma cidade eram sinal de bombardeio.
As crianças se abraçavam e tentavam manter a calma, mas o pai delas estava gritando e brigando com a mãe. As coisas caíam enquanto eles discutiam, o que fazia o irmão ficar agarrado à roupa da irmã enquanto ela tentava consolá-lo. Eles podiam ouvir o pai aumentar a voz.
— Você é uma puta! Eu nunca deveria ter tirado você daquele lugar! – gritou o pai.
— Hã? E você? Um homem covarde que acabou abandonando o seu próprio esquadrão por medo! Que direito você tem de falar alguma coisa de mim? Não se esqueceu que fui eu que ajudei você enquanto estava perdido? – retrucou a mãe.
Os irmãos pararam de ouvir a voz de sua mãe para escutar o barulho de alguém caindo. O irmão desesperado se soltou da irmã e tentou abrir a porta.
Por apenas um relance, ele pôde ver sua mãe no chão, com o nariz sangrando e o pai em cima dela. O homem percebeu que o garoto estava vendo aquilo e por isso foi atrás dele.
Sua irmã desesperada puxou o garoto do trinco da porta. A irmã olhou nos olhos do garoto, que agora tinham lágrimas, e tentou fazê-lo ficar quieto, mas sem sucesso. O irmão começou a chorar. A irmã tampou os olhos do irmão para que ele se concentrasse apenas na voz dela, o que fez ele ficar um pouco mais calmo. Mas quando o pai apareceu e abriu a porta com raiva, a fazendo bater na parede, o garoto viu seu pai olhando para ele.
— O que você está chorando? Seja homem e engula esse choro! – ordenou o pai.
O homem se aproximou do garoto, com sua irmã tentando defendê-lo. Ela ficou entre o pai e o irmão, mas foi empurrada para longe com uma força absurda.
O pai segurou o garoto pelo braço e começou a bater em seu corpo. A cada gemido que o irmão fazia, a irmã se contorcia, tentando fazer o pai parar, mas sem sucesso. Ela apenas ficou olhando, com seu rosto agora roxo por levar um soco.
Os irmãos não entendiam direito o que estava acontecendo, mas a mãe olhou a cena e decidiu o que deveria fazer. Ela foi até a cozinha e pegou uma faca. A mulher estava fora de si e percebendo o risco de vida de seu filho, ela avançou nas costas do marido, o homem que ela havia se apaixonado e a livrado de uma vida terrível, agora, havia se tornado apenas um monstro.
Enquanto ela apunhalava seu marido nas costas e ele soltava o seu filho, ela se perguntava para onde havia ido o homem que um dia ela havia amado, para onde estava o pai que chegava do trabalho e ajudava as crianças e dava doces?
O homem, já treinado devido à guerra, segurou a faca em suas costas e a retirou, lançando a esposa para a parede, fazendo bater as suas costas, perdendo seu ar. Lágrimas corriam de seu rosto. Ela olhava para a figura daquele homem com uma faca em sua mão, se aproximando dela.
Ela perdeu a probabilidade de ter uma vida normal. Mas não estava contando com o que seu filho iria fazer. Ele pegou o braço de seu pai e o mordeu. O homem gritava, mas a mulher não podia entender o que ele estava falando. Ela apenas se preocupava com as duas crianças que tentavam pegar a faca das mãos do pai. Com sucesso, a irmã apontou a faca para o homem que antes era seu pai, com ele soltando a lâmina, mas em troca, ela recebeu outro golpe, dessa vez no estômago, a fazendo ficar sem ar e se agachar no chão.
O irmão, por outro lado, conseguiu morder a mão do homem, que o estava segurando pela cabeça. E com essa pequena distração, a mulher recuperou as forças e pegou a faca, e derrubando o homem, ela o atingiu várias vezes em seu abdômen e pescoço. Ela conseguia sentir o impacto da lâmina entrando na pele e saindo, rasgando tudo. Ela sentia o líquido a cobrir totalmente de vermelho. A mãe sentia os olhares de seus filhos, e um branco enchia sua mente, sentindo um alívio enorme cobrir o seu corpo.
Ela viu os olhos mortos daquele homem abaixo dela. Por um momento, se assustando e se afastando do corpo, mas vendo que suas crianças ainda estavam ali, ela os tentou abraçar, parando vendo que seu corpo com sangue, ela correu para a cama, pegando um cobertor e os cobrindo, os abraçando através do fino pano.
— Vamos ficar tudo bem agora.
Ela repetia a frase enquanto abraçava suas crianças, transparecendo um ar de confiança e carinho, mas não mostrando seu rosto cheio de lágrimas e sangue. Ela mandou as crianças para o quarto delas, e assim os irmãos, ainda cobertos, caminharam escada acima para seu quarto.
O irmão, que ainda estava um pouco dolorido, caiu no sono quase imediatamente, enquanto a irmã cuidava do irmão, ela tentava se acalmar e ficar acordada, mas assim como o garoto, ela caiu no sono de cansaço.
Na manhã seguinte, a mãe havia proibido os gêmeos de entrarem na sala onde o homem estava, e logo depois de eles comerem o café da manhã, a mãe começou os preparativos para sair daquele local.
Ela havia pedido para as crianças fazerem as malas com roupas e outros objetos que eles quisessem levar, e assim eles fizeram, reunindo roupas e alguns itens que eles gostavam. O irmão pegava o seu boneco de pano, sendo um menino com roupas de fazenda e de cabelos loiros, a irmã pegava sua boneca de pano, feita parecida com o boneco do irmão, mas apenas com a diferença do cabelo grande.
Os dois também pegaram uma estátua pequena de um corvo feita de madeira, e assim eles foram para o lado da mãe, que estava esperando-os fora da casa.
Enquanto ainda mais aviões podiam ser ouvidos, ela percebeu que a guerra estava vindo, e por isso ela pegou um pouco de gasolina.
— Dan, Emi, por favor, podem ajudar a mamãe? Vocês só têm que colocar o líquido da garrafa pela casa.
— Sim, mãe!
Naquele dia, a cidade viu ao longe uma casa pegando fogo, e uma família saindo da cidade para nunca mais voltar. Naquele dia, a cidade conhecida como a cidade da prosperidade, agora, era conhecida pela família como um lugar amaldiçoado e perdido.
Depois daquele tempo, a família começou a vagar pelas vielas e becos de várias cidades para tentar escapar da guerra que ainda estava acontecendo. Eles fizeram de tudo para tentar sobreviver, pediram ajuda de outras pessoas, tentaram fazer trabalho braçal para conseguir dinheiro para se alimentar.
Mas não conseguiram dinheiro suficiente para comprar roupas para os gêmeos, ao ponto de os dois usarem o mesmo tipo de roupa. Ainda mais, já que eles não iriam parar de trabalhar e sujá-las, então, por que comprar novas?
E assim eles ficaram por meses, e a cada dia que passava, cada vez mais a mãe parecia se perder em seus pensamentos, e a cada dia que passava, as crianças começaram a agir da mesma forma, sem ter uma distinção sequer de personalidade. Era como se eles pensassem ser apenas uma pessoa em diferentes corpos.
Certo dia, a família foi visitada por um homem. As crianças estavam em alerta, já que ninguém se aproximava deles com boas intenções, mas quando eles olharam para os olhos daquele homem, eles sentiram que suas vidas não tinham valor. Era como se os olhos cerrados dele pudessem ver a sua alma.
Eles sentiam um vazio tremendo, e assim os gêmeos abaixaram a cabeça, e puderam apenas escutar a fraca voz de sua mãe conversar com ele.
— Então esses são os filhos de Albrecht, uma pena o que aconteceu com ele.
— …
— Senhora, me desculpe pelas ações de meu irmão, mas ele sempre foi assim. É comum que fantasmas defeituosos acabem ficando violentos. Novamente, peço perdão.
— Eu não me importo mais! Me diga o que quer.
— Vim aqui para ver os filhos de Albrecht, achei que eles fossem como ele, mas posso perceber que eles são bem inseparáveis. Os dois têm um corpo pequeno, então não consigo diferenciar o sexo dos dois.
— Isso não interessa para você!
A mulher ficou na defensiva enquanto o homem olhava para as crianças, mas percebeu o sorriso no rosto dele. E percebendo os seus olhos calmos, ela também se acalmou.
— Não se preocupe, eu apenas vim aqui para fazer um acordo com a senhora.
— Que tipo de acordo?
— Quero que você me entregue os seus filhos e em troca irei dar o que precisa para sobreviver bastante tempo.
A mulher olhou para os filhos incrédula e suspirou, ela já não sentia o que deveria fazer, e não sabia se a decisão que ela tomaria iria ajudar ou prejudicar os filhos. Mas ela sabia que, qualquer lugar era melhor que a rua e a pobreza.
— Eu irei lhe entregar eles, mas me prometa que nada de ruim acontecerá com eles, ainda que eles sejam também filhos daquele homem, eles continuam meus filhos.
O homem sorriu e se aproximou das duas crianças, que levantaram suas cabeças e encararam os olhos do homem. Eles podiam sentir algo de errado com aquele homem, podiam sentir o mesmo de quando o pai caminhou na direção da mãe com a faca na mão, e por isso eles ficaram atentos.
O homem sorridente comentou:
— Parece que eles têm os seus olhos, senhora, mas também são parecidos com o Albrecht. Bem, irei levá-los.
Outras pessoas apareceram naquele ambiente, parecendo que alguém importante estava sendo escoltado.
A mãe não conseguiu encarar os rostos dos filhos, que estavam sendo levados para longe dela, tendo por apenas alguns segundos ver o rosto do garoto, que a encarava com tristeza.
A mãe nunca mais foi vista pelos gêmeos daquele dia em diante, assim como os gêmeos foram separados um do outro. Ainda que tenham sido levados para o mesmo lugar, eles foram separados, para que o que eles tivessem que fazer não tivesse intromissão um do outro.