Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 8: Quebra (3)

Uma mente tranquila e vazia, seu corpo fraco e sem nenhum vestígio de que um dia foi saudável, Leon sentia sua mente vagar. Ele não tinha forças para fazer mais nada. 

Olhava para os seus braços e eles eram tão finos que as cordas que o prendiam pareciam estar mais soltas. Sua mente vagava entre o passado e o presente, e toda vez que voltava para o presente, ele novamente se sentia perdido. Talvez seja porque se passaram meses desde que ele havia visto Celina, ou talvez apenas semanas ou dias? Ele não sabia mais o que o tempo significava. 

Seus olhos estavam semiabertos pela falta de força, sua mente apagava constantemente, como um eletrônico sem bateria.

E assim, sua mente novamente se perdeu, mas logo um estímulo acendeu seus instintos. Ele escutou o barulho de passos e, conforme eles foram ficando mais altos, mais ansioso ele se sentia, ao ponto de seu coração doer. 

Em sua frente, Celina vinha com uma cara preocupada. Em suas mãos, havia água e algum tipo de comida. Não era muita, mas para Leon, ele não tinha o direito de reclamar, e por isso, ele sorriu. Celina, que tinha uma cara triste, sorriu de volta, forçando um pouco seus lábios a se curvarem.

— Me desculpa por demorar tanto. Eu tive algumas complicações — disse Celina preparando a comida.

Leon não conseguia falar, então apenas balançou a cabeça.

— Bem, vamos te alimentar direito.

Ela começou a dar a comida para Leon, que devorava tudo que caía em sua boca, tanto que precisou de um pouco de água por ter se engasgado.

— Calma, coma devagar. A gente vai ter bastante tempo agora, claro, se você acha que um dia é tempo o suficiente — disse Celina com um tom triste e serio.

Leon olhou para Celina e pensou: “O que você aprontou dessa vez?” Ela suspirou e ligou a televisão. Nela, uma notícia passava: um homem havia se acidentado junto de sua esposa. Ele ficou paralítico e sua esposa havia ficado em coma. 

O homem era um cirurgião famoso da cidade, estava tentando recuperar seu irmão que havia cometido crimes, e por isso sofria de algumas complicações com a bebida. Um dia, acabou capotando o carro.

Leon não acreditava em seus olhos, pois claramente podia ver Victor sendo levado por uma ambulância, e Alice estava desmaiada. Ele, que estava feliz por estar comendo, agora, estava com lágrimas em seus olhos. Olhava para Celina e para a televisão. 

Ficou furioso e tentou falar, mas ao invés disso, acabou tossindo. Tentou falar entre as suas respirações ofegantes, porém Celina se adiantou:

— Ei! Calma! Eu não iria fazer nada contra seu irmão! Realmente foi um acidente!

Celina estava genuinamente se desculpando e falando a verdade, mas Leon ainda desconfiava de algo. Por que ela iria falar que tinham apenas um dia? E por isso ele perguntou:

— Por que apenas um dia?

— Porque eles acabaram suspeitando daqui, e suspeitaram de você estar tentando me raptar e levar como refém. Por isso iremos para outro lugar — respondeu Celina limpando a sujeira que Leon avia feito.

Leon suspirou. Pensou um pouco no resto de vida que tinha. Pela data no jornal, o acidente aconteceu faz um mês, e da última vez que viu, já era julho. Deveria ser por volta de setembro ou novembro. Ele havia perdido muito nesse tempo. 

Perdeu sua figura paterna, seu irmão havia se machucado gravemente, sua amiga de infância havia ficado em coma, e agora ele estava entrelaçado entre um culto e laboratórios de crianças fantasmas. 

Leon não aguentava mais o que estava acontecendo. Por isso, olhou nos olhos de Celina, e ela retribuiu a encarada. Leon apenas ponderava desistir de tudo e acabar com aquilo de uma vez. E Celina sabia do que ele estava pensando, tanto que abaixou sua cabeça e pensou por um momento. Mas ela não podia voltar. Já era tarde demais. Por isso, ela deu risada.

— Não vou fazer isso, querido. Preciso de você até o fim, e o estado em que está agora significa que você está a um passo do meu desejo — disse Celina enquanto se levantava e começava a desamarrar as cordas de Leon.

Leon olhou para ela confuso, mas logo entendeu depois de ela colocar uma venda em seus olhos. Ele também foi algemado, sentindo alguém encostando em seu ombro. Escutou a voz daquela mulher em seus ouvidos.

— Vamos caminhando. Você será levado para outro lugar.

Leon não pensava em nada, apenas na pequena faca que havia guardado em sua calça. Se precisasse, ele terminaria com tudo, tanto com Celina quanto consigo mesmo. Por isso, teve um fio de esperança em seu coração.

Assim que caminharam por um instante, começaram a subir uma espécie de escada. Elas pareciam infinitas para Leon, e essa sensação o fez trazer sentimentos nostálgicos. 

Quando tudo acabou, ele pôde sentir a umidade do local, junto do calor do sol, que para Leon parecia um ambiente perto de uma floresta ou algum lugar com mato, já que ele podia sentir a grama em seus pés.

Lentamente, foi sentindo diferentes aromas, desde madeira velha até de poucas partículas de pó, o que finalmente o fez pensar no lugar onde estavam. Ele saberia, já que viveu metade de sua vida naquela casa. Havia retornado para o início de tudo, para a casa de seus pais adotivos.

E no momento em que se sentou e sentiu seus braços ficarem pesados por algo de metal, ele finalmente pôde enxergar. 

A sua volta estava totalmente branca. O único ponto preto naquele lugar era o trinco da porta e a pessoa que estava agachada em sua frente. Celina estava com um pequeno sorriso em seu rosto, como se uma criança quisesse ser parabenizada pelo trabalho que fez. 

— Hehe, parece que você se esforçou para criar um verdadeiro quarto branco — disse Leon com uma risada sarcástica, ele gostaria de provocar ela um pouco, mas o seu rosto mostrou outra coisa.

Ela suspirou e segurou a mão de Leon. Ele podia sentir seu toque gentil, o que o deixou confuso com seus sentimentos. Ele não parou de pensar no que realmente passava na mente de Celina, e por isso notou que ainda tinha sentimentos calorosos por ela. 

Lembrou-se de que um dia, o delegado havia lhe falado sobre um caso de relacionamento abusivo, mas Leon não havia entendido. Agora, poderia dizer que o delegado estava certo em falar que as pessoas são facilmente influenciadas por seus sentimentos.

Sem muito tempo para pensar direito, ele apenas fechou os olhos. Sentia seu corpo pesar, talvez devido ao gosto estranho da comida, mas não se importou. Estava realmente cansado, e por isso adormeceu.

Para Leon, o tempo não foi gentil. Nos últimos meses, ele teve experiências suficientes para afirmar que passou pelo inferno ou por uma guerra violenta. Isso deveria ser levado em conta, já que sua mente estava sem um pingo de sanidade. Ele se questionou se estava bem ou se estava finalmente louco, já que não sentia mais nada na situação em que estava. Havia notado que aceitou seu mundo atual.

Mas sem muito tempo para descansar, viu-se com a cabeça em algo macio. Abriu os olhos e logo foi cegado pela luz forte do quarto branco, mas uma sombra o ajudou. Encarou o rosto sorridente de Celina e percebeu que tinha sua cabeça em suas coxas.

— Bom dia. — disse Celina.

Ele acenou com a cabeça e perguntou a ela:

— O que irá acontecer agora?

— Eu não tenho certeza. Acho que é o fim do ciclo. — Leon não acreditou naquelas palavras.

— Sério? Acabou?

Celina sorriu e beijou a testa de Leon.

— Sim, parece que você chegou no final. Agora me diga, Leon, podemos conversar sobre outras coisas?

Leon ficou confuso, mas não se importou.

— O que gostaria de conversar?

— Que tal sobre sonhos ou objetivos? Tipo, eu sempre quis ver algumas coisas em minha vida, ter algumas metas, sei lá, coisas do tipo.

— Hm, eu acho que eu gostaria de visitar um lugar que tenha neve, um lugar tranquilo rodeado de árvores, talvez ter uma casa própria, em vez de um quarto de hotel ruim — disse Leon enquanto fechava seus olhos, imaginando a cena.

— De fato, seria legal se você conseguisse. E sobre outras coisas, como filhos?

— Nah, não acho que seria legal ter filhos agora. Talvez no futuro?

— Eu não me importaria de esperar, sabia? — brincou Celina.

— Há, eu sei, Celina. Mas agora estou curioso. Por que você está falando tudo isso?

— Nada, apenas me deu um pouco de vontade de esquecer um pouco das coisas — ela parecia um pouco triste.

Leon não entendeu exatamente sobre o que se tratava aquilo. Se era um teste ou algo do tipo, ficou ainda mais confuso. O porquê ele começou a sentir algo líquido tocar suas costas. Virou sua cabeça e ficou assustado. Olhou para o local de onde estava saindo aquele líquido vermelho e ficou apreensivo com o que viu.

Celina tinha suas roupas com sangue, que estava se espalhando pelo quarto. Ela parecia calma, mas aquilo fez Leon sentir uma pontada em seu coração. Aproximou-se de Celina e verificou seu abdômen, onde viu uma ferida de bala. Rasgou um pouco de sua camiseta e tentou cobrir o ferimento.

— Como você deixou isso acontecer? — exclamou Leon, gritando com todas as suas forças.

Celina não respondeu, e por isso Leon se desesperou e tentou abrir as correntes, sem êxito. Procurou nos bolsos de Celina a chave e, quando a encontrou, libertou-se e pegou Celina no colo. Ela estava pesada, talvez porque havia desmaiado ou porque estava fraco demais para aquilo.

Carregou-a para fora do quarto e, percebendo que estava realmente na casa do pai, procurou o kit de primeiros socorros. 

Teve que parar rapidamente o sangramento de Celina e retirar a bala, além de limpar qualquer bactéria ou resíduo que pudesse causar inflamação e necrose. Começou então a costurar a ferida, percebendo que não era algo tão ruim assim, já que não havia atingido nenhum órgão importante. Finalmente, ele se acalmou ao ver que ela estava cansada e respirando ofegantemente.

Sua visão estava turva e sua cabeça doía, ele não conseguia focar no agora com tudo aquilo acontecendo.

Leon sabia que o dia havia chegado. Aquela ferida de bala significava que eles haviam sido encontrados, e era apenas questão de tempo até serem presos ou pior, mortos. 

Por isso, se preparou. Foi para a sala e tentou encontrar a arma que estava lá. Quando a encontrou e olhou para fora da casa, sentiu um arrepio na espinha. O local estava cheio de pessoas, não, havia vários policiais.

A reação de Leon foi se abaixar e tentar olhar discretamente. Alguém o chamou atenção, um homem de cabelo raspado preto. Em sua mão direita, tinha uma pistola e na outra um alto-falante. Leon pôde escutar sua voz.

— Senhor Leon Abraham, meu nome é Luís Valentim. Sou o novo detetive e delegado da polícia da cidade. Quero que o senhor entregue a refém. Se não, teremos que invadir o local à força.

Leon lembrou que agora era procurado pelas mortes das pessoas, o que o deixou nervoso. Mas isso parou de o preocupar com o fato de sentir o cheiro de queimado. Olhou em direção à cozinha e viu a fumaça preta subindo, junto de um brilho vermelho amarelado, ele se levantou e foi diretamente para a cozinha, apenas para ver Celina colocando fogo em todo o lugar.

— Celina, o que você está fazendo? — exclamou Leon com pressa.

Ela não respondeu, apenas empurrou Leon e continuou a fazer um rastro de gasolina pela casa. Leon tentou pará-la, mas ela apenas o bateu com o galão de gasolina, fazendo a arma de sua mão cair para longe.

— Droga! Celina!

— Não tem outro jeito, Leon! Agora é tudo ou nada, e você é meu tudo, então preciso fazer isso — exclamou Celina, seus olhos não estavam normais.

O fogo rapidamente se alastrou, deixando o ambiente quente e cheio de fumaça. A casa feita de madeira começou a estralar, e Leon percebeu a movimentação fora da casa. 

Parecia que os policiais haviam chamado os bombeiros. Leon se levantou e correu em direção a Celina, mas ela novamente o bateu com o galão. Entretanto, ele teve uma chance e derrubou o galão de suas mãos, segurando-a.

— Celina, agora é a hora de parar com isso.

— Não, Leon, agora é a hora de você me soltar.

Ela virou o corpo na direção da porta. Leon não entendeu, mas quando viu o policial atrás de Celina, percebeu o que ela estava fazendo. Afrouxando seu punho, ela se soltou dele e tentou correr em direção ao policial, que, achando que ela era a refém, abaixou a arma, mas foi surpreendido com uma faca em sua garganta.

Celina, pegando a arma do policial, apontou para Leon, sorriu e falou:

— Leon, agora é o teste final. Você já é quase um fantasma. Você só precisa me dizer as palavras. Não queria se vingar? Não queria me matar? Então, você só tem que falar para eu atirar.

Antes que Leon pudesse fazer qualquer coisa, ele escutou um disparo e viu o galão de gasolina estourar, as chamas pegaram no corpo de Celina, e em questão de instantes se alastraram por todo o corpo dela. Com um grunhido, Leon se atirou para tentar ajudar Celina, mas alguém já havia chegado. 

Era o novo delegado. Leon tentou ir para perto de Celina, mas o detetive não deixou, segurando-o. Devido à casa estar pegando fogo, uma madeira caiu no rosto de Leon, queimando-o.

Leon podia sentir sua pele sendo queimada de dentro para fora, era uma dor insuportável, mas não o suficiente para fazê-lo desmaiar. Ele pôde ver o corpo de Celina totalmente à sua frente, o que causou sua mente a se quebrar totalmente. 

Seu corpo estava queimando, seu rosto estava ferido pelo fogo e pela madeira que havia caído em seu olho. Aos poucos, percebeu que estava sendo arrastado para fora da casa. 

Não podia enxergar totalmente, mas podia ver as pessoas tentando parar as chamas, podia ver a casa de seu pai aos poucos se quebrar, seu mundo queimando. A dor que sentia no corpo não se comparava à dor em sua mente. 

Sentia um ódio profundo, que o fez lembrar de um lugar que, assim como a casa de seu pai, havia queimado até o chão. Lembrou-se de um nome: Aidan Albrecht.



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