Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 7: Quebra (2)

“Preciso resistir, preciso me manter sã, não posso ceder à dor”, Leon repetia várias vezes em sua cabeça, enquanto sentia a pele sendo arrancada de seu corpo. 

Celina tinha um método diferente agora; ela estava utilizando um bisturi para cortar o abdômen de Leon pouco a pouco, mas não era uma incisão tão grande, apenas superficial o suficiente para ser incômoda. 

Enquanto ela repetia essas ações em diferentes lugares do abdômen de Leon, ele apenas pensava em como poderia se soltar dali dentro de alguns dias, pelo desgaste das cordas que o amarravam. Leon decidiu fechar os olhos quando Celina aparecia à sua frente, o que apenas intensificava a dor que ela provocava em seu corpo.

— Parece que você está mais quieto hoje, meu amor. Você está se sentindo bem? — Celina perguntou enquanto se aproximava de Leon e o encarava.

Leon respirou fundo e balançou a cabeça em negação. Pôde ouvir Celina dar uma risada curta. Então, ele sentiu algo quente em suas bochechas e logo em sua testa. Algo estava estranho; era esquisito quando Celina tentava ser carinhosa com ele, mesmo no meio de uma sessão de “aprendizado”, como ela chamava a tortura corporal.

— Me desculpe, amor, mas isso tem que continuar mais um pouco. E já que você não está colaborando, terei que ser um pouco mais agressiva — disse Celina enquanto se afastava de Leon.

Leon questionou a si sobre o que poderia ser mais agressivo, especialmente após ter visto a morte do delegado. No entanto, ele apenas escutou a televisão ser ligada e uma respiração ofegante podia ser ouvida. Leon sentiu curiosidade sobre o que estava acontecendo, mas não queria dar o gostinho de vitória para Celina e, por isso, continuou com os olhos fechados.

Ele pôde ouvir passos e coisas sendo derrubadas, parecidas com vidro. Leon manteve-se calmo, mas o silêncio foi cortado pela voz de Celina.

— Ó! Parece que está funcionando! Bem, eu fiz isso para mostrar ao meu amado, Aiden. Era uma surpresa, então não queria estragar tudo. Espero que eu consiga segurar até o último momento!

Leon permaneceu atento aos ruídos da televisão e à respiração que ia se acalmando. Então, ele escutou algo que o fez abrir os olhos rapidamente.

— Aqui temos um lindo banquete! Um banquete familiar onde cada um tem sua respectiva máscara!

Leon observava aquele lugar assustado. Ele podia ver claramente que era o delegado e sua família em uma mesa grande de jantar. Ele podia ver mesmo através das máscaras de animais que era realmente seu amigo ali.

— Aqui temos os principais! Cada um representando seu lado de uma história, meu querido. Se você acertar cada um dos significados, vou te dar uma recompensa; caso erre, você terá uma unha removida. Então, futuro eu, prepare-se!

Celina agora estava nas costas de Leon com um alicate em suas mãos. Ela olhou para as unhas dele e se preparou. Leon podia sentir a respiração em sua nuca. Ele apenas pensou em como alguém como ela podia ser tão louca.

— Muito bem! O primeiro é um leão! O pai de família tem um leão e em sua frente tem um grande prato com duas mãos, não tão frescas. Me desculpe por isso, aliás.

Leon olhou para o corpo do delegado, que estava ereto com as mãos segurando garfo e faca. As mãos tinham a cor de pele do soldado. Leon sabia o que era aquilo, mas decidiu não falar nada. Por isso, sentiu a dor aguda na ponta de seus dedos. A unha do dedo mindinho foi arrancada. Ele pôde ouvir um suspiro vindo de suas costas.

— Droga! Saiu um pouco de pele… — Celina cochichou com um pouco de tristeza.

Leon estava agoniado, mas não podia desmaiar naquele momento. Ele percebeu que sua tolerância à dor havia aumentado, talvez devido ao bisturi e às partes que estavam cortadas em seu abdômen.

— Muito bem! O tempo acabou, agora vamos para a esposa! Aqui temos uma serpente! Sim, uma coisa que rasteja no chão. Em sua frente tem o cérebro, algo muito importante. O que isso significa?

Leon fez a ligação na hora com a primeira vítima. A pobre mulher representava como o professor usava as crianças e também sobre sua mente perturbada. Mas Leon não respondeu nada. Outra vez sentiu a dor aguda em seus dedos, só que dessa vez não foi apenas em um dedo, foi em dois. Por causa disso, Leon soltou um pequeno grito, que fez Celina dar risada. Ele então escutou novamente o vídeo.

— Não se esqueça! Que a cada resposta errada o número acumula, ou seja, errou uma questão, agora então três unhas serão arrancadas! Então vamos para a próxima!

Leon acabou soltando um gemido reclamando da regra implementada e sentiu algo macio em suas mãos. Ele olhou para trás e podia ver Celina beijando suas mãos. Ele não sabia o que sentiu com aquela visão e por isso voltou para o vídeo.

— Agora vamos para os catarrentos, eles têm máscaras de ovelhas, assim como o ditado de lobos em pele de ovelha! Mas não se preocupe, elas ainda são inocentes. Na sua frente tem um belo coração. O que isso significa?

Leon teve que pensar um pouco mais, mas percebeu que as crianças eram os principais, ainda mais que elas estavam de frente para a família, diferente do normal que geralmente o líder da família se senta na frente de todos. Leon também sabia que o coração significava a fraqueza de alguém ou a força, mas mesmo assim ele não falou nada. E novamente ele sentiu a dor, agora perdendo sete unhas. 

Ele começou a suar, mas percebeu algo estranho: havia mais três unhas, o que significava que tinha mais uma pergunta. Leon pôde sentir o alicate em sua próxima unha, mas o vídeo acabou, deixando-o totalmente confuso.

Mas a dor quebrou a sua confusão, fazendo-o gemer de dor um pouco, e logo que todas as suas unhas foram arrancadas, Celina apareceu à sua frente. Ela estava sorrindo e, com aquele sorriso, beijou a testa de Leon, que tentou se esquivar sem sucesso.

— Finalmente você está olhando para mim. Sabe, sei que você sabe as respostas. Estou começando a achar que você é um masoquista — disse Celina com um sorriso no rosto.

Celina pegou uma cadeira e ficou de frente para Leon. Então, aproximou a mão do rosto dele. Leon se esquivou e ela estalou a língua.

— Eu quero que você me pergunte o que quiser — ela segurou o queixo de Leon, ela olhou para ele e sorriu — primeiro, vou responder o que você quiser, e segundo, eu não vou mais te amordaçar, a não ser quando fizermos o treinamento corporal.

Leon respirou fundo e olhou para Celina à sua frente. Ele tinha várias dúvidas desde o tempo em que estava em sua casa, mas nunca conseguiu expressá-las.

— Certo, eu quero saber sobre seu passado. Quero que me conte tudo, sem mentiras e sem omissões. Também quero saber o seu objetivo — disse Leon com confiança e um pouco de irritação.

Celina pensou por um momento e balançou a cabeça em aceitação. Então, começou a falar.

— Ok, primeiro sobre o meu passado. Fui deserdada pelo meu pai por não nascer menino. Ele me jogou em seu laboratório de pesquisa sobre fantasmas, pessoas alteradas mental e fisicamente para se tornarem soldados perfeitos. Claro, não somente soldados, mas também líderes. Isso ia muito bem, já que eles pegavam crianças órfãs. Mas teve um dia em que dois gêmeos chegaram ao laboratório, e todos perceberam que havia algo de errado com eles. Eu não sei explicar direito, mas eles pareciam mais fantasmas do que os próprios fantasmas. Isso fez meu pai tentar explorar o "outro lado", algo que ele mesmo acreditava, um lugar onde todos os pensamentos existem e são perfeitos, e toda essa baboseira sobre o mundo das ideias. Algo do tipo. Mas algo aconteceu, e tentaram fazer as crianças fugirem, ou os gêmeos quiseram sair do lugar, e por isso toda aquela tragédia aconteceu. Eu consegui fugir e os gêmeos desapareceram. Então, tive que viver me escondendo de meu pai e dos investigadores, até chegar a esta cidade e encontrar você. Agora, meu objetivo é entrar. Você, meu querido, é alguém que eu estava procurando, e o meu objetivo é ver um fantasma completo de perto, apenas isso.

Celina parecia ter tirado um peso de seus ombros. Leon podia ver sua expressão facial relaxar, o que o fez suspirar. Ele encarou Celina, que agora estava genuinamente cabisbaixa.

— Você deveria ter me contado isso antes de cometer os crimes que cometeu, e eu teria tentado ajudar.

Celina ficou séria e encarou Leon, que engoliu em seco.

— Eu não preciso ser ajudada, eu só preciso ver um fantasma completo. Aliás, tenho outra coisa para te mostrar.

Celina se levantou e ligou novamente a televisão, que começou a mostrar o jornal. 

Leon pôde identificar claramente quem estava aparecendo à sua frente. Ele reconheceu seu irmão com Alice e também notou a data. Se passaram 6 meses desde que ele estava preso naquele lugar. Leon ficou assustado com o nível de diferença temporal, mas mais ainda com a declaração de seu irmão.

— Eu vou encontrar meu irmão e levá-lo à justiça! Não importa o que aconteça! Irei fazê-lo pagar pelo que fez ao delegado e sua família.

Leon sentiu uma pontada em seu coração junto de sua cabeça que doeu, fazendo-o baixar a cabeça. Em seus olhos não havia lágrimas, ele não conseguia chorar, mas sentia algo estranho em seu peito. Sentia raiva, sentia ressentimento. Por isso, ele encarou Celina.

— O que você fez? — questionou Leon com raiva.

— Eu? Eu não fiz nada, apenas aconteceu de eles acharem que você é o maior suspeito. Eu não pude te defender sem arruinar minha identidade. Então, isso tudo foi culpa de seu irmão. Mas não se preocupe, se ele chegar próximo demais, algo irá acontecer com ele — Celina parecia certa de que nada iria acontecer, por mais que parecesse nervosa.

Leon não queria que nada acontecesse ao seu irmão, mas depois da frase de Celina, ele não respondeu nada. Ficou em silêncio e fingiu não ter ouvido nada. Pensou que era melhor assim.

Em apenas alguns minutos, ele foi alimentado por Celina novamente. Sentiu seu corpo pesado outra vez. Antes de desmaiar, sentiu toda a dor em seu corpo. O frio corte do ferro cada vez mais fundo em sua pele. Antes que pudesse gritar de dor, sua consciência apagou.



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