Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 10: Fantasma (2)

Uma sala escura, um ambiente aterrorizador para qualquer um, um lugar onde o tempo não tem sentido. 

O pobre irmão agora havia descoberto onde estava; ele lembrava do que o homem falava para eles na época. 

Ele não entendia o significado naquele momento, mas agora havia descoberto o propósito daquele mundo: um ambiente de treino e formação de fantasmas. Pessoas que podiam fazer o que quisessem e ser o que quisessem, líderes naturais em qualquer conhecimento humano, pessoas com habilidades extraordinárias. 

No entanto, o garoto tinha uma opinião diferente sobre isso. Até que sua memória se lembrasse, ele nunca havia experimentado nada de bom em seu mundo; não tinha felicidade, nem conhecimento. Além disso, a morte poderia ser a única salvação para uma mente tão perturbada.

Mas o garoto não entendia. Como alguém como ele teria tal habilidade? Agora que percebia que seu corpo havia crescido um pouco, também percebia que não veria sua irmã tão cedo. Mas o que seria "cedo"? Quanto tempo havia passado? O que aconteceu com as memórias do garoto era um mistério para ele. Era como se o tempo tivesse parado ou avançado abruptamente. 

Sentado na sala pequena e escura, o garoto começou a se alongar, conforme os comandantes do lugar haviam recomendado. Um corpo parado fazia a mente divagar em pensamentos inúteis, então o garoto começou a praticar os golpes que aprendera nos livros que podia ler.

Era impressionante para os comandantes do lugar ver como o garoto podia ser esperto e entender coisas apenas por lê-las. No entanto, ficaram desapontados com seus sentimentos que ainda eram fortes, mesmo após todas as sessões de punição corporal e mental.

 O garoto não ouvia nada naquela sala escura e havia se acostumado com isso. No início, ainda ficava um pouco incomodado apenas ouvindo seu coração bater, mas agora concentrava-se nos ruídos que as paredes faziam.

Como sempre, alguém entrava na sala escura. Era um homem diferente toda vez, já que os fantasmas não podiam ter relações com outras pessoas. Independentemente de quem fosse, mesmo que fosse apenas um funcionário qualquer, se o ser humano o visse com frequência o suficiente, poderia confiar naquela pessoa. Pelo menos era isso que os comandantes pensavam. O garoto olhou para o homem de boné cinza e perguntou:

— O que será desta vez? — exclamou o garoto enquanto olhava para o rosto do soldado.

— Você vai para um teste importante — ele respondeu sem emoções.

Os funcionários também eram fantasmas, mas de um nível abaixo deles, o que os fazia ser apenas marionetes em vez de pensadores. 

O garoto seguiu o homem pelos corredores de madeira. Vermelho e marrom eram as cores predominantes, com o carpete amarelo contendo diferentes símbolos. Muitos desses símbolos significavam renascimento ou conhecimento, tudo para fazer os espécimes pensarem cuidadosamente sobre o motivo de estarem ali.

A sala à qual o garoto chegou estar com dois guardas na porta, ambos preparados para o pior. Assim que a porta se abriu, um homem de jaleco branco convidou o garoto a entrar.

O garoto percebeu que havia duas cadeiras de frente uma para a outra. O ambiente era branco o suficiente para incomodar seus olhos. As cadeiras se assemelhavam a tronos de antigos reis, também da cor da sala. Entre os dois tronos, havia uma mesa com um objeto preto e duas pequenas cápsulas douradas, que podiam brilhar naquela sala branca.

— Certo, agora que os dois estão aqui, vamos começar o teste — disse o doutor, se sentando em frente as cadeiras — Vamos, sente-se.

O doutor apontou para o garoto, que não havia percebido que havia outra pessoa ali com ele. Era uma garota da mesma idade que ele, com cabelos longos e loiros. Suas roupas eram um vestido branco com uma camiseta preta, semelhantes às do garoto, que também usava as mesmas cores.

Ele se apressou e sentou-se no trono a esquerda. Este era totalmente desconfortável, e por isso olhou para frente para ver o rosto da pessoa que faria o teste com ele. 

Nesse momento, o tempo pareceu parar. Era como se houvesse um espelho à sua frente. Era como se tivessem sido clonados, e parecia que o outro espécime teve a mesma reação. Os dois se cumprimentaram.

— Irmã, faz um tempo que a gente não se vê — o garoto quebrou o silêncio enquanto sorria sem sentimentos.

— Certamente, mas parece que você sobreviveu todo esse tempo — ela disse enquanto olhava para o irmão, analisando o seu corpo.

Não foi o melhor reencontro entre irmãos. Isso porque os espécimes não tinham sentimentos fortes. Seja felicidade ou ódio, eles não podiam sentir essas emoções.

Se eles sentissem aquelas emoções, eles iriam ser descartados. E mesmo que, para a idade deles fosse jovem, eles descobriram como funcionava o mundo em que viviam.

— Irmã, tenho uma pergunta. Você se lembra de quando chegamos aqui? — perguntou o irmão.

— Quando chegamos e fomos separados? Sim, o que tem? — respondeu à irmã balançando a cabeça em afirmação.

— Bem, fizemos uma promessa. Então, me diga, você se lembra qual era? — o garoto tinha uma expressão complicada.

A garota sorriu e levantou suas mãos como se estivesse em frente a um espelho. O garoto seguiu o movimento, e o cientista sorriu, percebendo quão extraordinários eram aqueles dois irmãos.

Os dois repetiram a mesma frase.

— Você é, eu, e eu sou você. Toda dor que tiver e toda ação que tomar, eu irei fazer também.

Assim, os gêmeos encostaram a testa um no outro. Era como uma ligação que os dois haviam feito. Por isso, lágrimas saíram dos olhos dos dois. Não era como se sentissem a dor do outro no corpo, mas podiam senti-la em seus espíritos.

Depois que os dois se separaram, ao mesmo tempo, eles sorriram e olharam para o cientista, fazendo-o ficar confuso e um pouco surpreso. Era realmente como um espelho refletindo a mesma feição e posição.

— Certo, vamos começar o teste. Primeiro, você irá começar a lembrar do que passou para chegar onde está, ou seja, o caminho até o topo.

Ele apontou para a irmã, e ela começou:

— Cheguei a um ambiente hostil onde apenas o mais forte iria sobreviver. Então, eu me tornei a mais forte. As pessoas confundem força com habilidade física, mas o que realmente importa é a mente. Por isso, todos os outros perderam. Eu era forte, não apenas fisicamente, mas também mentalmente. Após derrotar a todos, fiz com que todos se ajoelhassem perante mim. Alguns se aliaram a mim, enquanto outros apenas ficaram longe. Todos deveriam me obedecer, já que é preciso ordem para que eu possa subir. E assim foi feito, mesmo todos se matando, eu ficava no topo.

O cientista balançou a cabeça em afirmação e, em seguida, virou-se para o garoto e pediu-lhe que falasse o que havia feito. O garoto repetiu o mesmo que sua irmã havia dito, com a pequena diferença dos aliados, que era mais uma decisão dele, já que não gostava de ficar sozinho por tanto tempo. E a pessoa que ele poderia escolher não poderia ser tão baixa. Assim, ele ficou perto dos poderosos. Era impressionante para o cientista, e por isso ele ficou com um gosto amargo em sua boca.

O que ele estava prestes a fazer iria criar o melhor fantasma do mundo. Mas a que custo?

— Quero agora que vocês realizem o teste. Vocês estão vendo a arma à frente, certo? — perguntou o cientista.

— Sim — responderam as duas crianças.

— Então, quero que vocês escolham: quem irá receber a bala e a salvação, e quem irá perecer e se transformar em um fantasma?

Os gêmeos se olharam. O irmão pegou a arma primeiro. O cientista havia pensado que ele iria atirar primeiro, mas o garoto apenas colocou a bala no tambor e entregou-a para sua irmã. E assim ela fez o mesmo. Ela colocou sua bala no tambor e apenas colocou a arma na mesa novamente. Os dois se olharam novamente e sorriram. Finalmente, o irmão abriu a boca.

— Irmã, nunca pude proteger você e a mãe, e nunca fiz nada por mim. Prefiro que você atire em mim — o irmão colocou a mão sobre o seu peito.

A garota sorriu.

— Irmão, nunca pude viver por sua causa. Você sempre esteve doente, e sempre fez coisas que prejudicavam o relacionamento familiar. Então, irei atirar em você.

O garoto sorriu e apontou para sua cabeça.

— Você deve mirar na cabeça, para que eu possa sentir a misericórdia.

A garota pegou a arma e mirou na cabeça do irmão, e no momento que viu a cena, o cientista ficou surpreso e assustado. Que tipo de monstro ele havia criado? Eles apenas decidiram internamente; estavam perfeitamente sincronizados.

 O homem olhou para os dois atentamente e percebeu algo curioso: o irmão chorava com um olhar vazio, enquanto a irmã também derramava lágrimas, com um rosto triste. Eles falaram as últimas palavras um para o outro.

— Aqui morre uma parte de mim, eu peço perdão, irmão, eu sinto sua dor — os dois disseram ao mesmo tempo.

Os dois então fecharam os olhos e o barulho de um disparo foi ouvido. No mesmo instante, a garota caiu no chão, enquanto o garoto parou de respirar no trono. O cientista foi ver a situação da garota e ela havia desmaiado. 

Ele sorriu com o sucesso de seu experimento, mas algo o fez ficar espantado: o alarme do local havia soado, e com o barulho aterrorizador, disparos e explosões aconteciam. A porta foi aberta do nada, o cientista viu os guardas mortos, junto de um corredor em chamas. 

Ele pensou rapidamente e pegou a garota nos braços, para só então perceber que alguém estava na sala com ele e havia pegado o corpo do garoto. Os dois foram para lados opostos. O doutor não podia deixar que sua criação fosse extinta, nem que seus anos fossem desperdiçados. Assim, naquele dia, a quebra do laboratório e do local de pesquisa de fantasmas foi queimada e perdida.

— Alguém chame um médico! O paciente acordou! O senhor está bem? — gritou uma enfermeira, olhando para o estado do homem com sua face queimada.

Leon acordava no hospital, desorientado e com diversos aparelhos conectados ao seu corpo. Ele se sentou na cama e sentiu seu corpo rígido. Parecia que ele estava preso por algo, mas nada realmente o prendia.

— Parece que você acordou — disse o médico responsável por Leon, um homem de cabelos grisalhos e rosto gentil. 

Leon finalmente entendeu por que estava desorientado; ele estava com algo no seu olho esquerdo, e mesmo quando retirou o curativo, percebeu que não conseguia enxergar direito. O médico colocou um espelho na frente de Leon, que percebia que o incômodo era devido a ele ter perdido totalmente o seu olho esquerdo, sem contar a cicatriz em sua face.

— Senhor, você ficou em coma por 3 meses, então, entendo que esteja um pouco perdido...

Leon ignorou o resto do que o médico estava falando e olhou para a janela do hospital, percebendo que o ano havia passado. Ele sentiu uma presença na sala junto dele e viu o rosto de alguém que conhecia. Encarou as outras pessoas na sala e percebeu que apenas ele podia ver alguém ali. Leon riu, o que fez o médico se surpreender.

— Senhor, por favor...

— Me chame de Aidan — interrompeu o doutor com certa rispidez.

— Certo, senhor Aidan — ele respirou fundo — o senhor tem um presente, que falaram para ser entregue no momento que você acordasse. Disseram ser importante, e era alguém que tinha muitas conexões com o dono do hospital. Então, peço perdão por lhe entregar algo, logo que acordou.

— Não, tudo bem, acho que sei de quem é — respondeu Aidan enquanto olhava o presente.

Aidan pegou a caixa e sentiu um perfume familiar. Assim que abriu a caixa, viu uma carta rodeada de lírios-vermelho-aranha. Ele abriu a carta e a leu.

“Olá, senhor fantasma,

Eu espero que esteja bem e não tão machucado. Eu sempre quis fazer você se lembrar de quem você realmente era. Não sei o quanto se lembra, mas tenho certeza de que lembra de uma criança chata que não largava do seu pé naquele inferno. E foi graças a essa criança birrenta que você prometeu se casar. Que você está livre agora. Eu deixei algumas pistas dos próximos passos do caminho que eu acho que vai percorrer, sendo totalmente detalhado. Isso está onde você tem algo enterrado e alcança os céus.

Aliás, me perdoe por tudo. Me perdoe por você ter que passar por tudo isso de novo. Mas você sabe que a minha vingança também é sua vingança.

Com amor, sua única amada, Celina Carter.”

Aidan leu com um sorriso gentil, e agora, estava na hora de começar finalmente as coisas de verdade. Ele olhou novamente para fora do hospital e novamente, para a pessoa que estava em sua frente.

— Parece que finalmente irá começar a contagem regressiva para o fim do mundo —  exclamou Aidan enquanto olhava para o lugar vazia a sua frente.

Aidan sorriu, fazendo o médico ficar assustado. Aquele sorriso não era normal, e aquele olhar o fazia tremer de medo, tanto que o fez apertar o jaleco.

— Doutor, quanto tempo para eu poder sair do hospital? — perguntou Aidan com certa frieza.

O médico engoliu em seco.

— Apenas algumas semanas, para a reabilitação, senhor Aidan.

— Certo, então, espero contar com o senhor — ele sorriu com gentileza, ou era isso que parecia.

Era novamente o início de algo que balançaria a pobre cidade da prosperidade, e que agora iria talvez prejudicá-la ou destruí-la totalmente.



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