Volume 1
Capítulo 30: Infortúnio do discernimento.
O clima estava estranho. O corredor principal, onde deveria haver uma sensação de alegria, parecia um túnel escuro e úmido. Todos que estavam ali perceberam que aquela escola já havia se tornado algo diferente.
Aidan foi na frente, já que ele tinha a arma e melhor visibilidade. Conforme eles caminhavam pelos corredores, mais o cenário mudava. As salas de aula das crianças estavam destruídas e não havia um sinal de sobreviventes. Podia-se ouvir barulhos de grunhidos e passos correndo. Eles estavam adentrando na toca do leão.
Repentinamente, eles escutaram barulhos perto da sala ao lado deles, o que fez Aidan se surpreender. Ele abriu a porta e sentiu o cheiro de carne podre. Os outros continuaram a caminhar em frente, mas a visão que Aidan teve o fez ficar paralisado. Havia ainda crianças naquele lugar, mas já haviam perecido por causa daquela névoa estranha. Ele tentou olhar para longe daquele conglomerado de carne e seguiu em frente.
Conforme chegavam ao pátio da escola, a sensação de frio na espinha aumentava. O ar do lugar era gélido, mas havia apenas um lugar que parecia intocável: a sala do diretor. Não havia um dano sequer. Aidan foi diretamente para o local.
A sala estava revirada, mas não parecia ter sido atacada pelos Eivados. Quando Aidan olhou para a foto do diretor da escola, ele pôde entender: aquele homem com olhos vazios, aquilo era possivelmente um trabalho de um fantasma verdadeiro.
— Aidan! Vem aqui, encontramos algo! — gritou Camélia.
Eles haviam entrado na biblioteca do lugar e não havia nada de mais, a não ser um grande buraco em forma de escotilha no chão. Aquele lugar vertia uma névoa mais avermelhada do que nunca. Aidan olhou para os pais e eles pareciam ansiosos; Camélia, por outro lado, parecia curiosa. Ele pensou um pouco: seria correto entrar no buraco estranho no chão apenas para sanar a curiosidade?
— Ok, é o seguinte, Camélia, você vem por último, eu vou à frente e vocês ficam no meio. Tomem cuidado onde pisam e também no que tocam — disse Aidan enquanto se preparava para entrar na escotilha.
O lugar era iluminado por dentro, parecia um grande laboratório abandonado. Havia apenas papéis e tubos de ensaio com Ourozina. Isabella percebeu um toca-fitas e, com curiosidade, apertou para tocar o áudio, assustando Aidan e Camélia, que seguraram a mão dela, mas o dispositivo já havia começado a tocar.
— Diário do experimento com a infecção da Ourozina, assunto a tratar: descobrir os efeitos sobre a Ourozina e suas mudanças no corpo humano. As primeiras cobaias a serem submetidas aos experimentos reagiram normalmente com a dose baixa de Ourozina em suas veias. É possível que a transformação fantasma não aconteça com adultos, por isso a organização pega crianças abaixo de seus 10 anos. Porém, a dose letal de Ourozina é comparável a 10 ml, fazendo a cobaia ou ficar louca, ou ter uma parada cardíaca. Descobertas feitas: é possível transformar a Ourozina em uma espécie de gás e administrá-la em pessoas para forçar sua transformação fantasma. Porém, o efeito será comparável a uma dose de adrenalina — o homem parou de falar momentaneamente e respirou fundo — Temos que descobrir como o manancial funciona — a gravação acabou.
Aidan pensou em como aquilo era doentio e assim continuou a caminhar no laboratório, que parecia grande o suficiente para ser uma segunda escola debaixo da terra. E a cada andar que eles desciam, mais eles começavam a ver os experimentos realizados por aquele louco. Chegando ao terceiro andar, havia outro toca-fitas e novamente eles escutaram o que tinha.
— Experimento de estudo do manancial. Me chamo de Praga, algo bem legal, certo? Bem, parece que o estudo de desenvolvimento da Ourozina está totalmente relacionado com o manancial. O local pode ser descrito como uma brecha no mundo, como um portal para outro lugar. Quando entrei naquele lugar, pude ver o mundo à minha volta de uma forma diferente. O líquido que sai daquele lugar é parecido com sangue, mas não é exatamente isso. Para melhor entendimento, vou chamar assim. O sangue tem até mesmo um sistema de defesa. Existem pequenos defensores, animais ou humanos que foram tomados por esse sangue, e essas criaturas não deixam nada entrar naquele lugar, por isso tivemos que matá-los. Porém, não foi uma perda. O sangue contaminado deles fez um avanço na Ourozina. Eu descobri que o sangue desses seres pode ser injetado no sangue humano e transferir essa espécie de infecção para outro. Ou seja, se eles quisessem se reproduzir, bastaria deixar qualquer criatura entrar em contato com o sangue deles.
Voltando para o manancial, o local parece um grande buraco na terra. Ele é composto por rochas pretas metálicas, parecidas com metal, mas muito mais duras. No meio dessas rochas existe uma grande vertente de sangue. Esse sangue é compatível com qualquer forma de vida. Se for transferido para uma pessoa com sangue O negativo, o sangue do manancial irá se transformar em O negativo. Isso poderá avançar as pesquisas sobre o Irmão mais velho. Não terei mais gravações já que eu estarei sujeito a me utilizar como cobaia, então essa é minha última linha de sanidade... — o homem havia novamente parado de falar, mas uma tosse forte veio, junto ao barulho de algo caindo e se estilhaçando — Hehe, parece que meu tempo está chegando. Espero que o soro esteja pronto logo, haha — e assim a gravação acabou.
Todos ficaram parados, quietos. Não havia o que dizer. O local era um campo de pesquisa sobre algo que ninguém ali poderia compreender direito.
— Isso explica por que eles foram atrás de Asha. Ele queria o seu sangue — disse Aidan para o casal.
— Podemos até mesmo ir mais longe dizer que ele também queria outras crianças para tentar o mesmo experimento da organização. Droga, precisamos ir rápido! — disse Camélia enquanto se encaminhava para a escada.
Aidan podia dizer que tinha um bom instinto. Ele sabia que sua intuição nunca havia falhado e, quando sentiu um calafrio na espinha vendo Camélia se aproximar daquela escada, sua mente ficou em caos. Ele correu como se tudo estivesse em câmera lenta. Seus olhos e cérebro processavam a imagem que vinha: ele viu Camélia quase ser atacada por um Eivado, enquanto o casal tinha que correr para outro lugar devido a um homem de máscara de gás e roupas de médico.
O tempo parado fez o corpo de Aidan parecer pesado e, com o esforço que ele tinha que fazer, sentiu seus músculos estalarem. Ele segurou os braços de Camélia e a abraçou, levando um arranhão nas costas. Camélia, que estava desatenta, levou um susto ao ponto de cair no chão com Aidan em cima dela. Pensando rápido, ela pegou a faca e cravou no Eivado que estava em cima dos dois.
Aidan, ofegante, olhou para o estado de Camélia e, vendo que ela estava bem, levantou-se rapidamente e mirou no homem de máscara de gás. Ele não havia feito nada ao casal, mas eles pareciam machucados.
Assim que o homem olhou para Aidan, ele gargalhou.
— Parece que tirei a sorte grande! Você é tão parecido com ele! E também já iniciou no experimento! — gritou o homem enquanto se aproximava de Aidan.
Aidan, sem pensar duas vezes, atirou no homem, fazendo-o cair de joelhos, mas seu corpo ficou rapidamente de pé.
— Olha, isso não vai fazer nada contra mim! — disse o homem enquanto mostrava os locais onde as balas acertaram, totalmente curados.
Aidan não havia percebido até então que o homem tinha a pele cinza e garras nos dedos. Ele parecia um Eivado, mas com consciência.
— Eu adoraria brincar com vocês, mas um caçador chegou na cidade, então teremos que nos encontrar outra hora, meu querido fantasma. Você sabe onde me encontrar! — disse o homem enquanto segurava uma granada em suas mãos. Ele puxou o pino e a jogou no laboratório.
Aidan novamente pensou rapidamente. Ele analisou o local, que estava cheio de químicos que poderiam ser inflamáveis, e olhou para as pessoas que eram importantes. O casal havia chegado a outra escada nesse meio tempo, deixando apenas Camélia e ele perto da explosão. Aidan teria que fazer algo para impedir que os estilhaços e a explosão atingissem Camélia. Ele poderia usar o corpo do Eivado caído, mas ele estava longe demais para conseguir protegê-los. Não havia mesas ou cadeiras fortes o suficiente para isso também. Então, havia apenas uma conclusão: usar seu corpo para proteger Camélia.
Todo esse pensamento durou exatamente 10 segundos, dando tempo para ele dizer algo para Camélia:
— Se proteja! — ele a empurrou para perto de si e a envolveu o máximo possível.
Em apenas um segundo, ele pôde sentir a explosão, com todo o seu corpo sendo violentamente jogado para longe. Ele sentiu sua pele queimar, um sentimento nostálgico passou por sua cabeça, ele perdeu o ar e suas costas queimaram. Ele pôde escutar o grito de dor de Camélia, mas não havia nada a ser feito, ele também havia ficado surdo.
Quando o tempo da explosão passou, ele olhou para Camélia e viu que ela estava praticamente intacta. Sua perna havia se queimado um pouco, mas não algo tão grave. Ele olhou para o rosto dela e ela tinha os olhos fechados. Olhou em volta e viu que foram lançados contra a parede, mas Aidan não podia dizer se foi ele que empurrou os dois ou se a granada fez aquilo. Tentou respirar fundo, mas uma dor aguda assolou suas costelas. O cheiro de queimado começou a ficar presente, e isso fez Aidan chamar Camélia.
— Lia, por favor, se puder se levantar, por favor se levante. O local vai começar a pegar fogo em breve — disse Aidan enquanto tentava se mexer.
Camélia, escutando o que Aidan havia falado, notou algum líquido caindo sobre seu rosto. Ela abriu os olhos para ver o corpo de Aidan completamente queimado. Sua cabeça estava sangrando, ele só estava consciente devido à Ourozina em seu sangue. Ela sentiu sua perna direita doer, mas não havia tempo para pensar. Ela se moveu para sair de perto de Aidan e percebeu que havia um pedaço de aço atravessando as costas de Aidan.
— Aidan, suas costas! Tem... — ela não conseguiu terminar a frase.
— Ah, é por isso que eu não tô conseguindo respirar direito, haha — disse Aidan com um sorriso sarcástico no rosto, para em seguida cuspir sangue.
Ele não podia deixá-la daquela forma. Tentou se mexer o mínimo, mas aquele ferro nas costas estava atrapalhando. Camélia o ajudou. Ele olhou em volta e viu que o local havia começado a pegar fogo. Aidan lembrou do casal e viu que eles estavam bem, apenas um pouco mais assustados.
— Isabella, Sebastian! Voltem para cima por essa saída, vão para o hotel! Nos encontraremos lá — disse Aidan tentando falar sem cuspir sangue.
O casal não perdeu tempo e começou a subir as escadas. Aidan também não queria morrer sangrando e começou a sair pela outra saída, uma única porta no fundo do laboratório. Começou a caminhar com Camélia para fora, percebendo que aquela porta dava para a floresta que rodeava a cidade. Eles estavam nos fundos da escola, e isso aliviou Aidan, fazendo-o cair de joelhos.
A floresta estava diferente. O local estava cheio de neve, as árvores com aqueles malditos olhos olhando para ele. Sua mente havia travado. Ele estava lidando muito bem com a dor até aquele exato momento. Ele olhou para a pessoa que estava encostando em seus ombros e não podia escutar exatamente o que ela falava. Aidan apenas sorriu ao sentir a neve cair sobre seu corpo. Aidan tinha apenas um pensamento que acabou falando em voz alta.
— Eu gostaria de ver a neve, mas não desse jeito. Isso não parece neve de verdade, nem é totalmente branca. É avermelhada, haha — uma risada suspiro saiu da boca de Aidan, que sentia suas mãos e pernas ficarem geladas.
Aidan não conseguia sentir nada. Talvez ele estivesse morrendo de verdade naquele momento. Talvez sua mente apenas não quisesse ligar para toda a dor que sentia e, por isso, estava fazendo ele ficar dormente. Mas o que realmente fazia sua mente ficar mais acelerada era o homem que vinha na direção dele, um homem de sobretudo preto e chapéu, com uma espada medieval cheia de sangue. Aidan olhou para aquela cena e pensou ser uma alucinação, mas quando viu que Camélia gritou algo, ele ficou preocupado. Sua mente não aguentava mais e ele desmaiou naquele lugar.
Camélia não podia fazer nada. À sua frente, um caçador. Ela não esperava encontrar um ser daquele na sua vida.
— Pare onde está! — gritou Camélia, segurando a arma de Aidan.
O homem parou de andar e tirou seu chapéu. Ele tinha olhos afiados e vermelhos, seus cabelos eram longos e pretos, sua pele era branca como a neve e suas roupas pareciam que foram lavadas com sangue.
— Senhorita Camélia, eu não quero lutar com tu, apenas com aquele fantasma — disse o homem com certo sotaque.
— Se você me conhece, por que está tentando atacar? Quem te enviou? — perguntou Camélia enquanto ganhava tempo para pensar em um plano.
— Senhora, eu vim por conta própria. Tenho assuntos a tratar com esse fantasma — disse o homem enquanto se aproximava lentamente.
Camélia olhou para Aidan e percebeu que, por mais que ele estivesse caído, ainda estava respirando. Isso a fez respirar fundo. Ela teria que lidar com o maior assassino da organização.
— Qual é o assunto com ele, caçador? — perguntou Camélia enquanto se abaixava perto de Aidan. Ela tinha um plano agora.
— Esse homem matou meus irmãos, senhora. Por isso, estou apenas buscando uma egoísta vingança. Então, se você puder se afastar dele, terminarei isso rápido e não encostarei em ti — respondeu o homem chegando perto o suficiente.
Camélia pegou uma seringa de seu bolso e, ao mesmo tempo, jogou a pistola na cabeça do homem. Em um instante, ela injetou Ourozina em Aidan, enquanto o homem cortou a arma ao meio, correndo em direção a Camélia.
Mas foi parado pelo braço de Aidan, que segurou a espada com a barra de ferro que estava em seu corpo. Ele havia arrancado e se protegido em apenas dois segundos de diferença.
— Olha só, parece que nem é mais você, fantasma — disse o homem olhando para Aidan.
Camélia olhou para Aidan e se assustou. Ele tinha um sorriso assustador, seu corpo aos poucos se curava em uma velocidade assustadora, sua pele parecia mais acinzentada e seus olhos estavam vermelhos como os do caçador.
— Aidan? — perguntou Camélia, receosa.
Aidan não olhou para ela. Qualquer que fosse aquela coisa, não era Aidan em seu corpo. Aquilo olhou para Camélia como um caçador olhando para sua presa.
— Você acha que tem tempo para olhar para outro lado? — gritou o caçador enquanto chutava Aidan para longe. — Você vai morrer hoje, fantasma! — disse o caçador.
O homem começou a tentar atacar o corpo de Aidan, enquanto ele desviava ou segurava o ataque com a barra de ferro. A luta parecia diferente para cada um. Para Camélia, Aidan estava tomando muitos cortes e continuava de pé. Para o caçador, Aidan estava resistindo demais. E para aquela coisa no corpo de Aidan, ele estava apenas brincando. Mas quando o caçador acertou um golpe no ombro de Aidan, tudo aquilo perdeu a graça e, por isso, aquilo contra-atacou.
O corpo de Aidan esperou um ataque pesado e fácil de desviar do caçador, que já estava estressado emocionalmente, e atacou o homem com a barra de ferro, perfurando seu abdômen, fazendo o caçador cair no chão.
Aquilo no corpo de Aidan então chutou a cabeça do caçador, fazendo-o cair para trás e desmaiar. Camélia então se aproximou de Aidan, mas não conseguia mais o ver como antes. Parecia alguém diferente.
— Quem é você? — perguntou Camélia, assustada.
— Eu sou... bem, não importa agora. Cuide do garoto — aquilo disse enquanto sorria para Camélia, e em seguida caiu no chão.
Camélia, mesmo com medo, respirou fundo e carregou o corpo de Aidan para algum lugar seguro. O lugar perfeito apareceu em meio à floresta: uma cabana na frente de um lago. Ela tinha muitas dúvidas na cabeça, mas não podia questionar ninguém sobre aquilo. O que a princesa havia feito com o corpo de Aidan? E por que todos conseguiam ver algo diferente nele?
Camélia não podia deixar aquilo para trás. Ela percebeu que a presença de Aidan era muito importante para a organização. Afinal, como ele ainda não havia sido morto pelo próprio rei? Era fácil para ele acabar com o fantasma com seu poder militar.
Ela não podia deixar de pensar no que Aidan ainda iria enfrentar por apenas existir naquele mundo. Isso a fez perceber algo: ela estava pensando demais em Aidan ultimamente. Desde sentir falta de sua presença até se preocupar com sua vida. Ela nunca havia sentido aquilo antes e, por isso, se interessou mais ainda nele.