Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 3: Corvo (1)

O cansaço de Leon podia ser visto em seu rosto suado. O que ele não estava entendendo era a mulher que estava alegre na sua frente; ela estava subindo aquelas escadas de pedras totalmente íngremes e perigosas sem um pingo de cansaço em sua face.

— Podemos fazer uma pausa? — disse Leon enquanto se abaixava.

O sol estava quase se pondo, então parecia que tudo estava escuro, mas o problema era sua falta de ar.

— O quê? Mas fizemos uma, não faz nem mesmo 30 minutos! — exclamou Celina enquanto olhava para o relógio em seu pulso.

Leon olhou para trás e viu o quanto de escada ele ainda teria que descer após chegar no topo. Ele pensava:

“Como meu pai conseguia com a perna manca dele subir e descer tudo isso de escadas?”

— Certo, eu tô indo. — ele caminhou lentamente e exclamava. — Mas me espere para recuperar o fôlego!

Os dois começaram a caminhar novamente, e lentamente eles perceberam a mudança do ambiente, que antes limpo, agora estava cheio de plantas e pequenas árvores, além das escadas, estarem cada vez mais gastas e rachadas.

E depois de 30 minutos subindo uma seleção de escadas precárias, eles finalmente chegaram no topo, e a primeira coisa que eles viram foi o jardim do local.

O jardim não parecia deste mundo; a montanha era chapada no topo e várias árvores estavam lá, parecendo formar uma floresta, mas não era o que aparentava, já que as árvores eram grandes e com troncos largos, parecendo ter muito mais do que tinha.

— Nossa, eu daria qualquer coisa para viver em um lugar assim — disse Celina enquanto tinha uma expressão de surpresa em sua face.

Depois de Leon recuperar o fôlego, ele olhou para aqueles olhos cheios de determinação e sorriu. Fazia tempo que Leon não trazia alguém para aquele lugar, assim como fazia tempo que ele o visitava.

— Bem, vamos andando em frente, a casa tá logo ali.

Os dois caminharam pelas árvores que já estavam velhas e cheias de restos de outros animais, até eles chegarem em uma velha casa que parecia estar totalmente intacta.

Leon pensou que poderia estar ficando louco, já que a casa parecia do mesmo jeito que ele a tinha deixado anos atrás.

Ele chegou na entrada e um tapete azul marcava o local onde era para deixar os sapatos; Leon lembrava de como sua mãe gostava que a casa sempre fosse limpa, e por isso ninguém entrava com sapatos sujos.

Ele pegou no trinco, para ter um sentimento nostálgico de quando corria naquele jardim e abria a porta rapidamente e ia para a cozinha para comer alguma coisa.

Leon abriu a porta com as chaves que ainda guardava, e no momento que viu a sala de estar, ele sentiu um pouco de tristeza.

Ela estava totalmente abandonada e cheia de poeira, junto dos quadros de sua mãe e outros objetos que ele deixou para trás; Leon entrou e caminhou pelo ambiente, vendo fotos da família em dias felizes, ele até mesmo esqueceu que estava acompanhado sendo lembrado quando Celina falou algo.

— Parece que você gostava bastante do lugar — ela caminhava lentamente enquanto observava as coisas a sua volta.

— Pode se dizer isso; era a única casa que eu lembrava de ter.

— O que quer dizer com isso?

Leon andou para o corredor à direita da sala onde os quartos ficavam.

— Eu não tenho memórias de quando eu era pequeno; para ser exato, eu não me lembro de nada dos meus 14 para baixo, que foi quando eu fui adotado pelo meu pai.

— Me desculpe entrar em uma conversa tão delicada — disse Celina enquanto apertava suas mãos em um punho.

Leon olhou para Celina que estava com a cabeça baixa e sorriu. Ele não se importava, mas ver ela se importando fez seu coração ficar aquecido, uma pequena sensação de intimidade.

— Não se preocupe, eu estou contando porque eu não me importo de você saber; já se passou tanto tempo, eu estou bem com isso — disse Leon enquanto tocava o ombro de Celina com um sorriso no rosto.

Leon caminhou para o último quarto da casa e viu o bilhete na porta; ele suspirou e Celina, vendo tal ação, ficou um pouco preocupada, e se aproximando de Leon, ela pode ver o rosto dele ficar triste. Ela reuniu coragem e o perguntou:

— O que aconteceu?

Ele olhou para Celina com um sorriso envergonhado e respirou fundo, abrindo a porta do quarto.

A visão que os dois tiveram era terrível; na parede havia marcas de sangue e a parede um pouco rachada, aqueles vestígios estavam justamente do lado de uma cama com uma foto de uma mulher parecida com Victor, assim que Celina percebeu o que havia acontecido, Leon respondeu à pergunta dela:

— Nossa mãe estava doente, e nosso pai não sabia o que fazer, e justamente quando o tempo veio, e ela se foi, ele ficou desamparado. Ele se trancava nesse quarto, onde a mãe havia morrido; ele não saía por nada — Leon tinha uma expressão triste; ele se aproximou da cama e se sentou na ponta dela. — Nesse tempo eu e meu irmão tentamos fazer o possível, mas nunca conseguimos o salvar, até que certa noite, eu encontrei pequenos bilhetes com fitas; esses bilhetes ele deixava quando íamos caçar; era a forma de a gente não se perder dele e também saber o que fazer na situação — ele encostou suas mãos no colchão e suspirou. — Eu segui os bilhetes e acabei chegando justamente na hora que a bala acertou sua cabeça; eu não pude fazer nada e fiquei paralisado, vendo o corpo do meu pai…

Celina se aproximou de Leon e encostou em seu braço, mas dessa vez Leon pôde sentir um toque gentil vindo dela; ele olhou para a face de tristeza de Celina e se levantou.

— Bem, vamos para onde ele está agora, certo?

— Certo… — Celina observou por alguns segundos a mancha na parede, até seguir Leon.

Leon seguiu para a sala e lembrou de algo que o pai dele gostaria que ele tivesse quando fosse mais velho.

Ele foi para perto do sofá e abriu uma gaveta antiga; dentro dela havia uma pistola ainda carregada; Leon observou o objeto e balançou a cabeça, logo fechando a gaveta e saindo da casa.

Já estava ficando tarde, então os dois se dirigiram para os túmulos dos pais de Leon; era perto de um precipício, por mais que ele fosse pequeno, continuava perigoso se aproximar da ponta, mas naquele momento ele não podia deixar de se sentar lá para ver o pôr do sol.

Ele colocou flores no túmulo de seu pai e mãe, e notou que tinha traços de outras flores lá também, possivelmente de seu irmão.

Leon se sentou e abriu uma cerveja; ele pôde ver o pôr do sol de onde estava, junto de toda a cidade.

Celina se sentou ao seu lado, junto de uma cerveja na mão; Leon havia encontrado alguém extraordinário naquela pequena cidade, e isso causou nele um sentimento de curiosidade, um sentimento de querer se aproximar daquela pessoa e também saber tudo sobre ela.

— O que está pensando me observando assim? — perguntou Celina enquanto olhava para Leon.

Celina quebrava os pensamentos de Leon; ele desviou o olhar com um sorriso envergonhado.

— Nada, é só… eu quero saber mais sobre você, talvez sobre os seus pais, já que contei sobre mim…

Ela olhou para o horizonte como se estivesse lembrando de algo e sorriu amargamente.

— Bem, eu não tive um bom pai como você, Leon, já que meu pai era dono de uma grande empresa e sempre gostava de controlar as pessoas — ela tinha tomado outro gole da bebida. — Além de ver apenas os empregados em vez de filhos na sua frente, e por isso vim para essa cidade, fugi para um lugar onde posso ficar livre de verdade e também dei o troco no meu velho roubando a minha parte da empresa dele, então acho que estou bem.

Leon achava estranho Celina falar do seu passado como se não importasse para ela, mesmo ela fazendo uma cara de sofrimento, mas talvez entendesse os sentimentos que ela tinha; ela era como ele, uma alma perdida e à procura de algo de valor na vida.

Os dois ficaram ali por um tempo conversando e bebendo cervejas até anoitecer; parecia que o tempo passava diferente para os dois, que agora estavam apoiados um no outro, e a conversa animada dos dois se quebrou no momento que Leon recebeu uma ligação.

— Sim?

— Então, descobrimos várias coisas sobre o corpo; preciso que venha aqui na delegacia se tiver tempo — disse o Delegado com um tom de urgência.

— Certo.

Leon suspirou, já que sua folga já tinha acabado; ele olhou para Celina, que estava sorrindo para o horizonte.

— Preciso ir, mas irei te acompanhar até sua casa — disse Leon enquanto se levantava e estendia sua mão para Celina.

— Oh! Que cavalheiro você é — respondeu Celina com um sorriso de deboche.

— Isso se chama gentileza.

Os dois pegaram o lixo e começaram a descer a montanha; de alguma forma, Leon achou a descida mais fácil que a subida, talvez seja porque seu coração estava limpo e sua companhia era uma pessoa que lhe interessava. Ele não sabia exatamente quais eram os sentimentos: desejo? Amor? Talvez carência?

Tudo que ele podia saber era que ele estava à vontade com alguém pela primeira vez em alguns bons anos, o que fez Leon duvidar de si.

Logo na frente da casa de Celina, ela parou antes de entrar; ela se virou e falou no ouvido de Leon:

— Após você saber os crimes, você pode me visitar, o que acha?

Leon, sentiu o suspiro da voz de Celina em seus ouvido, o que causou dele ter um arrepio; ele olhou para a garota que estava sorridente e Leon sorriu de volta.

— Claro, eu chego quando tiver tempo.

— Estarei esperando.

Ela sorriu novamente e deu as costas para Leon; ele, após sorrir como um bobo por um minuto, foi diretamente para a delegacia.

Chegando lá, Leon sentiu o clima do local ficar sombrio; ele esfregou o rosto antes de entrar na sala designada para a investigação, e quando entrou pôde ver o rosto cabisbaixo do delegado no local.

— Então o que descobrimos? — perguntou Leon com seriedade.

O delegado apontou para as fotos e as anotações; Leon pegou os papéis e fotos e começou a analisá-los.

Primeiramente eles estavam certos sobre o corpo ter sido costurado novamente com enchimentos para o prender naquela posição ajoelhada, mas tinha mais um detalhe, estava faltando o cérebro da vítima; era por isso que tinha uma marca na testa da vítima. Também tinha uma estranha tatuagem no pescoço que era o símbolo nulo.

Em questão do local do crime, a casa tinha uma câmera no teto, o que causava a goteira; os papéis que estavam no chão formavam uma espécie de palavra “Phantázein”, o que deixava as coisas um pouco mais confusas.

Leon percebeu o grande texto que havia acompanhado da foto e perguntou para o delegado o que era.

— É um conto de fadas; bem, era para ser um conto de fadas, mas é mais assustador e gráfico do que muitos por aí.

Leon começou a ler o tal conto.

“Existia um corvo, que sempre quis ver o mundo pelos seus próprios olhos; ele tinha a ânsia de curiosidade, mas sempre foi avisado pelos outros animais que não poderia se envolver com os monstros. O corvo não ligou para aquilo e viajou pelos lugares, e logo no primeiro que visitou, ele encontrou um homem que chamou sua atenção, por ter a vontade de descobrir sobre o outro lado, algo que o corvo não sabia sobre o que era, chamando sua atenção. O corvo observava o homem e quebrando a regra de falar com os humanos, ele perguntou ao homem:

— O que te deixa tão aflito, humano?

— Ó! Pequeno corvo, eu tenho que cumprir meu objetivo, mas tenho medo de passar do limite e acabar me perdendo.

— O que tem que pesquisar, humano?

O homem respondeu:

— Eu tenho que saber o porquê da vida; esse é meu fardo. Quero saber sobre o que vem depois!

O corvo, sentindo o desespero e desesperança do homem, decidiu ajudá-lo.

— Então, deixe-me ajudar.

Os dois começaram a tentar descobrir o sentido da vida inicialmente, mas quanto mais tempo se passava, mais o homem ficava obsessivo pela descoberta da vida e sua pesquisa.

O tal “outro lado” era diferente do que imaginava; ele precisava de algo vivo e a única coisa que existia ali era seu amigo corvo, o que causou ele aprisionar o pobre pássaro, mas o animal ainda era esperto e por isso conseguiu confrontar o homem.

— Você não entende, corvo? Isso é meu propósito! Tenho que usar esse conhecimento para ajudar as outras pessoas!

O corvo respondeu:

— Você não percebe? Você está se tornando um monstro! Uma criatura obsessiva e perdida! Não é tarde demais! Você pode voltar, você não precisa acabar desse jeito!

— Não, é tarde demais! Eu achei finalmente o propósito da minha vida! E com isso, salvarei aqueles que também estão perdidos iguais a mim!

O homem então atacou o corvo, mas o animal escapou e o observou de longe, o homem se transformando em um monstro, que perseguia e sequestrava pessoas para descobrir sobre a vida, ou o que quer que fosse o que ele estava pesquisando.’’

De fato, era uma história estranha para estar naquele lugar, mas podia ligar alguns pontos sobre o que o assassino estava falando.

— Tem mais alguma coisa sobre a vítima? — perguntou Leon para o detetive.

O delegado estalou a língua e tacou uma pilha de cartas e outros documentos na mesa.

— E o que seria isso?

— Isso é um monte de merda que esse desgraçado estava fazendo, desde denúncias de abuso às crianças da escola, até tentativa de sequestro; aliás, é por isso que a esposa se divorciou dele. Parece que o filho da mãe tinha algum tipo de pesquisa envolvendo crianças — podia-se ouvir o nojo na voz do Detetive.

Leon viu as evidências e as tentativas de contato com a polícia sobre o envolvimento do professor com menores de idade, além das cartas que continham um teor muito esquisito que Leon não quis guardar na sua mente.

Ele então começou a analisar outras cartas diferentes; elas eram mais cuidadas e tinham um adesivo de um símbolo nulo; todas pareciam de cunho religioso, o que não faz sentido para o perfil do professor, que era ateu, mesmo elas dizendo o oposto. Elas diziam sobre um culto?

— Ele participava de um culto? — perguntou Leon.

— Sim, e por isso ele desaparecia do nada; parece que esse culto tem algo a ver com espíritos ou fantasmas.

Leon percebeu um detalhe: todas as cartas tinham algo em comum, o destinatário, que era relacionado com um tal de cientista, alguém que ele admirava muito e parecia ser parceiro.

Leon respirou fundo e se sentou na cadeira; ele tinha muitas coisas: a parte faltando do corpo, o culto, a relação sobre os abusos, o conto do corvo e agora as cartas sobre um culto que era sobre fantasmas. Tudo estava se conectando para contar uma história de alguém que se envolveu com o professor.

Mas algo não fazia sentido; se o assassino queria vingança, por que ele havia feito todas aquelas coisas? Por que deixar pistas para trás e fazer algo tão elaborado?

Mesmo pensando sobre o assunto, tudo que ele podia fazer era investigar as pessoas que sofreram abusos e também aqueles que eram próximos do professor. Depois de alguns minutos olhando outras evidências e não encontrando nada suficiente para levar a um suspeito, alguém entrou na sala desesperado.

— Delegado! Acharam mais um corpo com as mesmas características do anterior! — exclamou um agente da polícia.

— O quê? Onde foi isso? — perguntou o delegado enquanto se levantava com pressa.

— Achamos ele em um beco na cidade!

— Leon, se prepare, e vamos lá agora!

— Sim, senhor!

Eles se prepararam para o pior e correram para o local.



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