Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 28: Cidade turvada.

Aidan e Camélia não podiam deixar de ficar surpresos com as palavras que ouviram. Aquele final de tarde havia apenas começado para aqueles dois, e, quando saíram da sala de Augusto, ficaram parados, estáticos, pensando no que fazer, principalmente Aidan, que não teve tempo para digerir as informações que havia recebido.

A Ourozina era a principal causa para eles estarem ainda vivos e também a principal causa de luta naquela ilha. Sem contar que o problema nas fábricas ser algo relacionado às antigas tribos dava uma pequena dor de cabeça em Aidan.

Aidan pensou em falar com Camélia sobre aquilo, mas percebeu que ela estava parada, apenas olhando para o nada. Ela havia odiado tanto aquela sugestão de estar com Aidan que havia ficado daquele jeito?

Aidan não gostava daquele pensamento e, por isso, encostou em seu ombro, escutando um barulho indescritível sair daquela mulher. Surpreso, Aidan perguntou:

— Tá tudo bem com essa decisão? Você ainda pode recusar se isso te incomoda.

Aidan estava pensando negativamente de si. Ele sabia que não era a melhor pessoa para se ter como companheiro, mas a resposta de Camélia o surpreendeu.

— Não tenho problema nenhum. É só que meus planos foram arruinados. Eu não gosto da cidade devido à fábrica e também pelas tribos que não gostam de mim. Por isso, mandaria a empregada junto de Asha, mas agora não tem jeito — disse Camélia, enquanto cruzava os braços.

— Certo, pensei por um momento que era por minha causa — disse Aidan, tentando jogar uma isca.

Camélia olhou para aquele homem e pensou, pela primeira vez na vida, que um fantasma era burro. Mas ela respirou fundo e retirou o véu. Não acreditava que iria tentar consolar um adulto por um mal-entendido.

— Olha, só porque eu não sou um fantasma que vou julgar você. Eu já entendi que você tem uma personalidade estranha, e eu aceito isso. Você realmente vai me fazer dizer o óbvio? — questionou Camélia, enquanto olhava para os olhos de Aidan, que rapidamente começaram a sorrir. Assim, ela percebeu que tinha caído em uma armadilha. Sentiu um calafrio no corpo e se arrependeu de ter olhado para o rosto confiante de Aidan.

— O que foi? Por que ficou tão séria? Eu tenho certeza de que vamos nos dar bem! Ainda mais que estou com você, certo? — Aidan olhou nos olhos de Camélia. Ele sabia que poderia usar um pouco dos olhos fantasmas nela.

Camélia desviou o olhar e começou a caminhar. Ela precisava fugir daquele monstro que havia cutucado, mas rapidamente Aidan a seguiu e segurou suas mãos, fazendo-a se virar. Ela sabia que aquele movimento era perigoso e também sabia que estava errado, mas algo a fez ficar relaxada perante a situação. Assim, ela parou de andar e olhou para os olhos daquele homem. Ela viu algo que os fantasmas não sentiam: vergonha. Aidan estava vermelho como um tomate, e isso foi engraçado para Camélia. Ela lembrava que, quando fantasmas queriam seduzir alguém, eles poderiam fazer isso facilmente, ainda mais com seus olhos chamativos. Mas aquilo que Aidan estava fazendo era muito diferente, e, por isso, soltou uma pequena risada.

— Olha, meu querido Aidan, eu não vou cair em suas artimanhas. Precisamos nos conhecer melhor primeiro. E outra coisa, acho que você vai estragar nossa ida para a cidade falando que vai dar tudo certo — disse Camélia, enquanto soltava a mão de Aidan da dela. Ela observou a cara daquele homem parecer um cachorrinho abandonado, e isso fez ela sorrir ainda mais.

— Então, o que iremos fazer agora? — disse Aidan, tentando mudar de assunto.

— Vamos para a cidade. Agora ainda dá tempo de pegarmos o carro e tentar conversar com algum morador — respondeu Camélia, enquanto se virava de costas para Aidan novamente.

— Certo. Então iremos levar Asha e Anna também?

— Não, somente Asha, já que ela tem a família dela aqui. Talvez possamos encontrá-los.

Aidan pensou um pouco no que iria fazer e percebeu que estava com Camélia, os dois sozinhos. Isso seria uma bela chance. Mesmo que Asha estivesse com eles, ainda seria uma boa oportunidade, e isso fez ele sorrir um pouco.

— O que foi? — perguntou Camélia em tom de desconfiança.

— Nada! Apenas lembrei de algo bom — respondeu Aidan, com um sorriso confiante.

Os dois se prepararam para partir, e como as malas de Asha já estavam prontas, foi mais rápido. Aidan e Camélia tinham poucas roupas, já que iriam ficar pouco tempo naquele lugar, mas Anna ficou desconfiada e colocou algo especial na bolsa de Aidan.

— Sabe, coloquei um brinquedo na sua bolsa, aquele de furar moletom — disse Anna enquanto se despedia de Aidan.

— Certo… certo?! — gritou Aidan, surpreso.

Ele olhou para a bolsa e perguntou-se quando ela arranjou aquilo, mas apenas agradeceu a Anna. Ele poderia não usar aquilo, mas ter mais um pouco de segurança não era nada mal.

Depois de algum tempo de preparação, Aidan, Asha e Camélia estavam prontos para partir. Eles tinham que chegar antes da meia-noite na cidade, para logo de manhã começar a investigação entre os moradores. Aidan olhou para Asha, que parecia animada e pouco consciente da sua situação. Ela ainda havia sido sequestrada naquela mesma cidade, e por isso, após entrar no carro junto a todos, ele falou para Asha:

— Asha, se lembra de que, se algo ruim acontecer, corra, se esconda ou procure alguém confiável. O melhor seria se você ficasse comigo o tempo todo, mas, se algo acontecer, por favor, fuja, ok? — disse Aidan.

— Certo, Dan! — respondeu Asha, fazendo uma cara séria.

Não tendo passado nem mesmo alguns minutos desde que começaram a ir para a cidade, Aidan começou a sentir um frio estranho. Sua mente parecia estar ficando alerta, o que o fez lembrar dos sintomas da Ourozina. Ficando mais atento ao seu redor, ele notou que o deserto à sua volta estava ficando cada vez mais distante, dando lugar a montanhas, junto de uma névoa estranha. Ele pensou ser fumaça, de tão densa que era, mas ao perceber que ela estava em todo lugar, aquilo o deixou surpreso e desconfiado.

— Camélia, é normal o deserto estar tão frio assim? — perguntou Aidan.

— Sim, já que é um deserto, mas eu também estou sentindo um calafrio, o que é esquisito, pois não deveria estar tão frio — respondeu Camélia, olhando para a estrada.

Conforme se aproximavam da cidade, aquela névoa ficava cada vez mais avermelhada e densa, ao ponto de Aidan não conseguir ver muito bem. Ele sabia que aquilo não era normal. A estrada à sua frente desaparecia, e atrás dele não havia nada. Os faróis altos do carro não iluminavam nem um metro à frente, mas Aidan não podia parar o carro. Ele sentiu algo estranho, seus sentidos aguçados estavam dizendo para não parar por nada.

Depois de alguns minutos, uma esperança apareceu ao lado da estrada: uma placa de ferro totalmente enferrujada, dizendo "Bem-vindo à cidade Mons". Aidan não pôde deixar de ficar surpreso por aquela placa estar de pé, de tão podre que ela estava. Aos poucos, os horizontes foram se abrindo, e mais uma cidade foi aparecendo em meio à névoa.

Quando finalmente chegaram à cidade, a entrada onde estavam era uma montanha, e ela dava visão para toda a cidade, que parecia estar em um grande buraco. Aidan percebeu que aquela névoa estranha estava cercando a cidade como um muro. Ela era densa e avermelhada, as ruas daquela cidade estavam vazias, sem uma única alma ou animal naquele lugar, o que Aidan não estranhou, já que era tarde da noite. Mas as lojas e casas também estavam com suas luzes apagadas, o que deixou uma pulga atrás da orelha.

Assim que chegaram ao centro da cidade e ao local onde iriam ficar, Aidan não pôde deixar de notar que o local parecia abandonado, tendo apenas uma luz acesa. O local era uma grande casa, antiga e feita de madeira, extensa como um galpão velho, mesmo que ainda fosse considerada uma casa.

— Você tem certeza de que esse é o único lugar que podemos dormir? — perguntou Aidan, incrédulo.

— Mesmo que não seja bonito, era o único hotel da cidade, então vamos fazer um pequeno esforço, ok? — respondeu Camélia, enquanto pegava as mãos de Asha e a guiava para dentro da casa.

— Eu vou estacionar o carro e pegar as bagagens, faça o check-in enquanto isso — disse Aidan, enquanto voltava para o carro.

Camélia apenas fez um sinal e entrou na casa. Aidan olhou para aquele estacionamento saído diretamente de um cenário de filme de terror e achou que Deus estava brincando com ele.

Ele estacionou o carro e tirou as suas bagagens, quando escutou um barulho estranho na floresta atrás dele. Ele encarou a escuridão, lembrando-se da mansão do Bispo, e ficou arrepiado. As árvores pareciam ter olhos que o encaravam. Ele escutou novamente o barulho e, pensando em sua segurança, disse apenas uma coisa:

— Não, não escutei nada, só preciso voltar para dentro.

Aidan pegou rapidamente as bagagens e se encontrou com Camélia na recepção do lugar. Ela parecia confusa e estava com Asha perto de suas pernas. Ela olhou para Aidan com dúvida.

— O que houve? — perguntou Camélia, olhando para o rosto pálido de Aidan.

— Nada, apenas está um pouco frio, haha — Aidan tentou não mostrar que estava apreensivo sobre o lugar.

— Você já fez o check-in? — perguntou Aidan, tentando mudar de assunto.

— Não, acho que não tem ninguém no atendimento ainda — respondeu Camélia, enquanto olhava para a área dos funcionários.

Aidan olhou para os quadros de chaves e viu uma placa dizendo que era para pegar as chaves quem chegasse das 21h às 00h, e assim pegou as duas chaves: uma para o quarto de Camélia e outra para o quarto dele. Ele mostrou as chaves e a placa para Camélia e pôde escutar ela reclamando de algo, mas ele estava concentrado no ambiente da casa. A cada passo que davam, o chão rangia. Algumas portas dos quartos estavam cheias de poeira e outras com fitas de "não abra". Aidan sentiu que estava entrando em algum lugar cheio de histórias de assassinatos.

De repente, um barulho alto foi ouvido justamente quando encontraram seus quartos. Eles olharam para ver a razão do barulho e viram um casal discutindo. Isso fez Camélia e Aidan se olharem, mas, não querendo passar uma imagem ruim, apenas entraram em seus respectivos quartos. Aidan iria dormir sozinho, enquanto Asha e Camélia iriam dormir juntas.

Aidan reparou no estado do quarto e como ele estava empoeirado. Ele olhou pela janela e viu que dava para o centro da cidade, onde havia uma fonte vertendo uma água avermelhada. Ele se perguntou se estava certo sobre o que via, já que aquela cidade tinha o formato de um olho, e aquela fonte parecia um glóbulo ocular. Após arrumar suas coisas, ele notou algo estranho: viu pessoas com capuzes. Naquele mesmo instante, sentiu seu coração doer, seus pulmões se fecharem e começou a se afogar. Sentiu falta de ar e sua visão se apagou. Antes de desmaiar, ele tossiu um pouco e viu que era sangue, e assim tudo à sua volta ficou preto.

Para ele, pareceu segundos. Quando acordou, sentiu tontura, seus olhos se ajustaram e ele sentiu algo estranho em suas mãos. Elas estavam pegajosas com algum líquido. Ele olhou para suas mãos e viu que estavam cheias de sangue. Surpreso, levantou-se rápido e caiu novamente. 

Ele olhou em volta e percebeu que estava em algum beco da cidade, mas não longe o suficiente para estar distante da casa onde estavam, já que conseguia vê-la ao longe. Notou que o lugar onde estava havia sangue pelo chão e pelas paredes. Sentiu uma pontada e dor nas costas, percebendo que tinha uma ferida aberta, além de outra no peito e na perna esquerda, eram cortes de faca. O problema era como havia chegado naquele estado. Sua mente estava confusa e sua cabeça doía quando tentava lembrar, mas ele precisava andar para chegar até onde as outras duas estavam, e assim começou a caminhar.

A luz do sol era forte, a cidade ainda estava vazia, com apenas algumas pessoas andando. Elas pareciam estar em transe, o que fez Aidan ficar ainda mais ansioso sobre quanto tempo havia ficado desacordado. 

Assim que chegou à casa, percebeu que ela estava barricada, e apenas uma pessoa veio ao seu encontro. Camélia segurava uma espécie de faca e tinha seus cabelos presos. Sua aparência indicava que havia lutado com alguém. A mente de Aidan ficou tão aliviada de vê-la que ele quase caiu para frente.

— Aidan! Você está vivo! Onde você esteve? O que aconteceu com você? — perguntou Camélia enquanto segurava Aidan.

— Eu não sei, tudo parece confuso. Só sei que acordei em um beco com minhas mãos cheias de sangue — respondeu Aidan. Sua garganta parecia seca e doía.

— Esse sangue é seu? Como você sobreviveu nesses 5 dias? — questionou Camélia.

Aidan sentiu uma pontada na cabeça e olhou assustado para Camélia. Ele não sabia que haviam se passado 5 dias.

— O que você quer dizer com 5 dias? Eu não me lembro de nada desde que chegamos naquela casa — respondeu Aidan com dificuldade, tentando lembrar.

— Aidan, nós fomos atacados por alguém e, quando percebi, Asha havia sido levada e você tinha sumido. Eu… pensei que você tinha… — disse Camélia enquanto tentava não engasgar com aquelas palavras. Sua mente estava um inferno, ela não acreditava que Aidan ainda estava vivo. Talvez estivesse feliz por vê-lo.

— Lia, eu estou bem, quer dizer, estou mais ou menos bem. O problema é que percebi que meus ferimentos não estão se regenerando.

Camélia finalmente percebeu aquilo. Era impossível para um fantasma que havia tomado tamanha quantidade de Ourozina não conseguir se regenerar de ferimentos tão pequenos. Camélia não queria pensar naquilo, mas tinha uma hipótese.

— Talvez você não tenha apenas esses ferimentos e por isso o nível de Ourozina em seu sistema tenha decaído, e por isso você não consegue mais se regenerar — disse Camélia, explicando enquanto caminhava com Aidan para perto da casa.

Aidan tinha muito a perguntar, mas não sabia o que fazer. Ele tinha que descobrir o que havia acontecido com Asha e também com Camélia, mas sua mente não ajudava, e assim quase desmaiou. Camélia teve que levá-lo com dificuldade para seu quarto e cuidar de seus ferimentos. Aidan parecia febril por algum motivo, mas conforme o tempo passava e a névoa aparecia, ele melhorava. Isso fez Aidan perceber algo tão óbvio que estava à sua frente o tempo todo.

A fábrica, que era para estar desativada, tinha uma grande fumaça saindo dela, e aquela fumaça se misturava com a névoa, tornando-a avermelhada. Aidan olhou para aquilo e pensou: “O que aconteceu com essa cidade?”



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