Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 23: Sobrepujar.

O tempo ameno, Agatha caminhava pelos corredores exteriores de sua casa. Ela havia libertado Aidan da tortura com Ourozina. Tinha tudo planejado para a noite em que ocorreria o encontro com as pessoas mais importantes da época. Não conseguia deixar de lembrar de muitas coisas enquanto caminhava e escutava o barulho da chuva.

Podia ver todos se preparando para partir para um lugar distante. Agatha, sendo a princesa, não podia dizer que não estava ansiosa.

Os planos de sua vida dependeriam daquela noite. Tudo dependeria do que ela iria fazer. Os chefes das principais ilhas iriam se encontrar. O terreno estava totalmente planejado. Lembrava-se de que a corrida para o trono iniciaria a partir daquela noite.

Mas sua visão repousou em um lugar curioso. Viu um homem em plena chuva sentado em um banco. Não entendia a mente que Aidan tinha. Ele parecia ter mudado muito desde que ela o libertara. Pensava que talvez Ourozina tivesse mexido com sua cabeça, o fazendo enlouquecer, mas sabia que aquilo seria muito diferente de loucura.

— Me tragam um guarda-chuva — ela deu uma ordem a seus empregados.

— Sim, senhora, mas você irá se aproximar daquele fantasma? — a empregada perguntou com certo medo.

Agatha olhou para a empregada com medo e apreensão. Apenas pôde balançar a cabeça. Tinha ouvido falar que os empregados tinham medo do que Aidan era capaz de fazer, ainda mais que pessoas normais não tinham controle sobre fantasmas.

Caminhou pelo pequeno jardim chuvoso e se aproximou de Aidan. Sentiu o clima esfriar. Viu aquele homem como algo estranho. Sentia algo em seu coração, como se algo o atingisse.

Olhou para Aidan como um predador e, no momento em que ele se virou, viu aqueles olhos vazios. Poderia dizer que seria morta naquele momento. Era como uma imensidão sombria. Não conseguia respirar. Em um momento de medo, sussurrou:

— Aidan…

— Ah! Agatha, não te vi aí. O que uma princesa como você está fazendo aqui? — Aidan disse com surpresa.

Finalmente conseguiu respirar. Era como se aquele homem tivesse mudado. Seu olhar agora era outro. Não sabia como explicar, mas sabia que ele estava tenso sobre algo.

— Está nervoso com algo, querido fantasma? — ela perguntou com gentileza enquanto se sentava ao banco.

Aidan olhou os movimentos da princesa e pôde dizer que ela era uma presença interessante. Sua mente estava uma bagunça completa. Não sabia o que era aquele sentimento que ele teve e que ele tem quando a vê. Por isso ficou calmo e tentou se abrir um pouco.

— Sim, Agatha, mas não precisamos falar sobre isso.

— Precisamos falar sim! Ainda mais quando se trata da noite de hoje. Todos estão nervosos sobre isso — Agatha disse enquanto apontava para as pessoas ao redor deles se preparando.

Aidan notou que ela se aproximava dele e colocava o guarda-chuva sobre sua cabeça. Tinha uma expressão de curiosidade. Suspirou e olhou para frente. Lembrou-se de sua irmã novamente. Não sabia o que fazer, e não gostava de estar longe dela, ainda mais que ela estava em um lugar provavelmente desconfortável.

Pôde ouvir o suspiro da princesa e olhou para ela. Pôde ver medo em seu rosto. Olhou para a poça de água e viu seu reflexo. Parecia mesmo assustador. Respirou fundo e tentou sorrir gentilmente, mas seu rosto se recusava a obedecer. Em vez de um sorriso, mordeu os lábios.

— Não se preocupe, Aidan, tenho certeza de que vai dar tudo certo! — a princesa disse enquanto colocava sua mão em seu ombro.

Olhou para ela e sorriu amargamente.

— Aliás, você não consegue controlar seus olhos?

— Como? — perguntou Aidan incrédulo.

— Bem, todos os fantasmas verdadeiros conseguem controlar seus olhos, e ainda mais agora que você bebeu Ourozina, deveria ser mais fácil.

— O que você quer dizer com "olhos"? — Aidan perguntou confuso, e vendo a reação da princesa, percebeu que ele era o ignorante.

— Olha, a gente aprende isso no laboratório — ela disse meio confusa.

— Eu nunca fui para o laboratório.

— Certo… esqueci que você é diferente. Bem, isso acontece devido a você virar um fantasma verdadeiro. Você tomava possivelmente os suplementos certos?

— Sim.

— Então isso era Ourozina também. Ou seja, você estava se preparando para sobreviver como um fantasma. E para isso acontecer, você desbloqueia esse tipo de visão diferente. Não posso dizer que é um superpoder, mas é algo parecido. Você pode intimidar ou mudar os pensamentos das pessoas que você está olhando nos olhos. Já ouviu do ditado “Os olhos são as janelas para a alma”? Então, é mais ou menos isso.

Aidan nunca havia percebido aquilo. Achava que era algo normal, ou que as pessoas simplesmente tinham medo dele por outro motivo, ele sendo um fantasma ou alguém sem um olho com uma cicatriz enorme.

Olhou para suas mãos e percebeu que tinha muito mais para descobrir dele do que imaginava. Respirou fundo e se acalmou. Se todas às vezes que ele encontrasse uma pessoa ele usaria esses tais "olhos", ela certamente não gostaria.

— Obrigado pela informação, princesa — Aidan disse enquanto curvava a cabeça.

Agatha suspirou. Nunca havia encontrado alguém como Aidan. Ele usava aquilo 24 horas por dia? Sabia o peso que tinha em deixar aquilo correndo livre pelo corpo. Não podia imaginar o que sua mente estaria passando.

— Agatha, me diga o que está acontecendo com a organização.

Ela sentiu um arrepio em suas costas. Ele novamente estava sério, e o clima pesou. Suspirou ao perceber que não poderia escapar de explicar aquilo para ele.

— Existe uma tradição, para dizer a verdade, uma lei, em um código da organização. E essa lei diz que devemos lutar pelo poder para ser o próximo Rei.

— Isso quer dizer a noite de hoje?

— Não, isso é apenas a apresentação da peça que irá acontecer no futuro. Geralmente essa corrida ao trono é silenciosa, mas meu irmão é muito impulsivo, e eu não quero o trono.

— Espera, você está dizendo que você não quer o trono? — Aidan parecia confuso. Sabia que a maioria das pessoas iria querer ser o próximo a comandar, e ela, sendo a princesa, não iria querer?

— É bem, você não é o único que reagiu dessa forma. Todos os meus aliados pensaram assim. Mas caso você não saiba, irá acontecer uma guerra civil, uma guerra entre famílias, e essa guerra irá acabar com as famílias mais fracas, o que não é algo normal — a princesa apertou seus punhos, parecia nervosa.

Aidan observou aquele rosto geralmente sereno, demonstrar um pouco de nervosismo e tristeza. O problema era que, se uma guerra iria acontecer entre irmãos, o que o pai deles iria fazer?

— Aidan, saiba que nosso pai, ele não se importa com nada, ele apenas quer ver a intriga entre mim e meu irmão. Ele sempre tem um plano maquiavélico sobre tudo, e por causa disso que eu me aliei a um certo exército.

Aidan pôde entender diretamente o que ela estava falando: um exército revolucionário. Ela não queria o trono, ela queria que o banho de sangue acabasse. Isso fez Aidan sentir um pouco de esperança, mas ele não tinha nada a ver com aquele confronto. Por isso, ele apenas poderia pensar em sua irmã e em Asha.

— Aidan, eu preciso que me ajude com isso — ela parecia tensa.

— O que você quer? — perguntou Aidan com um olhar sério.

— Eu preciso que você mate o Bispo, para que assim eu tenha o poder de tomar essa ilha e também possa começar com o pé direito a corrida ao trono — ela parecia meio assustada para alguém que disse algo com tanta certeza.

— Certo, se é tudo que precisa, considere feito. Eu já iria matar ele mesmo.

A princesa pareceu feliz. Aidan pôde ver o seu corpo se arrepiar. Algo havia mudado em sua mente. Ele ajudou uma pessoa que não interessava a ele. Isso o fez duvidar de sua integridade.

Ele olhou para o céu e a chuva havia parado. Ele se levantou e respirou fundo, sentindo o cheiro de terra molhada. Aquilo fez ele lembrar de seu objetivo. Lembrou da sensação de acolhimento. E após sentir sua determinação crescer, ele olhou para a princesa. Ela estava olhando para baixo. Ele sorriu com confiança e se ajoelhou perante ela, fazendo seus olhos se encontrarem com os dela.

— Vamos, princesa? — disse Aidan enquanto estendia sua mão para Agatha.

Ela sorriu gentilmente e assim segurou a mão dele. Ele se levantou e os dois caminharam para dentro da casa em que estavam.

A noite havia chegado rapidamente. Em frente à mansão, Aidan sentiu seu estômago ficar embrulhado. Mesmo dentro do carro, ele podia ver a grande mansão do Bispo. E à medida que os convidados chegavam à imponente mansão, seu coração ficava mais ansioso. Carros luxuosos deslizavam suavemente pela entrada, enquanto os ocupantes, elegantemente vestidos, emergiam com graça e estilo. O ar estava impregnado de uma mistura de perfumes finos, e era quase palpável o nível de poder de todas aquelas pessoas.

Quando eles chegaram à porta, estas estavam abertas, dando para um grande hall. Aidan desceu do carro e abriu a porta para a princesa. Ela, por sua vez, segurou os braços de Aidan.

Aidan podia apenas pensar que eles adentravam o território inimigo. Prepararam suas máscaras, assim como a princesa havia falado. E assim que um homem olhou para os dois e reconhecendo o anel na mão da princesa, ele anunciou:

— Chegada da princesa Agatha Astville e seu acompanhante — a voz do homem ecoou por toda a mansão, fazendo os convidados olharem para os dois, e isso os fez engolirem em seco.

Dentro da mansão, o ambiente estava repleto de sofisticação. Lustres reluzentes pendiam do teto alto, lançando reflexos brilhantes pelas paredes adornadas. Música suave flutuava pelo ar, criando uma atmosfera tranquila.

Os convidados se misturavam, conversando em pequenos grupos enquanto apreciavam a decoração exuberante e os detalhes luxuosos da mansão. Garçons elegantemente vestidos circulavam entre os presentes, oferecendo taças de champanhe e petiscos.

Aidan não conseguia se encaixar naquele lugar, mas parece que suas preces haviam sido ouvidas. Ele viu um homem chegando de cima de uma grande escadaria. O homem tinha cabelos vermelhos e longos, sua barba era grande, e havia marcas do tempo em seu rosto. Aidan percebeu que Agatha havia chegado perto dele.

— Aquele é o Rei — disse a princesa, sua voz parecia ter sido abafada.

Aidan pôde saber que ele era o rei. Ele exalava uma aura diferente das pessoas à sua volta, assim como era um dos únicos sem máscara, assim como o outro homem jovem. Ele tinha cabelo ruivo e raspado, olhos afiados e um traje branco. Ao seu lado havia outro alguém que Aidan reconheceu: o Bispo parecia pequeno comparado às duas figuras ao seu lado.

— Senhoras e Senhores, eu agradeço por virem a esse encontro. É importante cada presença de cada um. Como vocês sabem, irá acontecer a corrida para o trono, e eu preciso de uma última noite de trégua antes do que irá acontecer. Por isso, irei dar uma grande peça para que vocês possam aproveitar — o rei disse enquanto dava um sinal com as mãos. As luzes do local foram apagadas, deixando apenas algumas direcionadas para poucas pessoas e lugares.

Aidan notou que as portas estavam sendo fechadas e guardas estavam se posicionando à frente delas. As janelas também estavam sendo fechadas, algo estranho de acontecer, mas ele apenas deixou para lá. No momento que a princesa o puxou pela manga para se sentar em uma mesa.

— Aidan, olhe para aquele canto — ela sussurrava e apontava para outra mesa — eles são aqueles que devemos conquistar como aliados.

Aidan olhou na direção e viu uma mulher de cabelos longos e escuros com mechas brancas. Usava um vestido preto e sua pele parecia branca o suficiente para ser um morto. Ao seu lado havia um homem de cabelos pretos, e usava roupas brancas.

— Eles são os cavalos do rei, os irmãos, Camélia e Augusto Bryville. Precisamos da sua força e também do nível de tecnologia deles para ter mais Ourozina — a princesa parecia um pouco ansiosa por falar deles.

Mas Aidan não prestava muita atenção nos convidados, ele estava sentindo algo estranho. Via movimentações suspeitas entre os guardas e também entre alguns convidados. Isso o fez segurar a mão da princesa. Ele olhou para os atores da peça e percebeu que ela estava apenas no início.

Ela contava a história de irmãos se matando pelo trono e pelo direito de governar. Aidan não gostou da piada de mau gosto. Ele olhou para a princesa e ela estava confusa com Aidan segurando suas mãos, mas ele não se importou. Já que, em apenas instantes, ele pôde ouvir um disparo.

Vários disparos foram feitos. Aidan se surpreendeu e agiu rápido. Mudou do lugar onde estava com a princesa e a fez se agachar perto dele. Ouviu os gritos das pessoas e também o desespero. Com a grande confusão, ele se preparou para tomar uma bala pela princesa.

Ele viu um homem que parecia ser um guarda se aproximar dos dois, segurando firmemente uma arma na mão. Ele se aproximou dos dois, mas Aidan já estava preparado e com movimentos rápidos e precisos, agarrou o pulso do guarda torcendo com força, fazendo a arma voar de sua mão. Aidan ficou por um momento surpreso com sua agilidade e sua força, mas não tinha tempo para ficar surpreso. Pegou a arma do homem e se preparou para a emboscada que estava acontecendo ao seu redor.

Ele pegou nos braços da princesa e a fez levantar. Não tinha tempo para ser cortês. Havia muitas pessoas sendo mortas e outras correndo pelas suas vidas. Ele tinha apenas que a levar para um lugar seguro, e o único lugar que ele havia visto era uma porta que levava para um corredor.

— Princesa, escute, você vai correr para aquela porta enquanto eu dou cobertura - Aidan disse com rispidez, mas a princesa balançou a cabeça em afirmação, preparando-se para correr.

— Agora! — Aidan gritou.

Eles começaram a correr em direção da porta. Poucas pessoas tentaram impedi-los, e aqueles que tentaram, Aidan tentava acertar com a pistola. Tinha que ser preciso para que as balas não acabassem.

Chegando perto da porta, Aidan pôde ouvir algo vindo em sua direção atrás dele e sem tempo de resposta, olhou para a direção do barulho para ver dois homens mais novos avançando nele com adagas.

Aidan foi arremessado contra a parede. Pelo barulho do impacto, podia jurar que havia quebrado pelo menos alguns ossos. Ao perceber que estava totalmente bem, olhou para a princesa e ela já havia atravessado a porta, mas os dois homens estavam a seguindo. Aidan se levantou e rapidamente correu atrás dos dois homens, que reagiram a Aidan, tentando acertá-lo, mas não conseguiram, dando abertura para Aidan disparar contra eles, acertando um deles no peito.

Aidan tentou atirar outras vezes, mas sua arma havia ficado sem balas. Por isso, teve que improvisar. Correu para perto do que estava de pé e tentou acertá-lo com a arma. Chegou no corpo do outro e pegou sua adaga. Era pesada e difícil de manejar, mas era o que tinha.

Preparou-se para o combate, e poucos segundos de pensamento, o homem tentou a sorte, fazendo Aidan desviar. O homem parecia atacar aleatoriamente, deixando muito mais fácil para Aidan, que apenas precisou de alguns golpes para finalizá-lo.

Naquele momento, Aidan pôde ouvir a voz desesperada de alguém gritar atrás dele, e um homem de olhos vermelhos se aproximando. Ele gostaria de tentar a sorte com ele, e por isso correu para perto da princesa. Passando da porta, a fechou e quebrou o trinco, aquilo iria dar algum tempo para eles.

— Aidan! — a princesa gritou em preocupação — você está bem?

— Sim, estou bem. Eles não eram tão bons assim — Aidan olhava para as partes de seu corpo, mas quando olhou para a princesa, ela tinha uma expressão de descrença.

— O que foi? — Aidan perguntou com dúvida.

— Aqueles eram os irmãos de assassinos de fantasmas. É quase impossível matá-los — disse a princesa incrédula.

Aidan ficou surpreso, mas respirou fundo. Ele não sabia no que havia se transformado. Para ele, aquela luta estava muito fácil e simples.

Ele afastou os pensamentos e olhou para o grande corredor em que estavam. O lugar era escuro e tinha várias portas à esquerda deles, enquanto à direita havia apenas janelas que davam para o precipício. Ele não gostaria de pular por aquele lugar com a princesa. Vendo que mais guardas estavam chegando do lado oposto, ele não teve outra ideia senão entrar em um dos quartos que havia naquele lugar.

— Vamos, Agatha, não posso perder todas as minhas forças com meros guardas.

— Certo!

Eles entraram em um quarto que tinha um número 20 na porta. Assim que entraram naquele lugar, perceberam que caíram em uma armadilha.

A porta atrás deles se fechou completamente, com barras de ferro e um sistema de segurança com senha. Puderam ver que o quarto estava totalmente vazio, tendo apenas outra porta, essa com a letra 6 estampada nela.

Aidan, olhando para aquilo, sorriu desacreditado, e a princesa fez o mesmo.

— Então é por isso que chamam de Mansão Labirinto — disse a princesa incrédula.

Aidan estava novamente preso, em um lugar de onde não sairia tão cedo.



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