Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 22: Morte (3).

Um ambiente escuro, úmido. Ele não podia enxergar, sentia seu corpo amarrado, o frio do ferro, braços e pernas queimando. Aidan estava com a mente perturbada. Ele havia visto sua irmã no chão, Asha sendo presa. Não sabia exatamente o que fazer. O sentimento de estar preso o fazia lembrar de coisas que não queria. A escuridão o deixava alerta. Ele não gostaria de lembrar daqueles dias, não gostava daquilo, mas uma estranha nostalgia o fazia ficar calmo. Podia escutar passos indo em sua direção, a claridade o fez cego.

Em sua frente, uma mulher com um véu branco sobre os olhos, lábios vermelhos e sorridentes, cabelos loiros como fios de ouro. Suas roupas brancas a faziam parecer um fantasma. Uma voz suave veio daqueles lábios.

— Acordou finalmente, querido fantasma — sua voz parecia um sussurro, causando um arrepio na alma de Aidan.

— Me desculpe pela introdução agressiva, mas acontece que não tive muito tempo para planejar, o Bispo estava muito impaciente.

Aidan olhou para o véu, não conseguia dizer o que ela estava sentindo. Ficou confuso e também irritado. Culpa-se pelo que estava acontecendo. Por sua causa, sua irmã foi envolvida em seu passado novamente, e devido ao seu egoísmo, acabou levando Asha também. Encarou a mulher com intensidade, e ela apenas sorriu.

— Não se preocupe, querido fantasma. Eu sei que elas estão vivas, bem, por enquanto. Mas devo dizer que você terá que esperar para ir buscá-las, já que com esse corpo você não poderá fazer muita coisa — ela se aproximou das costelas de Aidan e o cutucou, fazendo-o sentir uma pontada forte e gemer de dor. Olhou para ela com mais raiva.

A princesa olhava para Aidan como um cachorro difícil de se conquistar. Sabia que ele era complicado, e talvez mais quebrado do que um fantasma defeituoso. Por isso, sabia que ele era o melhor que tinha, e para adestrá-lo, teria que fazê-lo ceder.

— Sabe, ouvi falar de você pelos informantes do meu pai. Você fez bastante bagunça, e por isso foi feito alvo da organização. Mas saiba que estou aqui para te ajudar. Vim fazer um pacto com você.

Ela caminhou para longe de Aidan, fazendo-o desviar o foco dela. Olhou em volta da sala. Parecia um hospital clandestino, úmido, sujo e escuro. Havia mais duas pessoas na sala, ambas de roupas médicas, mas com máscaras brancas em seus rostos. Olhava para as agulhas ligadas a tubos com um líquido vermelho dourado. Sabia que não sairia tão cedo daquele lugar. Olhou para a princesa e seus movimentos. Ela pegou um frasco do líquido estranho e se aproximou novamente de Aidan.

— Veja bem, acho que você não sabe o que é isso. Mas isso é um medicamento muito importante para os fantasmas. Chamamos de Ourozina, um líquido que age diretamente no sistema nervoso central. Pode aumentar capacidades físicas e mentais dos fantasmas, e é isso que está sendo injetado em você.

Ela se aproximou de Aidan, segurou sua boca, arrancou a mordaça e despejou o líquido. Aidan não conseguia resistir à força daquela mulher. Algo estava estranho. Sentiu a mente ficar mais clara, os sentidos mais aguçados. Todos os seus sentidos gritavam, e ele se curvou para frente.

Sentiu seus pulmões queimarem, costelas estalarem, até a dor passar em instantes como se nada tivesse acontecido. Aquilo o fez finalmente falar:

— O que você fez comigo?

— Apenas dei a você um pouco de Ourozina. Sua reação foi maravilhosa. Nem todos os fantasmas conseguem suportar isso — a voz da mulher parecia orgulhosa.

— Está me dizendo que me fez tomar algo que poderia me matar? — perguntou Aidan com desdém.

— Sim, exatamente. Você deve ser capaz de suportar isso para o que está vindo no futuro.

— O que você quer comigo? — perguntou Aidan após se acalmar.

Ela sorriu de leve, para logo ficar séria novamente.

— Quero que me ajude a quebrar o sistema dos fantasmas, a quebrar o reinado de meu pai. Um jogo político está acontecendo. Preciso de aliados. Quem seria a melhor escolha se não o homem que se tornou um fantasma verdadeiro por vontade própria?

Ela encarou Aidan, ou parecia encarar. Ele sentiu arrepios na pele. Olhava para a pessoa insana em sua frente e não sabia o que dizer. Sabia que estavam acontecendo algumas intrigas políticas com os regentes das famílias, e também com o rei. Mas pensava que a organização não tinha nada a ver com isso.

Aidan pensou um pouco. Estava um pouco desesperado, as pistas estavam acabando, todas as pessoas que tentava procurar sumiam, e por isso não conseguia pensar em forma melhor de alcançar seu objetivo. Encarou a princesa mais uma vez e perguntou:

— O que aconteceu com minha irmã e a criança?

— Não se preocupe. Como disse, elas estão bem. É só uma tática do Bispo para trazer você para a mansão dele. Então, não se preocupe. Ele vai mantê-las vivas por enquanto.

Aidan suspirou aliviado. Teria que pensar direito no que faria agora, mas algo quebrou sua linha de pensamento.

— Acho que estamos sem tempo para pensar, querido fantasma. Por isso, irei começar a injeção de Ourozina em seu sangue. Você precisa ficar mais forte, e se esse experimento der certo, você será um dos fantasmas mais fortes.

Ela deu um sinal para as duas outras pessoas na sala, e elas ativaram as bombas. Ele podia sentir sua pele queimar, era uma dor insuportável, mas nada comparado ao que havia passado. Ele pôde ouvir o sussurrar da princesa em seu ouvido.

— Você é minha única opção, Aidan. Então, pelo bem de sua irmã e daquela criança, aguente. Muitas vidas estão em suas mãos agora — a voz da princesa parecia diferente.

Aidan pôde ver, mesmo por um relance, o rosto e os olhos preocupados da princesa. Pôde escutar sua voz trêmula.

Aidan não conseguia decifrar aquela mulher. Ele não conseguia dizer o que havia com ela, se ela era uma aliada ou uma inimiga, mas isso sumiu de sua mente no momento em que ele sentiu sua cabeça quase explodir.

Ele percebeu que os próximos dias iriam ser complicados, e enquanto sua mente se esvaía e tudo ficava preto, ele pôde ouvir alguém o chamar.

— Irmão mais velho! - uma voz gentil, uma voz que ele não conhecia.

Aidan passou um dia inteiro sofrendo. No início, eram apenas dores de cabeça, mas começou a doer em outras partes do seu corpo. Seus músculos começaram a mudar; ele via seus membros tremerem enquanto mais daquele líquido entrava em seu sangue. Ele não sabia se estava alucinando, mas ele podia ver algo, um sonho ou uma memória, algo que ele sempre via quando estava sofrendo.

Ele via um grande jardim cheio de flores, um lugar estranhamente feliz, ou ele estava feliz. Aidan podia ver naquele tranquilo jardim, sob o sol ameno da tarde, três pessoas se divertindo. Suas risadas ecoavam como melodias suaves, despertando algo que ele não conhecia. Ele escutava as vozes felizes, e isso o fazia ficar apreensivo, até porque ele sentia que aquele belo sonho se transformaria em pesadelo.

Ele repentinamente viu uma grande sombra sobre o seu rosto. Ele sentia um líquido pingando em seu rosto, olhou para cima e viu uma grande lança perfurando o teto, atravessando um corpo de um homem diretamente em seu coração. Aidan viu o líquido pingando da ponta da lança, viu os olhos do homem que pareciam tristes e com lágrimas de sangue.

Aidan acordou na cadeira, e ele se perguntava se o líquido que pingou nele eram as lágrimas ou o sangue daquele homem. Em sua frente, Aidan pôde ver a princesa sorrindo. Ela usava um véu em seus olhos, mas algo estava errado. Aidan podia enxergar melhor do que nunca. Ele sentiu algo errado em seu globo ocular que havia perdido; ele sentiu algo errado com a sua pele. Ela não parecia queimada. Ele olhou para seus braços, e eles estavam limpos.

— Um espelho! — gritou Aidan com pressa.

A princesa felizmente pegou um espelho e apontou para Aidan. Ele então pôde comprovar. Seu olho perdido havia voltado, mas não somente isso, ele havia voltado diferente. Estava preto, diferente do seu outro olho, que era azul. Aidan pôde notar também que ele não tinha mais a cicatriz em seu rosto. Ele estava completamente rejuvenescido. Ele ficou completamente perplexo.

— O que achou, querido fantasma? Algo realmente incrível, certo? — disse a princesa com orgulho e um sorriso feliz.

Aidan balançou a cabeça em afirmação. Era como se não fosse ele naquele espelho, mas talvez aquilo fosse demais para ela, já que uma dor de cabeça começou a surgir, com uma vontade de vomitar. Ele sentiu o seu corpo se curvar. Ele olhou para o líquido vermelho dourado e sentiu a vontade de bebê-lo.

— Merda! — ele gritou — você me fez viciado nessa merda? — ele perguntou para a princesa, que tinha um sorriso torno em sua face.

— É claro que não! Você só está assim devido à grande ingestão de Ourozina, que como qualquer outra droga pode causar vício.

Aidan suspirou. Ele podia aguentar aquela abstinência, mas ele percebeu que a princesa não estava esperando ele suportar aquilo, já que ela trocou os tubos vazios por cheios. Aidan tremeu um pouco após ver aquilo. Ele perguntou assustado para a princesa:

— Você não vai continuar com isso, vai? — sua voz estava tremendo.

A princesa sorriu gentilmente para Aidan e deu um sinal para começar novamente o experimento. Aidan gritou quando sentiu aquele líquido entrando em seu corpo novamente, e quase instantaneamente, ele desmaiou.

E novamente ele teve aquele sonho, e novamente ele sentiu seu corpo queimar, mas dessa vez foi sua cabeça. Era como se tivessem batendo continuamente em sua cabeça com um martelo. Ele sentia como se ela fosse explodir, toda aquela dor se direcionou para uma visão onde Aidan se via à frente de uma pessoa, e essa pessoa arrancava seu coração.

O susto daquela visão fez Aidan abrir os olhos rapidamente, para então ver a princesa sentada à frente dele. Ele lembrou de uma certa mulher que fazia o mesmo quando o torturava.

— Sobre o que está pensando, princesa? — Aidan perguntou meio ofegante.

Ela se surpreendeu com o chamado de Aidan. Ela sorriu gentilmente e começou a falar:

— Só que amanhã irá acontecer a reunião de todos os funcionários da organização — sua voz parecia ansiosa.

— E então?

— Acontece que meu pai estará lá, meu irmão também, ou seja, vai ser um banho de sangue.

Aidan pôde entender como é complicada a situação da família, mas havia algo a mais naquilo; ele podia sentir que aquela princesa estava escondendo algo.

— Então, princesa, como é a relação com a sua família? — Aidan perguntou da maneira mais gentil possível.

Mas ao perceber que a princesa estava séria, ou irritada, ele recuou, dando um sorriso nervoso.

— Me chame de Agatha, não gosto que me chame de princesa.

— Certo…

O clima estava estranho, mas Agatha suspirou, levantou-se e começou a rodear Aidan. Seus movimentos ansiosos faziam Aidan ficar ansioso também, até que ela parou atrás dele e falou em seu ouvido.

— Eu preciso que você seja forte para que eu possa sobreviver. Você é a única chance de eu sobreviver nessa merda de organização.

— Não seria prudente simplesmente sair dela, prin… Agatha?

— Não, é impossível, já que sou a filha do rei e também do líder da organização. Mesmo que eu quisesse, não poderia, já que todos que tentaram, morreram.

Aidan suspirou. O clima não estava ficando bom. Ele não sabia o porquê de, quando ele ficava perto daquela mulher, ele ficava mais calmo. Ele achava estranho já que ela tinha a mesma aura de sua irmã.

— Me diga então, Agatha, você quer que eu vá com você para o encontro? — Aidan perguntou sem pensar.

— Você iria mesmo? — ele pôde escutar a voz de Agatha ficar animada.

Ele sentiu as mãos dela em volta dele, como se ela estivesse o abraçando. Ele sentiu o calor de seu corpo, o que fez ele pular uma batida em seu coração.

— Eu adoraria te levar, Aidan! Até porque o Bispo também vai estar lá! — Agatha moveu-se para a frente de Aidan, olhando diretamente em seus olhos. Ela havia tirado seu véu. Aidan pôde olhar diretamente para aqueles olhos negros e profundos. Ele sentiu algo diferente, algo que não era normal. Ele sentiu o mesmo quando estava com Celina, e isso o fez recuar um pouco, mas ele acenou com a cabeça.

— Então você será meu par! — disse ela enquanto sorria com felicidade.

Aidan não sabia o que estava acontecendo, mas depois daquela conversa, ele não se lembrava de mais nada. Ele apenas lembrava de ver uma visão de um homem o enforcando. Ele sentia as mãos pesadas daquele homem e também o desespero em seu rosto, aqueles olhos negros chorando sangue.

Aidan não sabia o que eram aquelas visões, mas ele sabia que agora que o experimento havia acabado, ele estava se preparando para ir para o tal jantar da organização.



Comentários